Autor (a): Aline Moreira
Vitorino
Co-autor (a): Brenda Pereira
Campos
Revisor (a): Gabriela Alfama
Orientador
(a):
Jule Rouse de Oliveira Gonçalves
Santos
Liga: Liga de Emergências Médicas do Distrito Federal – LEM-DF (@lem_df)
Definição
A epilepsia é considerada um distúrbio do sistema
nervoso central, se caracterizando por uma predisposição sustentada a causar
crises epilépticas.
A crise epiléptica é quando a atividade neuronal é
anormal no cérebro. Dessa forma, ocorrem sinais e sintomas transitórios.
Conceitos relevantes em urgência e emergência:
- Crise epiléptica
provocada – ocorre quando a crise epiléptica é provocada por um fator causal
identificável, podendo ser condição clínica ou sistêmica. Exemplos: alterações
eletrolíticas, hipoglicemia, sepse, abuso de drogas ilícitas, uso de medicações
que podem reduzir limiar convulsivo. - Crise sintomática
aguda – ocorre quando a crise é causada por lesão neurológica aguda, devendo
ocorrer nos 7 primeiros dias da afecção. Ex: AVC, neuroinfecções. - Crise sintomática
remota – ocorre quando a crise for gerada por uma lesão cerebral antiga (após 7
dias da lesão). Existe alto risco de recorrência, por isso o paciente se
enquadra no diagnóstico de epilepsia. - Estado de mal
epiléptico – ocorre quando as crises são anormalmente prolongadas (20-30 min de
crise convulsiva continua).
Epidemiologia
Em geral, existe um risco de 8 a 10% de que uma
pessoa apresente uma crise epiléptica ao longo da vida. Vale lembrar que uma
crise epiléptica isolada durante a vida não confirma diagnóstico de epilepsia.
O risco de epilepsia é de 1% a 2%.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da epilepsia se baseia em um
desequilíbrio entre os mecanismos de excitação (glutamato) e inibição (GABA) do
Sistema Nervoso Central. Isso ocorre devido à perda seletiva de neurônios
gabaérgicos (inibitórios). Dessa maneira, podemos concluir que ocorre excitação
excessiva pelo glutamato ou falta de inibição do GABA.
De forma resumida, podemos afirmar que a epilepsia
se caracteriza por descargas elétricas neuronais excessivas. Dessa maneira,
quando a descarga ocorre apenas em uma parte do cérebro, a crise é chamada de
parcial ou focal. Do mesmo modo, se a descarga atinge os dois hemisférios
cerebrais, ocorre uma crise generalizada. Quando a descarga começar em um local
do cérebro e se espalhar para os dois hemisférios, temos uma crise focal evoluindo
para uma crise tônico-clônica bilateral.
Tipo de crise e quadro clínico
A ILAE (International League Against Epilepsy) desenvolveu uma classificação para as crises epilépticas. Nessa classificação, as crises são divididas em crises de início focal, generalizado e desconhecido. Nas subcategorias, são divididas em crises motoras, não motoras e com ou sem comprometimento da percepção para as crises de início focal.
Esquema expandido ILAE 2017:

Subclassificação
das principais crises generalizadas:
- Crise tônico – clônica generalizada (grande mal):
ocorre uma perda súbita de consciência, depois ocorre uma contração tônica e
finaliza com fase clônica. Os 4 membros são afetados. Nesse tipo de crise, pode
ocorre sialorreia e liberação esfincteriana. Depois da crise o paciente
apresenta letargia, confusão mental e sonolência (período pós ictal, que dura
de 15-30 minutos). Podem ocorrer logo em seguida a uma crise focal. - Crises de ausência (pequeno mal): a perda de
consciência é súbita e breve (por até 30 segundos) e pode acontecer por várias
vezes durante o dia. Podem ocorrer algumas alterações motoras discretas (ex:
piscamento repetitivo dos olhos, sinais autonômicos, automatismos orais e
manuais).
