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Tratamento de hérnias inguinais: Técnica de Bassini | Colunistas

Tratamento de hérnias inguinais: Técnica de Bassini | Colunistas

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As hérnias ocorrem como protusões/abaulamentos anormais de um órgão ou tecido por um defeito em suas paredes circundantes. Embora uma hérnia possa ocorrer em vários locais do organismo, é mais comum na parede abdominal e lombar, em particular na região inguinal. Para entender um pouco mais sobre hérnias da parede abdominal antes de entender o tratamento clique aqui.  Existem diversos tipos de hérnias abdominais, sendo as mais comuns as hérnias inguinais indiretas, que é um dos problemas mais frequentemente abordados pelos cirurgiões gerais.

O tratamento das hérnias inguinais é eminentemente cirúrgico, com exceção de alguns casos que podemos manter observação. Dentre as técnicas cirúrgicas, podemos constatar as de Lichtenstein, Kugel, Plug e Patch, que são utilizadas como reparos de malha sem tensão para evitar recorrência. Existem também os procedimentos com reparos de tecidos, que são as técnicas de Shouldice, Bassini e McVay.

Apesar desses métodos cirúrgicos com reparos terem sido amplamente abandonadas devido às altas taxas de recidiva, elas ainda são úteis em determinadas ocasiões, como aquelas nas quais as hérnias apresentam-se estranguladas, onde há complicações infecciosas, nas situações em que próteses de malha são contraindicadas ou ainda naquelas em que um reparo de tecido é obrigatório. Nesses casos, podemos recorrer aos reparos de tecido do trato iliopúbico, reparos de Shouldice, Bassini e McVay.

ANATOMIA

Na abordagem das hérnias inguinais, o ligamento inguinal é utilizado em diversas ocasiões, tanto na técnica de Bassini quanto na técnica livre de tensão de Lichtenstein.  As fibras mais inferiores do MT originam-se da fáscia iliopsoas e passam inferomedialmente às fibras inferiores do MOI. Essas fibras formam o arco aponeurótico do MT, o qual se posiciona superiormente ao triângulo de Hesselbach, sendo uma referência cirúrgica importante no reparo de hérnias inguinais, particularmente nas técnicas de Bassini e no reparo do ligamento de Cooper.

O triângulo de Hesselbach é a região anatômica na qual ocorrem as hérnias inguinais diretas, uma vez que estas acontecem medialmente aos vasos epigástricos inferiores. Já as hérnias inguinais indiretas ocorrem no anel inguinal profundo, lateralmente a esses vasos. O trígono é delimitado pelas seguintes estruturas:

Inferiormente: pelo ligamento inguinal;

Medialmente: pela margem lateral da bainha dos músculos retos abdominais;

Lateralmente: pelos vasos epigástricos inferiores.

HISTÓRIA

Eduardo Bassini foi um cirurgião italiano que viveu no século XIX (1844-1924) e desenvolveu as bases do tratamento das hérnias inguinais. Descreveu a aproximação e sutura em tripla camada do músculo oblíquo interno (MOI), músculo transverso abdome (MT) e da Fáscia Transversal (FT) ao ligamento inguinal.

Antes disso, em 1870, foi Marcy, um cirurgião americano, que aplicou o estreitamento isolado do anel inguinal profundo, o tratamento utilizado na época, geralmente, limitava-se ao uso de fendas ou somente ao estreitamento do anel inguinal superficial. Assim, a elaboração da técnica de Bassini veio a se implementar como o tratamento padrão e mais utilizado no mundo inteiro até recentemente para hérnias inguinais. Da leitura dos trabalhos do autor não ficaram explícitos perfeitamente seus dizeres, sendo que um detalhe técnico foi desvendado cerca de 42 anos mais tarde por meio da publicação de um livro e atlas cirúrgico por seu discípulo escritor Attilio Catterina. Tal minúcia, agora explícita, é o procedimento de abertura ampla da FT em toda sua extensão antes de efetuar-se a rafia do assoalho inguinal.

Por fim, das inúmeras alterações complementadas à técnica de Bassini original, a que ganhou maior importância foi o uso do arco aponeurótico do MT medialmente e do trato ílio-púbico (ligamento de Thomson) lateralmente. Em nossa vivência, entretanto, a aponeurose do músculo transverso se apresenta muitas vezes como uma estrutura muito frágil e fina ou os MOI e MT se mantêm carnosos até sua inserção na bainha dos músculos retos abdominais. Tal fato tem sido relatado na literatura e, provavelmente, não foi por outro motivo que Rutledge teve que usar adicionalmente material de prótese (márlex) em pouco menos de 15% de seus pacientes. Também o trato ílio-púbico se apresenta diminuído em sua espessura e resistência na maior parte dos pacientes.

TÉCNICA DE BASSINI

A Técnica de Bassini, por sua vez, refere-se à aproximação cirúrgica, sem uso de tela, com sutura em tripla camada do músculo oblíquo interno (MOI), do arco aponeurótico do músculo transverso (AAMT) e da Fáscia Transversal (FT) ao trato iliopúbico (lig. de Thomson) e ligamento inguinal, realizada com pontos separados de nylon 00 por detrás do funículo. 

Observa-se, dessa maneira, que essa técnica é realizada por sutura musculoaponeurótica do MT e MOI ou tendão conjunto (quando presente) ao ligamento inguinal. Tal procedimento, outrora popular, configurou a abordagem básica para reparos de hérnia não anatômicos e foi o tipo de reparo mais comumente usado nos séculos que se passaram. Na atualidade, as abordagens cirúrgicas livres de tensão são os procedimentos de escolha, com uso de malha, tal como a conhecida técnica de Lichtenstein.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS

CLAUS, Christiano Marlo Paggi et al . Orientações da Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) para o manejo das hérnias inguinocrurais em adultos. Rev. Col. Bras. Cir.,  Rio de Janeiro ,  v. 46, n. 4,  e20192226,    2019 .   Available from . access on  28  Feb.  2021.  Epub Sep 30, 2019.  https://doi.org/10.1590/0100-6991e-20192226.

GAMA-RODRIGUES, Joaquim José Gama-Rodrigues, Marcel Cerqueira Cesar Machado, Sarnir Rass lan; Clínica Cirúrgica. Vol 1. Barueri, SP : Manole, 2008.

MITTELSTAEDT, W.E.M. et al . Tratamento das hérnias inguinais: Bassani ainda atual? Estudo randomizado, prospectivo e comparativo entre três técnicas operatórias: Bassini, Shouldice, McVay. Rev. Assoc. Med. Bras.,  São Paulo ,  v. 45, n. 2, p. 105-114,  Apr.  1999 .   Available from . access on  19  Feb.  2021.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42301999000200004.

SANARMED. Resumo: Hérnias da Parede Abdominal.

TOWNSEND, Courtney M. , Jr. [et al.]. Sabiston tratado de cirurgia. [tradução Alexandre Maceri Midão … et al.]. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Tradução de: Sabiston textbook of surgery : pocket companion, 19th ed.