A síndrome de Chédiak-Higashi (SCH) representa uma entidade rara, herdada de modo autossômico recessivo e caracterizada por disfunções em múltiplos sistemas, especialmente o hematológico, o imunológico, o pigmentário e o neurológico.
De modo adicional, a doença associa-se com alterações pigmentares típicas do albinismo oculocutâneo, o que reforça a necessidade de compreensão conjunta dos mecanismos imunológicos e pigmentares.
Aspectos genéticos da síndrome de Chédiak-Higashi
A SCH resulta de mutações bialélicas no gene LYST (também conhecido como CHS1) que codifica a proteína reguladora do tráfego lisossomal. A proteína LYST tem cerca de 429 kDa e sua função exata permanece ainda parcialmente elucidadada. Entretanto, sabemos que ela exerce papel crucial no processo de formação, transporte e fusão de vesículas lisossomais nas células fagocíticas, nos melanócitos e em outras células com organelas relacionadas a lisossomos.
Como consequência, a disfunção da LYST leva ao aparecimento de grandes granulações citoplasmáticas anômalas, por exemplo, em neutrófilos, onde se observam corpos de Döhle ou grânulos gigantes, o que reflete a falha no tráfego vesicular.
Abaixo observa-se o esfregaço de sangue periférico de um paciente com síndrome de Chediak-Higashi, que mostra grânulos gigantes no citoplasma tanto de um neutrófilo quanto de uma célula em banda. Esses grânulos são formados pela fusão inadequada de lisossomos e endossomos.

O estudo genético revela que essas mutações ocorrem com frequência em populações de risco, incluindo casos familiares, e que o modo de herança autossômico recessivo determina que ambos os progenitores sejam portadores de cópias mutadas.
Por outro lado, embora a SCH tenha como principal defeito no gene LYST, convém destacar que o fenótipo pigmentário, ou seja, a hipopigmentação associada, se sobrepõe a outros doentes com albinismo oculocutâneo (OCA). Nesse sentido, o entendimento do albinismo no contexto da SCH exige também referência aos mecanismos de melanogênese presentes nos OCA. Por conseguinte, o estudo de Oculocutaneous Albinism (OCA) torna-se relevante como comparação.
Em síntese, portanto, a base genética da SCH permite compreender não só a imunodeficiência mas também a hipopigmentação de forma integrada.
Fisiopatologia
Com base genética estabelecida, a fisiopatologia da SCH envolve múltiplos mecanismos celulares. Primeiramente, a proteína LYST defeituosa provoca falha no transporte normal de vesículas lisossomais ou organelas relacionadas, o que gera acúmulo de grandes granulações nas células fagocíticas, nos melanócitos e, eventualmente, em neurônios.
Nos leucócitos, em particular nos neutrófilos e nas células NK, a disfunção resulta em falha de quimiotaxia, fagocitose inadequada e diminuição da atividade bactericida. Como consequência, o paciente apresenta suscetibilidade aumentada a infecções piogênicas recorrentes.
Ademais, em melanócitos, a morfogênese alterada de melanosomas e o tráfego disfuncional dariam conta da hipopigmentação cutânea, do cabelo prateado ou claro e dos olhos de cor clara ou translúcidos. Esse mecanismo aproxima a SCH dos fenômenos vistos no albinismo oculocutâneo, embora com outros componentes clínicos associados.
Outro mecanismo relevante envolve a diátese hemorrágica leve a moderada, resultante de defeito nas plaquetas ou nas organelas densas das plaquetas, o que leva a hematomas e sangramentos com facilidade.
Finalmente, a chamada “fase acelerada” (ou fase doença hemofagocítica/linfohistiocítica) representa uma complicação grave decorrente da proliferação de histiócitos ativados e infiltração de múltiplos órgãos, o que pode antecipar o óbito. Essa fase surge em virtude da disfunção imunológica crônica e da ativação compensatória exacerbada do sistema fagocitário.
Em resumo, a fisiopatologia da SCH combina:
- Imunodeficiência
- Hipopigmentação
- E risco hemorrágico.
Tudo derivado de uma via lisossomal e de vesícula exógena alterada.
Manifestações clínicas da síndrome de Chédiak-Higashi
As manifestações clínicas da SCH são heterogêneas, porém algumas características são bastante típicas.
Pigmentares
Logo ao nascimento ou nos primeiros anos de vida, observam-se cabelos de tonalidade prateada ou acinzentada, pele hipopigmentada e olhos de cor clara, com íris translúcidas ou pálidas. Essa combinação remete ao albinismo oculocutâneo, embora não seja idêntica. Além disso, existe fotofobia aumentada, nistagmo e reflexos visuais alterados, reflexo da menor pigmentação da retina e íris.
Na imagem abaixo observa-se uma criança com brilho prateado nos cabelos e a pigmentação mista no rosto.

Por conseguinte, o exame dermatológico e oftalmológico precoce pode revelar essas alterações pigmentares, de modo que o clínico deva desconfiar da SCH diante da associação com infecções recorrentes.
Imunológicas/infecciosas
O defeito funcional das células fagocitárias e das células NK predispõe a infecções bacterianas, com predomínio de agentes piogênicos, como Staphylococcus aureus e estreptococos, envolvendo pele, aparelho respiratório e mucosas. O paciente apresenta:
- Febre de repetição
- Abscessos
- Linfadenopatias e esplenomegalia
- Além de hepatomegalia em muitos casos.
Também se registram neutropenia crônica, funcionalmente relevante, e infiltrados de órgãos secundários à fase acelerada. Em alguns casos, o quadro inicial se apresenta já na infância com infecções graves e de difícil controle.
Hematológicas e sangramento
Hematomas fáceis e sangramentos, como epistaxes ou sangramentos digestivos leves, ocorrem com maior frequência. Essa predisposição reflexa o defeito plaquetário associado ou a disfunção das organelas densas plaquetárias.
Além disso, pode haver linfadenopatia generalizada e envolvimento esplênico, o que exige atenção laboratorial ao hemograma, à contagem de neutrófilos e às plaquetas.
Neurológicas
A componente neurológica varia amplamente: desde neuropatia periférica, ataxia, déficit cognitivo, convulsões, até alterações da marcha. Essas manifestações surgem com maior frequência em formas mais tardias da doença. Portanto, pacientes que sobrevivem à infância passam a desenvolver progressivamente disfunção neurológica, o que reforça o caráter multisistêmico da SCH.
Fase acelerada
Em cerca de 85% dos pacientes maiores ou sobreviventes, surge a fase acelerada caracterizada por linfohistiocitose hemofagocítica, com infiltração de fígado, baço, linfáticos e outros órgãos, febre persistente, citopenias, sangramentos e rápido declínio clínico. Sem tratamento adequado, essa fase conduz a óbito geralmente na primeira década de vida.
Diagnóstico da síndrome de Chédiak-Higashi
O diagnóstico da SCH baseia-se no conjunto clínico (albinismo parcial, infecções recorrentes, sangramentos fáceis) e confirma-se por evidência laboratorial e molecular. O achado característico é a presença de grandes grânulos lisossomais em neutrófilos e outras leucócitos, visualizados em esfregaço de sangue periférico ou de medula óssea.
Outra via diagnóstica possível inclui teste genético do gene LYST, identificação das mutações patogênicas e aconselhamento genético. A diferenciação com outras síndromes de hipopigmentação/imunodeficiência, como o albinismo oculocutâneo puro, exige o reconhecimento da componente imunológica e hemorrágica. Por exemplo, no albinismo oculocutâneo, a imunodeficiência grave e a fase acelerada não ocorrem com tal frequência, o que evidencia a importância de uma abordagem diagnóstica abrangente.
Logo, o médico deve manter alto índice de suspeita ao encontrar as manifestações combinadas e proceder à confirmação laboratorial e genética.
Tratamento e prognóstico
O tratamento ainda permanece complexo, sendo o transplante de células-hematopoéticas o único procedimento que pode curar efetivamente a componente imunológica da SCH. Além disso, o manejo inclui profilaxia e tratamento agressivo de infecções, aporte de suporte hematológico e monitoramento neurológico. Apesar disso, a complicação neurológica pode progredir mesmo após o transplante, o que reforça a importância de acompanhamento a longo prazo.
O prognóstico depende da idade de diagnóstico, da existência ou não da fase acelerada, e da rapidez com que se institui o tratamento. Sem transplante e sem manejo intensivo, muitos pacientes não sobrevivem além da primeira década de vida. Contudo, com intervenção precoce, há possibilidade de sobrevida prolongada, embora o risco neurológico persista.
Em termos práticos, o acompanhamento deve envolver equipe multidisciplinar (hematologia, imunologia, dermatologia, oftalmologia, neurologia) para manejo das múltiplas facetas da doença.
Comparativo com o albinismo oculocutâneo
Para enriquecer a compreensão, convém situar a SCH em relação ao albinismo oculocutâneo (OCA). No OCA, há um grupo de distúrbios genéticos que afetam a biossíntese de melanina nos melanócitos, resultando em hipopigmentação da pele, cabelo e olhos.
Na imagem abaixo observa-se cabelos brancos e cílios em uma criança com albinismo oculocutâneo tipo 1A (OCA1A).

A herança do OCA é quase sempre autossômica recessiva, e as mutações envolvem genes como TYR, OCA2, TYRP1 e SLC45A2, entre outros. Clinicamente, os pacientes com OCA apresentam nistagmo, miopia ou astigmatismo, fovea hipoplásica, fotofobia e risco aumentado de neoplasias cutâneas, mas tendem a não ter imunodeficiência ou crise linfohistiocítica acelerada típica da SCH.
Portanto, enquanto a SCH compartilha o componente pigmentário com o OCA, ela se distingue pela associação com imunodeficiência grave, sangramento e fase acelerada, o que exige abordagem distinta. Esse contraste sustenta a necessidade de reconhecimento clínico cuidadoso.
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Referências bibliográficas
- KAPLAN, J.; DE DOMENICO, I.; WARD, D. M. Chédiak-Higashi syndrome. 2025. Disponível em UpToDate. Acesso em 13 de Novembro de 2025.
- GRONSKOV, K.; EK, J.; BRONDUM-NIELSEN, K. Oculocutaneous albinism. 2025. Disponível em UpToDate. Acesso em 13 de Novembro de 2025.
