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Intoxicação por Lítio | Colunistas

Intoxicação por Lítio | Colunistas

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Introdução

O uso de medicamentos sempre esteve vinculado ao seu potencial benefício na cura e controle de doenças, no entanto é sabido que essa prática tem grande potencial de causar reações adversas. Essas reações podem ser devidas ao seu uso de maneira correta ou decorrente de má utilização, seja em questão de abuso ou dosagem equivocada.

As intoxicações exógenas são um capítulo muito importante dentro da medicina de emergência. Vemos, diariamente, pacientes acometidos por reações adversas decorrentes do uso drogas, lícitas ou ilícitas. Hoje abordaremos a intoxicação por lítio.

Medicação muito utilizada por pacientes psiquiátricos, o lítio age como um estabilizador de humor. É de suma importância entender o processo de intoxicação aguda e crônica por essa droga e entender como e quando utilizá-la. Vamos lá!

Aspectos gerais

O lítio tem apresentação no mercado geralmente na forma de carbonato, citrato ou ainda na forma de iodeto de lítio (não usado como medicamento). Usualmente apresenta absorção em torno de 1-6 horas, a depender do tipo de liberação do comprimido. Durante casos de abuso, a absorção pode ser mais gradual, sendo que, com as apresentações de liberação estendida, pode haver múltiplos picos de absorção.

Considerando seu uso terapêutico, o pico plasmático ocorre aproximadamente 30 minutos a 3 horas após a ingesta de compostos de liberação normal e entre 2-12h após a ingesta de formulações de liberação prolongada.

A eliminação do lítio geralmente ocorre dentro de 12-24h. Sua eliminação é principalmente renal, sendo que, como dito acima, em situações de overdose ou doença renal, a eliminação pode ser retardada.

Meias-vidas de até 36h foram reportadas em pacientes idosos e de 40h a 50h em pacientes com doença renal.

A intoxicação por lítio pode levar a alterações em sistema gastrointestinal, neurológico, cardiovascular, renal, afetar a função tireoidiana e levar a outras alterações, como em eletrólitos.

Sintomas e apresentação

Os pacientes com intoxicação por lítio podem apresentar sintomas gastrointestinais, neurológicos, cardiovascular, renais e em eletrólitos.

Na parte gastrointestinal, geralmente os pacientes podem apresentar náuseas, vômitos, íleo paralítico, diarreia.

Neurologicamente, o paciente pode apresentar confusão, delirium, agitação, convulsões, estado de mal não convulsivo, coma, tremores, hiperreflexia, clonus, nistagmo, ataxia, disartria, dentre outros.

Em relação ao aparelho cardiovascular, há relatos de taquicardia, bradicardia, hipotensão, prolongamento de intervalo QT, síndrome Brugada. Hipertermia também pode ocorrer, além de disfunção renal, diabetes insipidus nefrogênico e distúrbios eletrolíticos, sendo o principal a hiponatremia.

Devemos lembrar que o consumo crônico de lítio também está associado a quadros de hipotireoidismo. Em casos muito graves, desordens neuropsiquiátricas podem ser irreversíveis.

O que fazer

Inicialmente devemos decidir se esse paciente necessita ou não de cuidados e o que fazer.

Pacientes em consumo crônico de lítio que tomam uma dose adicional da medicação devem ser orientados no dia a omitir sua próxima dose e, após, continuar sua terapia como de costume. Se mais de uma dose adicional for tomada, esse paciente merece ser admitido no hospital.

Pacientes que não fazem uso de lítio devem ser admitidos no hospital se: estiverem sintomáticos, tiverem consumido ao menos 50 mg/kg de carbonato de lítio ou 100 mg/kg de citrato de lítio, se forem doentes renais crônicos, se tiverem consumido medicações que podem ter efeito sinérgico e causar acumulação de lítio (diuréticos tiazídicos, AINEs, IECAs e BRAs) ou se tiverem mais que 65 anos.

Como dito, lítio é uma medicação potencialmente tóxica com grande perfil de efeitos adversos, sendo assim, é necessário monitorizar esse paciente de maneira adequada. Dessa forma, seu primeiro passo será levar esse paciente à sala de emergência e deixá-lo monitorizado.

Após a monitorização, colete exames! É imprescindível a coleta de litemia sérica (se o serviço possuir). Além disso, é adequada a realização de ECG, dosagem de eletrólitos, função renal, função tireoidiana e função hepática.

A litemia deve ser checada 6h após o consumo, repetida de 4h-6h após e, então, a cada 6h-12h. Há indicação de irrigação intestinal se o paciente estiver alerta e assintomático e se apresentar nas primeiras 3h com ingestão de > 10 comprimidos de liberação prolongada.

