A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença devastadora que afeta significativamente o doente e toda a sua rede familiar e fraterna, pois é uma condição altamente debilitante. Além disso, seu desfecho é extremamente desfavorável na grande maioria dos casos, apresentando grande impacto na qualidade de vida, especialmente em países sem boa estruturação ou financiamento do serviço básico da saúde, como é o caso do Brasil.
Nesse sentido, entender melhor a definição de ELA, como ocorre seu desenvolvimento e os principais métodos de cuidado ao doente torna-se necessário para a realização de um tratamento mais bem direcionado a essa condição.
Definição de Esclerose Lateral Amiotrófica
Pode-se compreender o significado da Esclerose Lateral Amiotrófica a partir do seu próprio nome:
- Esclerose é o nome dado a um processo cicatricial neuronal, onde observa-se um endurecimento em zonas de fibras neuronais em virtude da morte e tentativa de cicatrização do tecido.
- Lateral, que corresponde a localização das fibras do corno lateral da medula espinhal, região onde concentram-se os neurônios motores.
- Amiotrófica, devido a perda neuronal existente na doença. Ou seja, A de sem, MIO de muscular e TRÓFICO de fator trófico, aquele que mantém, que nutre. A perda neuronal ocorre entre neurônios motores e, consequentemente, leva à interrupção da sinalização trófica de manutenção das fibras musculares. Dessa forma, sem a sinalização do fator trófico, há um processo de atrofia muscular, de modo que, embora haja algum neurônio atuante sobre a musculatura, a perda de massa muscular leva à perda motora e, por fim, a perda da função.
Diante disso, em resumo, pode-se afirmar que a ELA é uma doença que cursa com deterioração progressiva e perda de função dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal, levando à paralisia.
Embora antes se acreditasse que a ELA correspondia a um distúrbio exclusivamente motor, tornou-se evidente que a degeneração de outras áreas do cérebro, como os neurônios corticais das regiões frontal e temporal, também pode fazer parte do espectro clinicopatológico da ELA.
História da Esclerose Lateral Amiotrófica
A Esclerose Lateral Amiotrófica também é conhecida por outros 3 nomes:
- Doença do Neurônio Motor, pois afeta esse tipo de neurônio;
- Doença de Lou Gehrig, em homenagem ao atleta do beisebol americano, Lou Gehrig;
- Doença de Charcot, em homenagem ao Pai da Neurologia Moderna Jean-Martin Charcot.
A ELA foi estudada com profundidade a partir de uma série de casos analisados por Charcot e outros neurologistas entre 1865 e 1869. Em 1874, a doença foi batizada com o nome atual, Esclerose Lateral Amiotrófica, e descrita, com os sintomas sendo elencados em parceria com Sir Charles Bell, François-Amilcar Aran e Jean Cruveilhier.
Essa doença já atingiu inúmeras personalidades históricas, a começar por um atleta que designou seu nome, Lou Gehrig, famoso jogador de beisebol do século XX, conhecido como o The Iron Horse (O Cavalo de Ferro) dos New York Yankees.
Outras personalidades conhecidas são:
- Mao Tsé-Tung, líder comunista chinês, idealizador do Estado chinês moderno;
- O cartunista Stephen Hillenburg, criador da famosa série de animação Bob Esponja;
- O piloto da marinha dos EUA, Dieter Dengler, famoso por resistir vários anos em uma prisão vietnamita e escapar desta;
- O famoso físico teórico Stephen Hawking;
- O grande centroavante baiano Wasington Santos, que fez marcante carreira pelo clube Fluminense.
Epidemiologia da Esclerose Lateral Amiotrófica
A ELA apresenta uma incidência de um caso a cada 50 mil pessoas por ano e prevalência de um caso a cada 20 mil.
A proporção de afetados entre homens e mulheres é variável. Dessa forma, considerando apenas a ELA esporádica, a relação corresponde a 1,5-2 homens para cada 1 mulher. Porém, em caso de ELA de ordem familiar (genética), a proporção é de 1:1.
