Você está ciente das distinções entre erisipela e celulite? Você se sente capaz de identificar essas condições de forma precisa?
Erisipela e celulite, infecções cutâneas frequentes, que resultam da invasão bacteriana através da barreira da pele. A incidência dessas enfermidades é de aproximadamente 200 casos por 100.000 indivíduos ao ano.
A distinção entre essas condições pode apresentar um desafio para os médicos, uma vez que ambas manifestam sintomas muitas vezes sutis. Contudo, ambas as infecções carregam um alto potencial de morbidade e apresentam diagnósticos diferenciais potencialmente sérios, os quais, se não identificados e tratados devidamente, podem resultar em complicações graves.
Quais as principais diferenças entre erisipela e celulite?
A erisipela e a celulite, infecções cutâneas comuns, apresentam algumas diferenças significativas em sua apresentação e características. A erisipela é uma forma de celulite cutânea superficial, caracterizada pelo comprometimento significativo dos vasos linfáticos da derme. Geralmente, desencadeia-se pela infecção por Estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (SBHGA), embora em casos raros possa ser causada pelo Staphylococcus aureus.
Por outro lado, a celulite é uma infecção cutânea que afeta uma parte maior dos tecidos moles, estendendo-se mais profundamente pela derme e pelo tecido subcutâneo. Importante notar que a celulite pode começar como uma erisipela, mas sua gravidade e extensão são mais amplas. Os principais agentes causadores da celulite são o Staphylococcus aureus e os SBHGA.
Assim, enquanto a erisipela se concentra mais superficialmente na pele e afeta principalmente os vasos linfáticos da derme, a celulite é uma infecção que se estende mais profundamente nos tecidos moles, podendo se iniciar como uma erisipela, mas apresentando uma extensão e gravidade maior.
Fonte: Valiati et. al.
Diferença entre as manifestações clínicas da erisipela e da celulite
Com o início da infecção, os pacientes manifestam:
- Eritema
- Dor
- Calor localizados significativos.
À medida que a infecção progride, podem surgir diversos graus de sinais e sintomas sistêmicos, como febre, calafrios, mal-estar, confusão mental e leucocitose. Assim, a infecção pode se disseminar pelos vasos linfáticos, causando linfangite e linfadenite supurativa, e também pela corrente sanguínea, resultando em bacteremia.
As áreas mais afetadas são os membros inferiores e a face. Na erisipela facial, o edema é notável e os olhos frequentemente ficam inchados. Vesículas, bolhas, equimoses ou petéquias também podem estar presentes.
Erisipela
A erisipela se caracteriza por uma placa eritematosa, edemaciada, infiltrada e dolorosa, com bordas bem delimitadas que avançam rapidamente sobre a pele circundante. Marcando a borda da lesão, é possível observar a progressão ou regressão.
A instalação e a evolução do processo são rápidas, acompanhadas de sintomas e sinais gerais de infecção. A presença de bolhas indica gravidade, podendo evoluir para necrose e ulceração. A erisipela pode progredir para o tecido subcutâneo, resultando em celulite, e linfedema recorrente é comum.
Celulite
Por outro lado, na celulite, observa-se uma lesão extremamente dolorosa e infiltrativa, com bordas mal definidas que se estendem até o tecido subcutâneo. A demarcação com a pele íntegra é indistinguível e não há crescimento centrífugo. Em alguns casos, podem ocorrer bolhas ou necrose, levando a extensas áreas de descolamento epidérmico e erosões superficiais.
A infecção pode se localizar nas partes moles, formando abscessos dérmicos e subcutâneos ou causando fasceíte necrosante. A presença de linfadenopatia regional pode ser observada nas extremidades. Complicações graves incluem supuração profunda e septicemia. O curso da celulite costuma ser mais indolente, com predominância de complicações locais, mas os efeitos sistêmicos se manifestam conforme a infecção se agrava.
Fatores de risco para erisipela e celulite
Os principais fatores predisponentes para o desenvolvimento dessas infecções incluem o rompimento da barreira cutânea devido a diversos motivos, como:
- Trauma
- Inflamação
- Infecções cutâneas pré-existentes
- Varicela ou insuficiência venosa.
Além disso, obstruções linfáticas causadas por procedimentos cirúrgicos, como safenectomia e dissecção de nódulos axilares e pélvicos, também podem predispor à infecção.
Como fazer o diagnóstico de erisipela e celulite?
O diagnóstico é principalmente clínico, podendo ser complementado por exames laboratoriais. É comum observar um aumento na contagem de leucócitos e na proteína C reativa, que é um indicador mais específico de infecção bacteriana. A realização de hemoculturas é recomendada somente para pacientes com suspeita de sepse e febre acima de 38°C.
