A síndrome de Quervain refere-se à tendinopatia estenosante dos tendões do abdutor longo do polegar (APL) e do extensor curto do polegar (EPB) ao passarem pelo túnel fibroósseo do compartimento dorsal 1 (primeiro compartimento extensor) sobre o processo estiloide radial. Esse acometimento causa dor no lado radial do punho, especialmente durante o movimento de extensão, abdução do polegar ou desvio radial/ulnar do punho.
Embora muitos casos sejam tratados de modo conservador, a decisão pelo tratamento definitivo exige compreensão clara da etiologia, do diagnóstico preciso e das condições que justificam intervenção cirúrgica.
Etiologia e fisiopatologia
A síndrome de Quervain resulta de um processo degenerativo das bainhas tendíneas, especialmente quando ocorre espessamento progressivo do retináculo extensor e formação de septações internas que reduzem o espaço para o deslizamento dos tendões. Em vez de inflamação aguda pura, o tecido apresenta alterações mixoides e fibrose, o que compromete a mobilidade e aumenta o atrito no túnel fibro-ósseo.
Na imagem abaixo é possível visualizar a anatomia da face radial do punho:

Além disso, diversos fatores biomecânicos favorecem o desenvolvimento da doença. Movimentos repetitivos que combinam desvio radial do punho e abdução do polegar sobrecarregam os tendões do primeiro compartimento, especialmente quando realizados de forma prolongada, sem pausa ou sem ergonomia. Dessa forma, atividades ocupacionais que exigem pinça ou torção contínua, bem como tarefas domésticas que envolvem segurar objetos com o polegar em extensão, tornam-se gatilhos importantes.
Adicionalmente, muitas pessoas desenvolvem sintomas após mudanças hormonais, sobretudo no puerpério, período em que retenção hídrica e aumento de carga mecânica sobre o punho contribuem para a sintomatologia. Embora fatores inflamatórios sistêmicos possam coexistir, eles raramente representam a causa principal. Por fim, anomalias anatômicas, como presença de septos delimitando subcompartimentos independentes, reduzem ainda mais o espaço tendíneo e costumam explicar quadros mais refratários.
Quadro clínico da síndrome de Quervain
O paciente geralmente descreve dor progressiva na região do estiloide radial, frequentemente acompanhada de sensação de estalido ou dificuldade de mobilizar o polegar. A dor irradia, em muitos casos, para o antebraço ou para a própria mão, sobretudo quando o indivíduo tenta segurar objetos mais pesados ou realizar movimentos amplos de rotação. Embora a dor inicial possa surgir após esforço específico, ela tende a tornar-se contínua e mais limitante com o passar dos dias.
Além disso, o paciente pode relatar dificuldade para executar movimentos simples, como segurar o celular, escovar o cabelo, levantar crianças pequenas, abrir potes ou realizar qualquer gesto que dependa da pinça entre polegar e indicador. Em fases mais avançadas, o edema local torna-se evidente e a palpação revela nódulos ou espessamento da bainha tendínea.
Diagnóstico
Anamnese
O diagnóstico começa com uma anamnese detalhada. O médico deve investigar:
- Início
- Progressão
- Fatores desencadeantes
- E padrões de piora.
Além disso, é importante questionar atividades repetitivas, carga biomecânica ocupacional, hábitos esportivos e eventuais mudanças hormonais, como gestação ou puerpério. Em muitos casos, a associação entre sobrecarga e instalação dos sintomas surge de modo claro, o que direciona rapidamente o raciocínio clínico.
Exame físico
O exame físico tem papel central porque revela sinais típicos. A palpação direta sobre o estiloide radial desencadeia dor intensa, principalmente quando o examinador pressiona o primeiro compartimento extensor.
Para realizar essa palpação o punho é posicionado em neutro, com o lado radial voltado para cima. A porção mais distal da estiloide radial é identificada, marcada e palpada para avaliação de sensibilidade local.