Além disso, a Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença que normalmente atinge indivíduos mais velhos, entre 40 e 75 anos de idade, com a média inicial de idade por volta dos 55 anos. No entanto, em condições hereditárias, é comum que a ELA surja em idades mais juvenis. Embora não haja grandes estudos coorte que abarquem diversos casos em diferentes lugares do mundo, as coortes existentes apresentam a maior incidência de ELA na etnia autodeclarada branca.
Manifestações da Esclerose Lateral Amiotrófica
A sintomatologia da ELA é fácil de prever, desde que se tenha noção das ações musculares e suas repercussões. Assim, lembrar das ações de neurônios motores superiores (NMS), inferiores (NMI) e de origem em tronco encefálico/bulbar (NMB) pode auxiliar no reconhecimento de sintomas que surgem na doença.
De um modo geral, deve-se ter noção que os sintomas relacionados à perda do neurônio motor tendem a ter início nos membros, normalmente de forma assimétrica e multifocal, ou seja, mão direita e pé esquerdo, por exemplo, e depois ir progredindo para outras áreas, chegando nas musculaturas de olhos, esfíncteres e até musculatura respiratória, como diafragma e outros, já nas fases finais.
As diferenças no local e segmento de início (craniano, cervical, torácico ou lombossacral), no padrão e na velocidade de progressão, assim como o grau de comprometimento dos neurônios motores superior e/ou inferior, resultam em quadros clínicos variados entre os indivíduos.
Neurônios motores superiores (NMS)
Quando o acometimento ocorre a nível de NMS, espera-se fraqueza generalizada na execução de todo tipo de movimento, em especial nos movimentos finos, demandantes de um maior grupamento muscular para produzir precisão de movimento.
Além disso, é esperado também uma coordenação de movimentos mais lenta associado a espasticidade, ou seja, tensão nos membros, rigidez, hiperreflexia dos tendões e dificuldade no controle muscular. Pode ocorrer também a apresentação de Babinski positivo e outros sinais de anormalidade.
Por exemplo, os sintomas relacionados ao NMS no braço ou na mão incluem redução da destreza, dificultando a realização de atividades cotidianas. Já os sintomas do NMS na perna, apresentam-se como uma marcha espástica, com equilíbrio comprometido, podendo também ocorrer espasmos espontâneos dos músculos flexores da perna e clônus no tornozelo.
Neurônios motores inferiores (NMI)
Quando o acometimento ocorre mais significativamente a nível de NMI, a sintomatologia muda um pouco. Espera-se fraqueza, pois ainda há falha na comunicação córtex-fibra muscular mediante o neurônio motor.
Entretanto, ocorrem outros sinais mais significativos, como as fasciculações, a atrofia e a atonia muscular, decorrente da perda do fator trófico e do impulso de controle motor.
Por exemplo, a fraqueza em mãos dificulta a manipulação de pequenos objetos e o uso de instrumentos de escrita. A fraqueza proximal no braço, por sua vez, gera dificuldades para levantar o membro até a altura da boca ou acima da cabeça, o que pode comprometer atividades diárias, como tomar banho, vestir-se e arrumar-se. Nos pés e tornozelos, a fraqueza provoca tropeços, passos arrastados e quedas. Por fim, a fraqueza proximal nas pernas dificulta atividades como levantar-se de cadeiras e subir escadas, além de poder prejudicar o equilíbrio.
Tronco encefálico/bulbar (NMB)
No acometimento do NMB, condição que ocorre em até 1/3 dos afetados pela ELA, é perceptível a disartria, atrofia e fasciculações da língua, devido a perda neuronal motora desse órgão. Observa-se também disfagia, já que a perda de controle da musculatura faríngea propicia uma maior dificuldade na deglutição. Dessa forma, a associação entre perdas de controle da faringe e da língua, implicam num menor processamento mecânico do alimento e dificuldade de sua passagem até o esôfago, o que resulta em desnutrição do paciente caso não sejam tomadas providências adequadas.