Culturas de amostras de pele e aspirações de lesões podem fornecer resultados positivos em casos específicos. Dessa forma, exames de imagem são úteis quando há suspeita de abscesso associado à celulite, e a ultrassonografia com Doppler é indicada especialmente para pacientes com fatores de risco para trombose venosa profunda (TVP).
Portanto, no manejo da condição, é importante avaliar a gravidade clínica do paciente para determinar a necessidade de internação. Geralmente, a hospitalização é recomendada quando há sinais de toxicidade sistêmica ou quando o eritema progride rapidamente.
Tratamento da erisipela e da celulite
O tratamento dessas condições cutâneas envolve tanto abordagens não medicamentosas quanto antibioticoterapia, esta última sendo prescrita com esquemas empíricos ou individualizados, dependendo do conhecimento sobre o agente infeccioso ou da presença de comorbidades associadas.
As terapias não medicamentosas incluem repouso com elevação da área afetada para facilitar a drenagem do edema e das substâncias inflamatórias pela ação da gravidade. Além disso, recomenda-se manter a pele hidratada para prevenir o ressecamento e a formação de novas lesões.
Para pacientes com fatores de risco para recorrência, como tinea pedis, linfedema e insuficiência venosa, é importante tratar esses fatores simultaneamente ao uso de antibioticoterapia.
Erisipela
A antibioticoterapia para erisipela pode seguir diferentes protocolos, dependendo da gravidade e das características individuais do paciente. Para casos leves a moderados, a via oral é frequentemente utilizada, sendo as opções incluírem penicilina procaína intramuscular na dose de 600.000 UI uma ou duas vezes ao dia, ou penicilina oral na dose de 500 mg a cada 6 horas. Para pacientes alérgicos à penicilina, a eritromicina na dose de 500 mg a cada 6 horas pode ser uma alternativa viável.
Contudo, em situações mais graves, com manifestações clássicas e sistêmicas como febre e calafrios, prefere-se a terapia parenteral. Nesses casos, pode-se administrar ceftriaxona na dose de 1g intravenoso a cada 24 horas ou cefazolina na dose de 1-2g intravenoso a cada 8 horas.
Celulite
O tratamento para essas condições geralmente tem duração de 10 a 14 dias e pode variar de acordo com a gravidade do caso. Alguns esquemas terapêuticos comumente utilizados incluem:
Para casos graves:
- Oxacilina na dose de 2 g a cada 4 horas por via intravenosa (IV)
- Cefazolina na dose de 1 g a cada 8 horas por via intravenosa (IV) ou intramuscular (IM)
- Nafcilina na dose de 1 a 2 g a cada 6 horas por via intravenosa (IV)
Para casos leves a moderados, são opções:
- Cefalexina
- Cefadroxil
- Eritromicina
- Clindamicina
- Dicloxacilina
Portanto, no tratamento da celulite purulenta, frequentemente causada por MRSA, a abordagem ambulatorial pode incluir clindamicina, sulfametoxazol + trimetoprim ou doxiciclina. Em situações mais graves, com necessidade de internação, o paciente deve receber vancomicina ou linezolida por via intravenosa (IV).
Dificuldade de distinção entre celulite e erisipela
Isso pode ocorrer quando a infecção se localiza em áreas menos usuais, como os membros inferiores, quando as características da lesão não são distintas, ou se a lesão surgir ao redor de uma ferida ou úlcera.
Assim, nesses casos, trata-se o paciente com antimicrobianos que tenham cobertura eficaz contra tanto o Streptococcus pyogenes quanto o Staphylococcus aureus. Opções terapêuticas incluem oxacilina e cefalosporinas de primeira geração.
Lembre-se sempre que em casos muito graves ou quando há suspeita de bactérias resistentes, como os MRSA, utiliza-se antibióticos como vancomicina ou linezolida.
Referências bibliográficas
- SPELMAN, Denis. BADDOUR, Larry M. Cellulitis and skin abscess: Epidemiology, microbiology, clinical manifestation, and diagnosis. UpToDate. 2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/cellulitis-and-skin-abscess-epidemiology-microbiology-clinical-manifestations-and-diagnosis. Acesso em: 17/08/2021.
- FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2020.
- VILIATTI et. al. Erisipela e celulite. Disponível aqui.
Sugestão de leitura complementar
Você também pode se interessar pelos artigos abaixo:
- Clascoterona: conheça a novidade no tratamento da acne
- Quais são as alterações dermatológicas fisiológicas durante a gestação?
- Líquen escleroso e atrófico: como conduzir casos na prática?
Veja ainda um papo de especialistas sobre os implantes hormonais (“chip da beleza”), suas indicações e riscos: