Tudo que você precisa saber sobre taquicardia sinusal e atrial, fibrilação e flutter atrial!
O eletrocardiograma é um exame acessível, simples e de uso importante em emergências. Seu traçado permite analisar e intervir de forma precoce em patologias potencialmente fatais, por isso é um meio amplamente utilizado na medicina.
Ele é um dos exames mais utilizados no diagnóstico das taquiarritmias ou taquicardias. Estas são alterações no ritmo cardíaco caracterizadas pelo aumento da frequência cardíaca, em adultos, a níveis acima de 100 bpm. Esse valor, na faixa pediátrica é variável e possui valores de referência específicos, de acordo com cada faixa etária. Tendo isso em vista, este artigo busca descrever algumas das principais taquiarritimias com enfoque em suas características eletrocardiográficas e em sua abordagem médica.
Taquicardia Sinusal
A taquicardia sinusal é um dos tipos mais comuns de taquicardia, podendo ocorrer nas mais diversas situações cotidianas e afetando pessoas de diferentes perfis. Em grande parte das vezes pode ocorrer por causas benignas, porém seu correto diagnóstico é essencial, uma vez que pode revelar problemas de saúde com péssimo prognóstico.
É caracterizada por uma frequência cardíaca aumentada (acima de 100 bpm) e geralmente não excedendo 160 bpm em adultos e crianças. É também dita sinusal devido à adequação aos estímulos provenientes do nó sinusal, havendo um bom enlace atrioventricular.
Pode ser de etiologia fisiológica, como no caso da infância (recém-nascidos são naturalmente mais taquicárdicos), por exercício físico, ansiedade e emoções. Pode ser também de causa farmacológica, causado por medicamentos como a atropina, adrenalina, beta agonistas, fumo, café e álcool. E como causas patológicas estão incluídas o choque, infecções anemia, hipertireoidismo e Insuficiência cardíaca.
O principal sintoma referido pelos pacientes é a sensação de palpitação. Ela pode ser associada a alterações respiratórias, com aumento da frequência respiratória (FR), tornando-a curta e ofegante. Podem ocorrer também sintomatologias emocionais como a presença de nervosismo, ansiedade, pânico, vertigem, alterações na visão, dentre outras.
Características eletrocardiográficas: Intervalo RR regular, ritmo sinusal (onda P positiva em D1, D2 e AVF), frequência cardíaca maior que 100 bpm, enlace atrioventricular (onda P seguida de QRS e T).

Fonte: https://www.medway.com.br/conteudos/protocolo-de-taquiarritmias-do-acls-o-que-fazer-na-hora-h/
Como calcular a frequência cardíaca pelo ECG? Há diversas maneiras catalogadas pela literatura. Um jeito simples e prático é por dividir 1500 pelo intervalo RR (número de quadradinhos entre uma onda R e outra). Outro modo prático é a “Regra dos quadradões” levando em consideração que cada quadrado maior possui 5 quadrados menores(1500/5=300, 1500/10=150, etc) e iniciando-se com 300, seguindo por 150, 100, 75, 60, de acordo com a progressão dos quadrados. Em caso de FC irregular, recomenda-se calcular os batimentos de 6 segundos (30 quadrados grandes) e multiplicar por 10.
Note no ECG da Imagem 01 como seria calculada a FC (considerando o intervalo RR como 9 quadradinhos): 1500/9=166 bpm.
A cardioversão elétrica é de pouca valia nesses casos, e muitas vezes pode até aumentar a frequência cardíaca. Deve-se tratar a causa base para melhorar a sintomatologia.
Taquicardias Atriais
São taquicardias supraventriculares, cuja origem vem do tecido atrial ou de estruturas adjacentes, que não o nó atrioventricular. Elas podem ocorrer em pacientes com o coração estruturalmente normal ou danificado. Seu prognóstico no geral é benigno e geralmente as descompensações ocorrem em paciente já com doenças estruturais prévias ou com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) associada. Quase sempre apresenta caráter paroxístico.
As taquicardias atriais podem classificadas em:
Taquicardias atriais focais: Se iniciamem um único foco por automatismo, atividade deflagrada ou microreentrada;
Taquicardias atriais multifocais: vários focos são responsáveis pela automação, gerando morfologias e frequências distintas, sendo facilmente confundidas com a fibrilação atrial;
Macrorreentradas: surgem por mecanismos de reentrada, com padrão repetitivo de ativação atrial.
Características eletrocardiográficas: FC aumentada (>100 bpm) com linha isoelétrica entre as ondas Ps e frequência atrial entre 130 e 240 bpm.
Fibrilação Atrial
A fibrilação atrial é a arritmia sustentada mais comum na prática clínica, com uma alta prevalência, sobretudo após os 80 anos de idade. Possui como fatores de risco a presença de Hipertensão, Diabetes mellitus, Infarto Agudo do Miocárdio prévio, Insuficiência cardíaca congestiva. São também considerados atualmente como fatores de risco a presença de obesidade, apneia obstrutiva do sono, uso de bebidas alcóolicas, realização de exercício físico extenuante e histórico familiar de FA.
Existe uma ocasião especial denominada de Holiday Heart Syndrome, caracterizada pelo surgimento de FA em paciente após uso de bebidas alcóolicas. Em sua fisiopatologia está envolvida a exposição ao acetaldeído, que possui a capacidade de aumentar a atividade simpática e causar efeitos inibitórios nos canais de sódio, levando a uma interrupção da condução cardíaca por alteração do pH celular. Esse aumento da atividade parassimpática está envolvido na gênese desta alteração.
A FA é classificada de acordo com seu tempo de instalação em paroxística, quando é autolimitada e dura até no máximo 7 dias, persistente quando dura mais de 7 dias, permanente quando ela não cessa mesmo com cardioversão e permanente de longa duração quando está há mais de um ano instalada.
Característica eletrocardiográfica: ausência de onda P (é substituída por um tremor de alta frequência na linha de base), ritmo irregular, taquicardia (ritmos maiores que 100 bpm), presenças de ondas f (tentativas de gerar estímulo).