O lítio é um íon positivo, dessa forma, não é absorvido pelo carvão ativado. Um adendo importante é que, em qualquer caso de intoxicação exógena, o carvão não deve ser utilizado se consumo da medicação for > 2h, se o paciente estiver com nível de consciência alterada ou mesmo se o paciente se apresentar com < 2h e tiver ingerido uma quantidade de medicação com perfil tóxico baixo e em quantidade baixa. Lembre-se também que não devemos passar a sonda apenas para realização de carvão ativado, a menos que exista estrita indicação.

Caso o paciente apresente sinais de diabetes insipidus nefrogênico, será necessário realizar ressuscitação volêmica agressiva e monitorizar eletrólitos (Na+ principalmente) de 6h/6h. Diante dessa condição, os rins perderam água livre de maneira excessiva. A reposição volêmica deve ser guiada de acordo com o pH do paciente e não deve ser fixada a um volume por hora. É necessário guiar a ressuscitação volêmica pela hemodinâmica do paciente, inclusive utilizando USG POCUS para auxiliar. Inclusive, a ressuscitação volêmica pode auxiliar na retirada do lítio do corpo.

Há certa indicação para realizar a alcalinização da urina (possibilitará maior eliminação da medicação), objetivando um pH entre 7,5 e 7,55 (não deixe passar de 7,6). A alcalinização geralmente é feita com solução de NaHCO3 8,4% 150 ml + SG 5% 850 ml. Fique atento à volemia do paciente.

E os diuréticos? O lítio é absorvido principalmente nos túbulos proximais, com alguma absorção nos túbulos distais e alça de Henle. Furosemida e amilorida possivelmente aumentariam a excreção de lítio, mas os trabalhos não demonstram grande efeito. Dessa forma, em geral, não se recomenda o uso de diuréticos na intoxicação por lítio.

Por fim, falemos sobre diálise. Não há indicação clara sobre qual paciente deve ser submetido à diálise e seu uso geralmente é indicado pensando em evitar lesões neurológicas nos pacientes. No entanto, deve-se ponderar que a rápida retirada do lítio em pacientes em uso crônico da medicação também pode submetê-los a lesões neurológicas (Síndrome SILENT – Syndrome of Irreversible Lithium-Effectuated Neurotoxicity) ou mesmo piora de sua condição psiquiátrica.

Em geral, para se levar em conta a necessidade de diálise, devemos ponderar os níveis de lítio no corpo, trajetória do quadro, função renal, consumo agudo ou crônico.

Em relação aos níveis de litemia, normalmente é indicada a hemodiálise se: litemia > 5 mEq/L e independente de sintomas; litemia > 4mEq/L + disfunção renal (Cr > 2mg/d); litemia > 2,5 mEq/L + sintomas neurológicos + disfunção renal; ou em situações de coma, convulsão ou rebaixamento do nível de consciência.

A diálise deve ser continuada até que todas as alterações neurológicas sejam resolvidas (lembrando que casos graves podem se apresentar com irreversibilidade – pondere isso!) e as concentrações de lítio permaneçam estáveis a menos que 1 mmol/L.

Conclusão

Pacientes que se apresentam no departamento de emergência com intoxicações por lítio devem ser tratados com cuidado e avaliados de maneira consistente para que não haja erros em sua conduta.

Além do tratamento, assim que o paciente obtiver melhora, tente entender o que levou ao quadro de intoxicação, para que a prevenção possa ser realizada e possamos evitar complicações graves do uso dessa medicação tão perigosa.

Que a força esteja com vocês!


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. Velasco IT, Neto RAB, Souza HP, Marino LO, Marchini JFM, Alencar JCG. Manual de Medicina de Emergência, 2aedição, Editora Manole, 2020, pags. 994-995.
  2. ToxBase, Lithium Carbonate, Lithium Citrate.
  3. EmCrit.org, lithium intoxication.
  4. Decker BS, Goldfarb DS, Dargan PI, Friesen M, Gosselin S, Hoffman RS, Lavergne V, Nolin TD, Ghannoum M; EXTRIP Workgroup. Extracorporeal Treatment for Lithium Poisoning: Systematic Review and Recommendations from the EXTRIP Workgroup. Clin J Am Soc Nephrol. 2015 May 7;10(5):875-87. doi: 10.2215/CJN.10021014
  5. Niethammer M, Ford B. Permanent lithium-induced cerebellar toxicity: three cases and review of literature. Mov Disord. 2007 Mar 15;22(4):570-3. doi: 10.1002/mds.21318
  6. Swartz CM, Jones P. Hyperlithemia correction and persistent delirium. J Clin Pharmacol. 1994 Aug;34(8):865-70. doi: 10.1002/j.1552-4604.1994.tb02053.x