A xerostomia, comumente conhecida como “boca seca”, é um sintoma comum, mas complexo, que afeta diversas funções orais, como mastigação, deglutição, fala e até sono.
Para o clínico, a xerostomia pode representar um desafio diagnóstico, pois muitas vezes está associada a uma série de causas subjacentes que demandam um manejo adequado.
Fisiologia da salivação e definição de xerostomia
A saliva desempenha papéis essenciais na proteção da mucosa oral, na digestão inicial dos alimentos, na formação da película adquirida e na manutenção do equilíbrio do microbioma oral. A xerostomia, embora frequentemente usada de forma intercambiável com a hipossalivação, refere-se especificamente à sensação de boca seca, enquanto a hipossalivação indica a redução objetiva da produção salivar. A quantidade normal de fluxo salivar não estimulado varia entre 0,3 e 0,4 mL/min.
Portanto, quando os valores caem abaixo de 0,1 mL/min, há uma clara indicação de hipossalivação, o que, consequentemente, pode resultar em xerostomia. Essa diferenciação é essencial para um diagnóstico preciso.
Causas comuns de xerostomia
A xerostomia pode surgir de diversas condições, sendo importante que o clínico faça uma avaliação detalhada para determinar a causa subjacente e fornecer o manejo adequado. As principais causas incluem:
Fármacos
O uso de medicamentos é uma das causas mais comuns de xerostomia. Medicamentos como antidepressivos, antipsicóticos, benzodiazepínicos, anti-histamínicos de 1ª geração, descongestionantes nasais, diuréticos e analgésicos opioides podem diminuir o fluxo salivar, aumentando o risco de desenvolvimento de cáries, infecções fúngicas e desconforto geral na cavidade bucal. Pacientes em uso de polifarmácia, especialmente idosos, são particularmente vulneráveis a esses efeitos.
Síndrome de Sjögren
A síndrome de Sjögren é uma doença autoimune crônica que afeta principalmente as glândulas salivares e lacrimais. Essa condição leva à inflamação e destruição progressiva dessas glândulas, resultando em xerostomia e secura ocular. Pacientes com Sjögren também podem apresentar sintomas como fadiga, dores articulares e manifestações sistêmicas.
A abordagem terapêutica é geralmente multidisciplinar, envolvendo o uso de agentes imunossupressores, além de medidas sintomáticas para alívio da xerostomia.
Radioterapia e terapias oncológicas
Pacientes que recebem radioterapia para câncer de cabeça e pescoço frequentemente desenvolvem xerostomia devido ao dano direto causado às glândulas salivares. A radiação, juntamente com a quimioterapia, pode resultar em hipossalivação persistente, comprometendo a qualidade de vida desses pacientes.
Além disso, pacientes que utilizam terapias alvo podem apresentar xerostomia como um efeito colateral, exigindo ajustes no manejo do tratamento.
Condições sistêmicas
Diversas condições sistêmicas, como diabetes mal controlado, desidratação, apneia do sono e doenças metabólicas, podem contribuir para o desenvolvimento da xerostomia.
Essas condições alteram o equilíbrio da produção salivar, frequentemente exacerbando o quadro de boca seca, especialmente em pacientes que já possuem fatores de risco, como idade avançada.
Riscos associados à Xerostomia
A xerostomia não é apenas um sintoma incômodo, mas também um fator de risco significativo para várias complicações orais. A redução no fluxo salivar prejudica a função protetora da saliva, o que pode resultar em:
Cáries rampantes
A falta de saliva diminui a capacidade do organismo de neutralizar ácidos produzidos pela microbiota oral. Isso facilita o desenvolvimento de cáries radiculares e cervicais, que ocorrem com maior frequência em pacientes com xerostomia.
A cárie rampante é particularmente problemática, pois avança rapidamente, afetando a dentição em pouco tempo.

Doenças periodontais
A xerostomia também está associada ao aumento do risco de doenças periodontais, como gengivite e periodontite. A diminuição da saliva prejudica a capacidade de eliminar resíduos alimentares e bactérias patogênicas, o que favorece a inflamação gengival e a perda óssea.
Candidíase oral
Pacientes com xerostomia apresentam um risco elevado de desenvolver candidíase oral. A saliva tem propriedades antimicrobianas que ajudam a manter o equilíbrio da microbiota oral, mas sua redução facilita o crescimento de fungos como o Candida albicans.
Isso pode levar a infecções recorrentes e complicações, especialmente em pacientes com próteses dentárias mal ajustadas ou em uso de antibióticos.

Disfagia e disgeusia
A falta de saliva também pode afetar a função de deglutição, levando à disfagia, especialmente durante a alimentação.
A alteração na percepção gustativa, conhecida como disgeusia, também é comum em pacientes com xerostomia, prejudicando a qualidade da ingestão alimentar e, em alguns casos, levando à perda de peso.
Opções de manejo clínico
O manejo da xerostomia é multifacetado e depende da causa subjacente. As abordagens terapêuticas incluem medidas comportamentais, substituição da saliva bem como estimulação da produção salivar.
Medidas comportamentais
A primeira linha de manejo envolve a modificação de hábitos. Pacientes devem ser orientados a:
- Hidratar-se regularmente: ingerir líquidos ao longo do dia, especialmente antes de refeições e durante o sono
- Evitar substâncias que agravem a xerostomia: o álcool, cafeína e tabaco devem ser evitados, pois podem reduzir ainda mais o fluxo salivar
- Usar umidificadores: durante a noite, o uso de umidificadores no quarto pode ajudar a aliviar a sensação de boca seca
- Escolher alimentos apropriados: preferir alimentos mais úmidos e com menor conteúdo de açúcar, que ajudam a aliviar a boca seca.
Substitutos salivares
Os substitutos salivares são fundamentais no alívio sintomático da xerostomia. Assim, esses produtos, como gel, spray ou solução, podem fornecer alívio temporário ao melhorar a lubrificação da cavidade oral. Existem diversas opções disponíveis, algumas contendo xilitol, que também auxilia na prevenção de cáries.
Sialogogos
Quando a função glandular residual é suficiente, sialogogos como pilocarpina e cevimelina podem ser utilizados para estimular a produção de saliva. Dessa forma, esses medicamentos são particularmente eficazes em casos de xerostomia associada à síndrome de Sjögren ou após radioterapia.
A pilocarpina, por exemplo, pode ser administrada em doses de 5 mg, 3 a 4 vezes ao dia, enquanto a cevimelina é geralmente administrada a 30 mg, 3 vezes ao dia.
Tratamento de complicações
Além do manejo sintomático, o clínico deve estar atento às complicações associadas à xerostomia. O tratamento de cáries deve ser intensificado, utilizando flúor de alta concentração e verniz fluoretado. A candidíase oral deve ser tratada com antifúngicos tópicos ou sistêmicos, conforme a gravidade da infecção.
Manejo de Xerostomia pós-radioterapia
Pacientes que passaram por radioterapia na região da cabeça e pescoço devem receber cuidados específicos.
Assim, além de sialogogos e substitutos salivares, o clínico deve monitorar de perto o risco de cáries e infecções fúngicas, frequentemente usando tratamentos de fluoretação intensiva e gomas de xilitol.
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Referências bibliográficas
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