Além disso, testes provocativos ajudam a confirmar o diagnóstico. O teste de Finkelstein, quando realizado de forma correta, produz dor imediata e característica. O paciente flexiona o polegar e fecha os outros dedos sobre ele, enquanto o examinador conduz o punho a desvio ulnar. Essa combinação tensiona os tendões APL e EPB dentro de um túnel já estreitado, o que reproduz fielmente o sintoma.
Outro teste útil é o WHAT (wrist hyperflexion and abduction of the thumb). O paciente mantém hiperflexão do punho e realiza abdução do polegar contra resistência. Quando a dor surge, o teste reforça a hipótese clínica. Embora o Finkelstein seja o mais difundido, ambos auxiliam especialmente quando a sintomatologia é atípica.
Diagnósticos diferenciais
Por outro lado, diversos diagnósticos diferenciais exigem atenção, como:
• Osteoartrose trapézio-metacarpal
• Síndrome do túnel do carpo
• Tendinopatia do ECRB
• Lesões do complexo fibrocartilaginoso triangular
• Fraturas ocultas do escafoide
A diferenciação ocorre com base no padrão de dor, nos testes específicos e, quando necessário, em exames complementares.
Exames de imagem
Embora o diagnóstico seja eminentemente clínico, exames de imagem podem ajudar em situações mais complexas. A ultrassonografia evidencia espessamento de bainha, presença de septos, hiperemia sinovial e alterações estruturais dos tendões. Além disso, a imagem auxilia na aplicação de corticosteroide guiado, aumentando a precisão e reduzindo efeitos adversos.
A fotografia acima (B) mostra um paciente com tenossinovite de De Quervain sendo tratado com uma injeção guiada por ultrassom. Na imagem de ultrassom correspondente (A), é possível visualizar a ponta da agulha entrando na bainha tendínea preenchida por líquido.

A ressonância magnética raramente se torna necessária; contudo, ela fornece excelente visualização das estruturas do punho quando existe dúvida diagnóstica significativa.
Tratamento da síndrome de Quervain
O tratamento da síndrome de Quervain depende da gravidade dos sintomas, da duração da dor e da resposta às medidas iniciais. Em geral, o manejo inicia de forma conservadora e avança para opções intervencionistas ou cirúrgicas conforme a resposta clínica.
Tratamento conservador
Modificação de atividades e imobilização
A primeira medida consiste em reduzir estímulos mecânicos que causam dor. O paciente precisa alterar padrões de movimento, evitar torções repetitivas, diminuir força de preensão e adaptar sua rotina. Frequentemente, apenas ajustes simples aliviam sintomas significativos.
Além disso, a imobilização com órtese que estabiliza o polegar e o punho reduz a tensão sobre o APL e o EPB. A tala tipo “thumb spica” mantém o polegar em posição neutra e limita o desvio radial, o que melhora a dor já nos primeiros dias. Entretanto, o médico deve orientar sobre o tempo adequado de uso para evitar rigidez excessiva.
Analgesia e anti-inflamatórios
Analgesia com AINEs auxilia no conforto imediato e permite que o paciente mantenha autonomia nas atividades. Embora a fisiopatologia envolva degeneração mais do que inflamação clássica, os AINEs reduzem dor decorrente da irritação local.
Fisioterapia e terapia ocupacional
A reabilitação atua de forma progressiva. Inicialmente, o terapeuta trabalha analgesia e alongamentos leves. Em seguida, introduz exercícios de mobilidade controlada, reorganização biomecânica e fortalecimento gradual. Além disso, orienta ergonomia específica para reduzir recidivas.
Infiltração com corticosteroide
A infiltração intra-bainha representa uma das intervenções mais eficazes dentro do tratamento conservador. A aplicação correta distribui o corticosteroide diretamente no túnel fibro-ósseo, reduz espessamento da bainha e melhora o deslizamento dos tendões. Muitos pacientes apresentam melhora marcante após apenas uma aplicação, embora alguns precisem de uma segunda infiltração.
A técnica guiada por ultrassom torna o procedimento mais preciso e útil especialmente quando existe septo dentro do compartimento.
Tratamento cirúrgico
Quando o paciente não responde às medidas conservadoras, especialmente após 3 a 6 meses de acompanhamento adequado, a cirurgia se torna a melhor alternativa. Além disso, casos com dor intensa, limitações funcionais importantes ou presença de múltiplos septos respondem melhor à liberação cirúrgica precoce.
Técnica cirúrgica
O procedimento consiste em liberar o primeiro compartimento extensor por meio de pequena incisão longitudinal. O cirurgião identifica o retináculo espessado, abre o túnel e libera totalmente os tendões APL e EPB. Quando há septo, o cirurgião o remove para garantir deslizamento pleno.
Durante a cirurgia, proteger o ramo sensitivo do nervo radial é fundamental, já que lesões nessa região podem gerar neuromas dolorosos ou parestesia persistente.
Pós-operatório
Após a cirurgia, o paciente inicia mobilização precoce. O objetivo consiste em estimular deslizamento adequado dos tendões e evitar aderências. Com acompanhamento fisioterapêutico, a maioria retorna às atividades normais em poucas semanas, embora o tempo total varie conforme a gravidade inicial e a presença de mudanças estruturais.
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Referências biblográficas
- UPTODATE. De Quervain tendinopathy. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/de-quervain-tendinopathy. Acesso em: 18 nov. 2025.
- UPTODATE. Evaluation of the adult with subacute or chronic wrist pain. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-adult-with-subacute-or-chronic-wrist-pain. Acesso em: 18 nov. 2025.