Um sintoma comum que relaciona-se ao neurônio motor superior bulbar é a síndrome do afeto pseudobulbar, que manifesta-se por risos, choros ou bocejos inapropriados. Estes sintomas podem surgir nos estágios iniciais da ELA ou se desenvolver ao longo da doença e o afeto apresentado geralmente não condiz com o estado emocional do paciente ou pode ser desencadeado por estímulos emocionais leves. Além disso, os pacientes frequentemente relatam dificuldade em interromper o riso ou o choro após o início dessas reações.
Outros sintomas comuns do distúrbio bulbar incluem laringoespasmo e aumento do tônus masseter, que implica em dificuldade na abertura da boca.
Sintomas cognitivos
Existe uma relação entre a ELA e a disfunção comportamental e executiva associada à região frontotemporal, que pode anteceder ou acompanhar o surgimento da disfunção dos neurônios motores superior e/ou inferior.
O comprometimento cognitivo costuma afetar a função executiva, linguagem, gramática e fluência verbal, enquanto a memória e a função visuoespacial geralmente permanecem preservadas. Além disso, as alterações comportamentais mais comuns incluem mudanças nos hábitos alimentares, apatia, falta de empatia, desinibição e perseveração.
Sintomas autonômicos
Conforme a doença avança, sintomas autonômicos podem surgir, como a constipação, que é comum e tem causas multifatoriais, incluindo a motilidade colônica reduzida. A disfagia para líquidos finos, causada pela fraqueza muscular faríngea, pode levar à desidratação, agravando a constipação.
Além disso, sintomas como saciedade precoce e empachamento, indicativos de esvaziamento gástrico lento, também podem aparecer com o progresso da doença. A urgência urinária, por sua vez, corresponde a uma queixa comum, embora raramente ocorra incontinência.
Parkinsonismo e paralisia supranuclear do olhar
As manifestações extrapiramidais podem ocorrer antes ou depois dos sintomas dos neurônios motores superiores e inferiores, e incluem rigidez facial, tremores, bradicinesia e instabilidade postural.
Sintomas sensoriais
Muitos pacientes com ELA queixam-se de parestesia de formigamento, especialmente os que apresentam início dos sintomas nos membros distais.
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A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta gravemente a função motora e qualidade de vida dos pacientes. Entender essa condição complexa é fundamental para os profissionais da saúde que buscam oferecer um atendimento de excelência e inovar no cuidado com os pacientes.
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Sugestão de leitura complementar
- Casos Clínicos: Esclerose lateral amiotrófica
- Doença do Neurônio Motor: entenda tudo sobre o assunto!
- Síndrome do 1° e 2° Neurônio Motor
Referências
- Hulisz D. Amyotrophic lateral sclerosis: disease state overview. Am J Manag Care. 2018 Aug;24(15 Suppl):S320-S326. PMID: 30207670.
- CASSA, Eloy. Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou Doença dos Neurônios Motores. Disponível em: nervomusculoedor.com.br/esclerose-lateral-amiotrofica-ela-ou-doenca-dos-neuronios-motores. Acesso em: 10 jan. 2022.
- BRASIL, Ministério da Saúde do. Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/e/esclerose-lateral-amiotrofica-ela. Acesso em: 10 jan. 2022.
- ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica, São Paulo, 2013 0 nº 48 páginas, Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica, Livretos – Informativo – Atualização 2013.
- Protocolo clínico para o tratamento do paciente com esclerose lateral amiotrófica/doença do neurônio motor : guia terapêutico / organização Cristina Salvioni , Adriana Leico Oda. — São José dos Campos, SP : Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrEla) : Pulso Editorial, 2021.
- ELMAN, L. et al. Clinical features of amyotrophic lateral sclerosis and other forms of motor neuron disease. UpToDate, 2024.
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