Suicídio em idosos: manifestações e fatores associados | Colunistas

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A população idosa é a que mais cresce no Brasil. Junto disso, cresce também a preocupação com as taxas de suicídio nessa população, sendo que a consumação apresenta altas taxas em comparação aos demais públicos. Saber identificar as manifestações e os principais eventos desencadeantes para a ideação e tentativa de suicídio pode auxiliar consideravelmente essa população e evitar desfechos fatais.

Ideação, tentativa e consumação

A ideação suicida compreende uma série de manifestações verbais e/ou comportamentais que remetem à vontade de autoextermínio. Nota-se, na maioria das vezes, que os pacientes apresentam queixas como “cansaço de viver”, “falta de esperança” e extremo pessimismo. Essas manifestações podem ser percebidas pelos companheiros, médicos e familiares próximos que observam que o idoso apresenta alterações de comportamento.

Já a tentativa é o ato contra a própria vida, sendo que a via pode variar na população idosa, sobretudo considerando o grau de dependência e autonomia desse paciente.

Por último, a consumação é quando o paciente consegue efetivar a tentativa. Ressalta-se que na população idosa a proporção entre a tentativa e a consumação é bastante próxima. Estudos indicam que essa proporção pode chegar a 2:1, contrapondo a população jovem de 36:1. Além disso, quando a tentativa não é consumada, frequentemente causa algum tipo de sequela nessa população.

Figura 1. Ciclo de idealização, tentativa, fracasso e consumação do suicídio

Manifestações verbais

Apesar de ser bastante variável, alguns pontos parecem ser mais comuns na população idosa que já apresenta ideação suicida ou está sob grande risco de iniciá-la.

No caso dos pacientes idosos com ideação suicida, nota-se que muitos deles podem ser mais incisivos no assunto e comentam sobre o desejo com amigos e familiares que eles consideram “confidentes”. Nesse momento, é comum o idoso expressar o seu desejo em morrer (de forma direta) ou apenas expressar certo descontentamento com a vida, com a saúde ou com outros fatores pessoais (dinheiro, filhos, perdas etc.).

Manifestações comportamentais

Evidentemente, o maior sintoma comportamental envolvido é a própria tentativa de suicídio, contudo, outras alterações de comportamento podem ser observadas e que podem anteceder a tentativa, servindo como sinais de alerta que podem ajudar a “frear” a progressão de ideação/tentativa/consumação.

Algumas alterações de comportamento que podem ser premonitórias de uma ideação e tentativa de suicídio são: autonegligência (descuido com a higiene pessoal e/ou medicações), perda de interesse e prazer por hábitos anteriores, busca súbita por igrejas ou religiões e visitas excessivas a atendimentos médicos com queixas vagas.

Em pacientes que estão cursando com os primeiros sintomas, são comuns o isolamento social, graus variáveis de ansiedade, mudança de hábitos (sono e alimentação), tristeza profunda e choros inesperados.

Em locais onde o porte de armas é legalizado, a busca por elas é um fator muito relevante quando se trata de idosos que compram uma arma de fogo sem um motivo aparente e de forma súbita. O uso de armas de fogo se destaca como uma das vias de tentativa de suicídio mais comuns em idosos e um método extremamente eficaz.

Fatores situacionais

Entram nesse contexto eventos envolvidos na vida pessoal do idoso que podem servir como importantes gatilhos para a ideação e tentativa suicida.

Dentre os mais importantes e mais mencionados na literatura, está a perda de um familiar (sobretudo um cônjuge de longa data ou um filho). É importante um apoio constante e um olhar próximo a essa população no período de luto, mas também em datas de aniversário do falecido, aniversário de falecimento ou aniversário de casamento.

O diagnóstico de uma doença grave também é um evento que merece atenção. Essa situação é ainda mais evidente quando o prognóstico da doença é desfavorável, quando há grande redução da qualidade de vida ou quando o tratamento é longo e difícil (como no caso de cânceres).

Outro evento importante é a aposentadoria. Ressalta-se que esse evento pode ser um complicador no caso daqueles pacientes que trabalharam na mesma função por muitos anos e, após a aposentadoria sentem que “perderam sua função social” e acabam encarando o ócio com muito pessimismo. Encontrar uma outra forma de ocupar um tempo parece ser um fator protetor para essa população.

Suicídio e doença mental

Alguns dos sintomas que a população idosa que está com ideação suicida apresenta se assemelham com os sintomas de depressão e essa relação é confirmada pela literatura. Estima-se que até 95% dos idosos que cometeram suicídio apresentavam algum distúrbio psiquiátrico prévio, sendo a depressão o maior representante.

Entretanto, a relação entre depressão e o suicídio não deve ser considerada isoladamente. Afinal, por se tratar de processos complexos, esses fatores muitas vezes estão associados a outros eventos como àqueles mencionados como fatores situacionais (perdas, diagnósticos difíceis e a aposentadoria).

O diagnóstico precoce e o tratamento/intervenção eficazes seguem sendo as maneiras mais eficazes na prevenção do suicídio em pacientes idosos com doenças psiquiátricas.

Outros fatores relevantes

Existem outros fatores e eventos que chamam a atenção quando se avalia um paciente idoso com potencial suicida.

A perda de relações familiares está diretamente relacionada com graus de depressão e melancolia, que podem cursar com risco elevado de suicídio. Encontra-se também relacionada com a institucionalização desses idosos, sendo também um fator importante a ser considerado nessa população.

A deterioração da saúde com excesso de medicações e intervenções médicas frequentemente traz à tona sentimento de insatisfação com a vida e falta de esperança desses idosos. Pode estar também relacionada com outras enfermidades físicas (imobilidade, disautonomia e incontinências por exemplo).

Com relação ao sexo, tem-se que o sexo masculino apresenta as maiores taxas de suicídio, enquanto o sexo feminino apresenta as maiores taxas de ideação suicida.

Figura 2. Fatores contribuintes para o risco de suicídio em idosos

Conclusão

A população idosa merece cuidado redobrado com relação ao risco de suicídio, sobretudo quando se observam fatores desencadeantes de ideação suicida e comportamentos que podem remeter a possíveis vias de tentativa. A proporção entre tentativa e consumação é bastante próxima, sendo que, quando não é consumada, frequentemente traz sequelas ao paciente, o que pode agravar ainda mais o quadro em curso e traz repercussões importantes à família e cuidadores.

Autor: Víctor Miranda Lucas

Instagram: @victormirandalucas


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

ELOI, J.F. LOURENÇO, J.R.C. Suicídio na Velhice – Um Estudo de Revisão Integrativa da Literatura. Revista.CES Psicología. Colombia, v.12, n.1, p.80-95, 2019.

MINAYO, M.C.S.; CAVALCANTE, F.G. Suicídio entre pessoas idosas: revisão de literatura. Revista Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.44, n.4, p.750-757, 2010.

SANTOS, E.D.G.M.; RODRIGUES, G.O.L.; SANTOS, L.M.; ALVES, M.E.S.; ARAÚJO, L.F.; SANTOS, J.V.O. Suicídio entre idosos no Brasil: uma revisão de literatura dos últimos 10 anos. Psicologia, Conocimiento y Sociedad. Uruguai, v.9, n.1, p.258-282, 2019.


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