Fonte: http://nextews.com/images/9d/19/9d190b8a7d930ec3.jpg
Seu tratamento depende do seu tempo de instalação, da presença de doença estrutural e da falha ou êxito de condutas anteriores. Pode ser realizada cardioversão elétrica sincronizada, ou utilizado sotalol, profanona e antiarrítmicos para seu controle ou reversão. Também se deve considerar a necessidade e a segurança de se realizar anticoagulação a partir dos escores de CHADSVASC e HAS-BLED.
Flutter Atrial
O flutter atrial pode coexistir com a FA. Ele é caracterizado pelo surgimento de um grande circuito reentrante com uma frequência atrial de 250-350 bpm. Devido ao nó atrioventricular, essa FC não passa em sua totalidade para o ventrículo, porém sua frequência se torna irregular e aumentada, tendo em média 150 bpm. Seu tratamento é semelhante ao da FA.
Características eletrocardiográficas: Ativação atrial contínua com padrão serrilhado, RR irregular e FC aumentada.

Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c3/Atrial_flutter34.svg
Abordagem das Arritmias
O primeiro passo na abordagem de qualquer arritmia é realizar uma anamnese dirigida, realizar um monitoramento minucioso do paciente utilizando o mnemônico MOVE (Monitor – Oxigênio – Veia – ECG de 12 derivações) e classifica-la quanto à presença ou não de instabilidade hemodinâmica.
A instabilidade hemodinâmica pode ser caracterizada pelos 4Ds: Dor torácica anginosa típica, Dispneia, Desorientação (ou desmaio) e Diminuição da pressão arterial (sistólica menor do que 90 mmHg). Identificar precocemente esses sinais pode auxiliar o médico na inserção da melhor terapêutica para cada situação. Geralmente em casos francos de instabilidade, a cardioversão elétrica sincronizada é o método de escolha, enquanto nos casos de estabilidade pode-se tentar realizar controle do ritmo ou controle da frequência.
Como controle das taquicardias em pacientes estáveis e com RR regular pode-se optar por realizar manobra vagal (valsalva ou compressão do seio carotídeo), adenosina 6 mg IV em flush com elevação do membro, uso de betabloqueador (BB) ou bloqueador do canal de cálcio (BCC – verapamil ou diltiazem). Em caso de ICC pode-se usar digoxina ou amiodarona.
Em paciente estável hemodinamicamente com RR irregular, deve-se pensar em FA, e taquicardia atrial multifocal. O tratamento em paciente estável envolve o controle da FC com BB ou BCC e em caso de instabilidade a cardioversão elétrica sincronizada com 50-100J em bifásicos e 100-200J nos monofásicos.
Felipe Vanderley Nogueira – acadêmico de medicina
Instagram: @fel.vand
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.
Sugestão de complementar
Referências
ALENCAR NETO, José Nunes et al. Manual de ECG. Salvador: Editora SANAR, 2019.
CAMPOSTRINI, Dhiego. Protocolo de taquiarritimias do ACLS: o que fazer na hora H. Medway, 2021. Disponível em:
FERRARI, Eduardo Cal. Arritmias cardíacas: como manejar as taquicardias atriais? Pebmed, 18 de fevereiro de 2020. Disponível em:
MAGALHÃES, LP et al. II Diretrizes brasileiras de fibrilação atrial. Arquivos brasileiros de cardiologia, v. 106, n. 4, suppl. 2, 2016.
SAVARIS, Simone Louise. Flutter Atrial: o que é e como diferenciar de Fibrilação Atrial (FA)? Vitallogy, 27 de agosto de 2021. Disponível em: