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Tratamento Cirúrgico do Hiperparatireoidismo| Colunistas

Tratamento Cirúrgico do Hiperparatireoidismo| Colunistas

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O hiperparatireoidismo é uma doença que cursa com o aumento do paratormônio (PTH) circulante. Ela pode ser de origem primária, ou seja, quando a glândula paratireoide é doente e apresenta aumento da produção deste hormônio, ou de origem secundária, quando este aumento ocorre por estímulo anormal destas glândulas proveniente de algum outro distúrbio sistêmico.

O PTH é o grande regular do metabolismo do cálcio no corpo humano. Não se conhece completamente sua ação, mas sabemos que ele atua, principalmente, em três órgãos, sendo dois deles de forma direta e um deles, de forma indireta.  A ação direta do PTH ocorre nos ossos e nos rins, enquanto que, indiretamente, ele atua no intestino.

A atuação do PTH nos ossos está ligada ao aumento da população de osteoclastos, favorecendo a reabsorção óssea. Em casos de hiperparatireoidismo avançado, este fenômeno pode provocar desmineralização óssea, cursando com osteopenia, osteoporose, fraturas patológicas, dor, e eventualmente até a formação de um tumor ósseo de osteoclastos, o “tumor marrom”.

Já no sistema renal, o PTH atua de duas formas: primeiro evitando a perda urinária de cálcio, com o aumento da excreção de fósforo.  Em casos de hiperparatireoidismo com funcionamento normal dos rins, o paciente tende a perder cálcio e fósforo na urina, aumentando a probabilidade de formação de litíase renal. Além disso, atua na conversão da forma ativa da vitamina D em calcitriol. Já o calcitriol tem sua ação no intestino delgado, aumentando a absorção de cálcio na dieta.

As doenças da paratireoide podem ser de tratamento cirúrgico, a depender da sua etiologia e de sua gravidade. Neste texto, vamos discorrer um pouco sobre os principais pontos desta abordagem terapêutica.

Tratamento cirúrgico da doença uniglandular

No hiperparatireoidismo primário, como já citamos, a doença está na glândula paratireoide. Na maioria das vezes, trata-se de uma neoplasia benigna (adenoma) uniglandular. Uma das paratireoides aumenta de tamanho e torna-se hiperprodutora de PTH. Este aumento de PTH leva a intensa desmineralização óssea e formação de cálculos renais e, do ponto de vista bioquímico, cursa com hipercalcemia, hipofosfatemia, hipercalciúria e hiperfosfatúria. A única forma efetiva de tratar o problema é através da ressecção cirúrgica deste adenoma, mas esta conduta não é imperativa em todos os casos, uma vez que, dependendo da situação, é possível apenas observar o doente. As situações em que não se pode seguir conduta expectante são:

  • Pacientes com repercussão clínica importante: osteoporose, fraturas, litíase urinária
  • Pacientes jovens, menores de 50 anos.
  • Pacientes com função renal previamente alterada, com Clearance de Creatinina abaixo de 60 m:/min
  • Pacientes com hipercalciúria, com valores superiores a 400 mg/kg/24h

Nestes casos, como a maior parte das vezes trata-se de doença uniglandular, o objetivo é fazer uma cirurgia focalizada, ou seja, identificar a paratireoide doente e ressecá-la. Para isso, nos valemos de métodos localizatórios, como ultrassonografia cervical, cintilografia de paratireoides, tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética do pescoço.  A ideia é que, na cirurgia, identifique-se a paratireoide doente envolvendo a menor dissecção possível das outras estruturas cervicais, para evitar morbidade cirúrgica. A confirmação de que a doença foi tratada pode ser pbitda ainda no intra-operatório com a dosagem do PTH que, se cair 50% em 10 minutos da retirada da glândula, confirma a cura.

Tratamento cirúrgico da doença multiglandular

Existem casos de hiperparatireoidismo primário multiglandulares, como em adenomas múltiplos e nas hiperplasias multiglandulares (que podem ocorrer nas Neoplasias Endócrinas Múltiplas tipo I). Além disso, nos casos de hiperparatireoidismo secundário, como o estímulo vem de uma anomalia sistêmica, todas as paratireoides são afetadas.

Entre as causas mais frequentes de hiperparatireoidismo secundário, destacamos a deficiência de vitamina D e a doença renal crônica. No primeiro caso, o tratamento é não operatório, enquanto que, no segundo, muitas vezes pode ser.

Na doença renal crônica o paciente perde a capacidade de excretar fósforo, e a hiperfosfatemia corresponde ao principal fator estimulador das paratireoides. O cálcio pode estar, em um primeiro momento, normal ou até  baixo, por perda urinária. Em casos mais avançados, em que o estímulo crônico às paratireoides acaba por deixa-las autônomas, o paciente pode apresentar hipercalcemia. Além disso, o PTH em doses muito altas confere ao doente grande risco a doenças cardiovasculares.

O tratamento do hiperparatireoidismo secundário a doença renal crônica é, em um primeiro momento, não operatório, com o objetivo de melhorar a função renal e diminuir o fósforo sérico do paciente. Em casos avançados, com níveis de PTH acima de 500, repercussão clínica, hiperfosfatemia ou hipercalcemia refratárias ao tratamento clínico, está indicada a cirurgia.

Existe, ainda, o hiperparatireoidismo terciário que, por definição, ocorre quando o hiperparatireoidismo secundário persiste mesmo após o transplante renal –  situação que, teoricamente, deveria reverter a doença paratireoidiana, por eliminar a sua causa fisiopatológica – mas que, nestes casos, persiste pela autonomização das paratireoides decorrente do estímulo intenso e crônico de tantos anos do regime metabólico de hiperfosfatemia.

O tratamento cirúrgico da doença multiglandular consiste na ressecção de todas as glândulas, ou pelo menos quase todas. A preocupação do cirurgião é não transformar um hiperparatireoidismo em um hipoparatireoidismo, igualmente deletério. Para isso, o procedimento pode consistir em Paratireoidectomia subtotal, quando deixamos tecido paratireoidiano equivalente a duas glândulas saudáveis no pescoço do doente, ou a Paratireoidectomia total com auto-transplante, quando re-implantamos fragmentos da paratireoide “menos doente” que foi ressecada.

Neste caso, os exames localizatórios realizados antes da cirurgia não têm a função de permitir uma cirurgia focalizada, mas sim detectar paratireoides extra-numerárias ou ectópicas, especialmente em mediastino.

Hipocalcemia pós operatória

Além de complicações relacionadas a qualquer procedimento cirúrgico, como infecção, sangramento, e lesão inadvertida de nervos manipulados, como o nervo laríngeo inferior, no caso, destacamos duas complicações específicas da Paratireoidectomia que cursam com hipocalcemia: a fome óssea e o hipoparatireoidismo.

O hipoparatireoidismo ocorre devido à manipulação das paratireoides não ressecadas ou pelo regime de hipercalcemia que ocorria na vigência do hiperparatireoidismo primário, fator inibitório da atividade das paratireoides. É necessário que o caio caia e o fósforo aumente um pouco para que se possa esperar uma melhora da função paratireoidiana. Se, no entanto, o hipoparatireoidismo ocorreu por conta de lesão inadvertida ou ressecção das paratireoides, a complicação pode se perpetuar, causando grandes problemas ao paciente.

Já a fome óssea é um processo temporário de hipocalcemia decorrente da grande avidez dos osteoblastos a cálcio para recomposição do mineral ósseo, após a interrupção da influência do PTH. Trata-se de um fenômeno esperado, sendo considerado por muitos mais uma consequência do que uma complicação cirúrgica. O tratamento é a reposição via oral de cálcio e fósforo até que o equilíbrio do metabolismo ósseo se recomponha.

Considerações

            O manejo das doenças da paratireoide é multidisciplinar, envolvendo médicos generalistas no tratamento dos distúrbios do cálcio no pronto socorro, endocrinologistas, nefrologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço. O entendimento de sua fisiopatologia, etiologia, diagnóstico e tratamento passam pelo domínio pleno de conceitos básicos de anatomia e fisiologia. Suas doenças, na maior parte do caso, são benignas, porém cursam com grande prejuízo da qualidade de vida e da sobrevida dos pacientes, devendo ser reconhecida e tratada adequadamente, pelo médico especializado.