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A azia pós-COVID-19 tem cura | Colunistas

A azia pós-COVID-19 tem cura | Colunistas

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A sensação de azia (pirose), plenitude, desconforto ou dor epigástrica é comum em consultas gastroenterológicas, muitos pacientes a chamam de “gastrite”, sobretudo quando há sintomas focados na topografia gástrica. Como sabemos que tal termo só deve ser usado após confirmação histológica via endoscopia digestiva, convém chamarmos neste artigo de dispepsia.

A dispepsia pós-COVID-19 pode ter características específicas quando considerarmos um sujeito hígido previamente. Tal especificidade se dá devido à fisiopatogenia desta gastropatia, a ser comentada abaixo.

            Neste contexto, este artigo versará sobre a dispepsia ocorrida no contexto pandêmico atual: fatores protetores gástricos, causa da dispepsia pós-COVID, sintomas e tratamento.

Um breve resumo dos protetores gástricos

A etiopatogenia da dispepsia pós-COVID-19 é relacionada a diminuição dos fatores de proteção gástrica como o muco e bicarbonato (fatores de pré-epiteliais) e Espécies Reativas de Oxigênio (ROS); Prostaglandinas (PG) e outras citocinas (fatores de epiteliais); e capacidade de vascularização (fator subepitelial).

O muco é secretado em todo o trato digestivo formando um gel aderente à superfície que promove uma barreira protetora entre o epitélio e o lúmen do órgão contra agentes nocivos, enzimas e microrganismos. É uma barreira física. A produção de bicarbonato no estômago é mediada por PGE2, peptídeos e fatores neuronais e também forma a barreira física.

As ROS e demais citocinas têm a função de impedir danos causados pelos radicais livres ainda em nível pré-epitelial de proteção.

Já em nível epitelial, as PG são o principal componente de proteção. Elas são derivadas de ácidos graxos compostos como o ácido araquidônico (AA). Possuem efeito na motilidade, secreção e citoproteção do trato gastrointestinal e estimulam a secreção de bicarbonato.

Como proteção subepitelial temos como mecanismo a circulação sanguínea, atuação do óxido nítrico na vasodilatação aumentando o fluxo sanguíneo como fator de restituição da mucosa lesada, levando a chegada de neutrófilos e fatores quimiotáticos como mastócitos e macrófagos para o sítio lesional.

Qual é a fisiopatogenia?

Em tempos de pandemia, fatores psicogênicos, como o medo, depressão e ansiedade, assim como o uso de medicações para o tratamento levam a uma cascata de desregulação gástrica. Logo, o estresse oxidativo e a liberação de citocinas  pró-inflamatórias geram lesões teciduais, resumidamente estas decorrem por distúrbios isquêmicos, aumento de radicais livres, liberação de endotelinas, degranulação de mastócitos, inibição da síntese de prostaglandinas, e redução da produção do muco.

 A dispepsia pós-COVID-19 se estabelece como sintoma de uma gastropatia medicamentosa e/ou por estresse.

O que acontece na mucosa gástrica?

O desequilíbrio entre a perda dos fatores protetores e o aumento dos irritativos leva ao dano epitelial. Na prática podemos ter uma gastrite enantematosa, erosiva ou ulcerativa; com sintomas variados, e até mesmo casos assintomáticos, que também podem levar à hemorragia digestiva.

Então pacientes pós-covid que desenvolvem sintomas de azia, dor epigástrica, náuseas, eructações, plenitude, principalmente pós-prandial devem ser avaliados e se possível investigados com endoscopia digestiva para melhor compreensão do quadro.

DICA: Endoscopia digestiva alta (EDA) evidenciando erosões esparsas no corpo gástrico recobertas ou não por fibrina ou hematina é um grande indicativo de gastropatia medicamentosa e/ou por estresse, como no caso da dispepsia pós-COVID-19.

Com quais medicamentos tratamos?

Devemos realizar o tratamento empírico para gastropatias medicamentosas / por estresse com inibidores de bomba protônica (IBPs) como omeprazol, esomeprazol, rabeprazol, esomeprazol, lansoprazol e deslanzoprazol, ressaltando que o uso prolongado dos IBPs não é encorajado devido a tendência ao desenvolvimento de gastrite crônica e suas consequências disabsortivas.

Além deste grupo, pode-se adotar os inibidores de histamina H2 como famotidina ou cimetidina, uma vez que a ranitidina encontra-se fora do mercado atual.

Os antiácidos também podem ser usados como bicarbonato de sódio, carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio ou hidróxido de magnésio. Os efeitos colaterais podem incluir constipação ou diarreia.

O rastreio para H. pylori deve ser realizado e tratado, caso positivo devemos iniciar o tratamento com esquema preconizado atualmente no Brasil. Como primeira linha temos: IBP (ex.: Lansoprazol 30mg 1 cápsula) + amoxicilina 500mg 2 cápsulas + claritromicina 500mg 1 cápsula a cada 12 horas. Ou seja, 4 cápsulas de 12/12h durante 14 dias. 

Conclusão

A dispepsia, ou como aprendemos, a gastropatia pós-COVID-19 que se inicia durante a infecção e se mantém após o quadro é possivelmente curável (considerando ausência de sintomas prévios); e em geral recomenda-se manter a medicação por 4-8 semanas.

A orientação dietética clássica abrange restrição de alimentos notadamente irritativos com pimentas, temperos, cafeína, taurina, energéticos; alimentos que aceleram o metabolismo.

A cessação do tabagismo e do etilismo também é imprescindível neste momento; assim como a suspensão de outras medicações como os anti-inflamatórios não esteroides (AINE), ácido acetil salicílico, bifosfonados (alendronado, risendronato…), anticoagulantes (apixaban, rivaroxabana, varfarina)  que são também irritativas ao estômago.

Vale ressaltar que se faz necessária uma boa anamnese, pois muitos desses pacientes já possuem histórico de doença gástrica prévia, fato este que torna o quadro apenas uma exacerbação da condição de base, logo, pode não haver tratamento curativo, apenas paliativo – uso este exemplo para pacientes portadores de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Autor: Thiago de Souza Sampaio

Instagram: @drthiago.gastro.endoscopia


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

BRENOL JCT, XAVIER RM, MARASCA J. Anti-inflamatórios não hormonais convencionais. Rev. Bras. Med. 2000; 57.

GRIEC, C.R; STITZEL, R.E. Farmacologia Moderna com aplicações clínicas. 6a ed. cap.36. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

MECANISMOS ENVOLVIDOS NAS AÇÕES ANTIÚLCERA E ANTI-SECRETORA ÁCIDA DOS EXTRATOS DA Salvia officinalis L. Acesso em 09/06/2021. Site: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/11763/dissertação.pdf?sequence=1&isAllowed=y

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