A hipertrofia muscular é um dos principais objetivos buscados em programas de treinamento de força, tanto na prescrição para populações saudáveis quanto no contexto clínico, reabilitativo e esportivo. Para médicos do esporte e profissionais que atuam com performance e saúde, compreender os mecanismos fisiológicos e os princípios do treinamento que otimizam o ganho de massa muscular é fundamental para individualizar condutas e melhorar resultados.
Além disso, entre os fatores mais relevantes para o desenvolvimento de hipertrofia muscular estão a tensão mecânica, a falha concêntrica controlada e a periodização do estímulo — todos altamente moduláveis pelas variáveis do treinamento. Assim, neste artigo, discutiremos o papel de cada um desses elementos, com base nas evidências científicas mais recentes.
Tensão mecânica: o estímulo primordial para a hipertrofia
A tensão mecânica é considerada o principal fator determinante da hipertrofia muscular. Ela ocorre quando as fibras musculares são submetidas a forças de tração durante contrações musculares, especialmente quando essas forças estão associadas a tempo sob tensão suficiente e amplitude completa de movimento.
Consequentemente estudos apontam que tanto cargas altas (≥ 70% de 1RM) quanto cargas moderadas podem gerar tensão mecânica significativa, desde que o músculo seja levado próximo da falha e com controle do movimento. A magnitude da tensão e o tempo sob tensão são os principais parâmetros moduladores, e ambos influenciam a ativação das vias de sinalização celular, como mTOR, que desencadeiam o crescimento muscular.
⚠️ Importante para a prática clínica: o estímulo mecânico deve ser suficientemente intenso para provocar microlesões e ativar a síntese proteica, mas sem exceder a capacidade de recuperação individual — o que requer conhecimento das variáveis de volume, carga e frequência.
Falha concêntrica: até onde ir no treino?
A falha concêntrica é o ponto em que o praticante não consegue mais realizar uma repetição completa na fase de encurtamento muscular, mesmo com esforço máximo. Embora controverso por muito tempo, o conceito tem sido melhor compreendido nos últimos anos.
Evidências mostram que treinar até a falha concêntrica pode maximizar a ativação de unidades motoras, principalmente com cargas leves a moderadas. No entanto, essa prática também aumenta o estresse metabólico e neuromuscular, podendo comprometer a recuperação e elevar o risco de overtraining se aplicada de forma indiscriminada.
Portanto, a recomendação atual sugere que:
- Treinar próximo da falha (isto é, deixando 1–2 repetições “na reserva”) é suficiente na maior parte dos casos.
- A falha completa pode ser usada pontualmente em estratégias de sobrecarga aguda, sobretudo em fases de choque da periodização.
- Em indivíduos treinados, o uso estratégico da falha pode contribuir para romper platôs.
Periodização: a chave para a adaptação sustentável
A periodização é a manipulação sistemática das variáveis do treinamento (volume, intensidade, frequência e seleção de exercícios) com o objetivo de otimizar os ganhos e prevenir estagnação ou lesão. Para hipertrofia, três modelos de periodização são amplamente discutidos:
1. Periodização linear (tradicional)
- Progressão gradual de carga com redução de volume ao longo das semanas.
- Eficaz em fases iniciais de treinamento ou para iniciantes.
2. Periodização ondulatória
- Alternância de volume e intensidade dentro de uma mesma semana (modelo intra-semanal).
- Benefícios superiores para hipertrofia em praticantes avançados, por gerar variação constante e prevenir a acomodação.
3. Periodização não linear / autoregulada
- Baseia-se no feedback diário do praticante, como RPE (Rate of Perceived Exertion) ou desempenho real.
- Útil em populações clínicas ou em atletas sob outras cargas de treinamento.
Estudos como o de Grgic et al. (2021) indicam que diferentes modelos de periodização são igualmente eficazes para hipertrofia, desde que respeitem o princípio da progressão de sobrecarga.
Quadro-resumo: aplicando os conceitos à prática
| Variável | Conceito-chave | Aplicação Prática | Evidência científica |
| Tensão mecânica | Estresse muscular por carga e amplitude | Cargas ≥70% de 1RM ou moderadas com proximidade da falha | Schoenfeld et al., 2010; Morton et al., 2016 |
| Falha concêntrica | Repetição máxima até a exaustão da fase concêntrica | Usar com moderação, especialmente em avançados | Nóbrega et al., 2018; Grgic et al., 2022 |
| Periodização | Organização do estímulo ao longo do tempo | Linear para iniciantes, ondulatória para intermediários/avançados | Grgic et al., 2021; ACSM Position Stand, 2009 |
Conclusão
A prescrição de treinamento de força com foco em hipertrofia muscular exige compreensão técnica sobre os mecanismos fisiológicos que sustentam o crescimento muscular. A tensão mecânica é o elemento central, modulada pelas variáveis de carga, volume e tempo sob tensão. A falha concêntrica deve ser utilizada com critério, sendo uma ferramenta útil — mas não obrigatória — para maximizar estímulo. Já a periodização organiza o estímulo de forma estratégica, evitando estagnação e otimizando a adaptação.
Para o médico do esporte, esses conhecimentos não apenas guiam a orientação prática, mas são fundamentais para atuar de forma interdisciplinar com profissionais da educação física e fisioterapeutas, promovendo resultados mais seguros, eficientes e duradouros.
Referências
- Schoenfeld BJ. The mechanisms of muscle hypertrophy and their application to resistance training. J Strength Cond Res. 2010;24(10):2857–2872.
- Grgic J, Schoenfeld BJ, et al. Effects of resistance training to muscular failure versus non-failure on muscle hypertrophy: A systematic review and meta-analysis. J Sport Health Sci. 2022.
- Prestes J, De Lima C, et al. Periodization in resistance training for hypertrophy: Review. Strength Cond J. 2015.
- Grgic J, et al. Effects of linear vs. undulating periodized resistance training on muscle hypertrophy: A systematic review and meta-analysis. Scand J Med Sci Sports. 2021.
- American College of Sports Medicine. Progression models in resistance training for healthy adults. Med Sci Sports Exerc. 2009.