As crises atônicas, clônicas, espasmos epilépticos,
mioclônicas e tônicas podem ter início focal ou generalizado.
- Crise atônica: Ocorre perda de tônus muscular. Esse
tipo de crise pode causar queda e lesões físicas no paciente. - Crise clônica:
ocorrem quando existe a presença de abalos musculares clônicos. - Espasmos
epiléticos: consistem na contração de músculos axiais; são contrações tônicas
rápidas. São espasmos que ocorrem, principalmente, em salvas, ao adormecer ou
ao despertar. - Crise mioclônica:
essas crises são descritas por contrações musculares breves e súbitas,
lembrando o choque. - Crise tônica: podem ter início abrupto ou gradual.
Esse tipo de crise costuma durar de 10 a 15 segundos, mas pode persistir por
até 1 minuto. É comum ocorrer perda de consciência, com recuperação juntamente
com o final da descarga elétrica.
Subclassificação
das crises focais parciais:
- Simples: os sintomas são de determinada área
cerebral, mas não ocorre alteração do nível de consciência. Atualmente, também
pode ser chamada de crise perceptivas. - Complexas: esse
tipo de crise surge, geralmente, no lobo frontal ou temporal. Ocorre alteração
do nível de consciência. No período pós ictal, o paciente fica desorientado. É
também denominada como crise disperceptiva. - Gelásticas: o paciente apresenta crises de riso
inapropriadas, associadas a hematomas hipotalâmicos.
Anamnese e diagnóstico
A história clínica do paciente é o principal ponto
a ser levantado para conduzir o diagnóstico e tratamento do mesmo.
Se o paciente estiver consciente a anamnese deve
ser bem detalhada, buscando características ou eventos que possam ter
desencadeado a crise, se não, deve-se tentar coletar o máximo de informações
possíveis com o acompanhante ou com a pessoa que ajudou no socorro. Desta
forma, é possível levantar as hipóteses diagnósticas, fazer diagnósticos
diferenciais, identificar a existência de alguma doença clínica ou neurológica
que possa ter desencadeado a crise epiléptica e finalmente, tratar o paciente
adequadamente.
Algumas perguntas que sempre devem ser feitas como:
se o paciente já teve outra crise antes, qual foi o primeiro sinal ou sintoma
observado (pela vítima ou testemunha), quanto tempo durou a crise, se sentiu
alguma coisa depois da crise (sonolência, confusão, dificuldade de falar, dor
de cabeça), se teve algum evento precipitante (atividade física, privação de
sono, consumo de álcool ou drogas, abstinência, uso de algum medicamento,
histórico de trauma, etc.) e se tem casos semelhantes na família.
Exame físico
O exame físico inicial é parecido com o dos demais
paciente em avaliação de urgência, devendo estar direcionado para a
identificação de sinais e sintomas de instabilidade clínica.
Pesquisar marcas de trauma podem ajudar na ausência
de um acompanhante ou testemunha. Alguns
achados indicam que o paciente teve uma convulsão e devem ser pesquisados nas
pessoas que apresentaram perda a consciência, como por exemplo, marcas de
mordida na língua, presença de urina ou fezes na roupa e confusão prolongada
após a perda de consciência.
O exame neurológico é muito relevante e deve ser
detalhado com foco em alguns pontos como, nível de consciência, linguagem
(dificuldade de fala, competência de nomear objetos, conservar discurso,
compreensão e execução de comandos e perguntas), déficit motor ou sensitivo de
alguma região, sinais de doenças/alterações neurológicas agudas ou mesmo a
sequelas prévias.
Exames complementares
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais são importantes na busca de
distúrbios metabólicos e/ou hidroeletrolíticos e também de alterações
indicativas de processos infecciosos ou inflamatórios, precisando estar
presente na rotina de avaliação principalmente nos casos de primeira crise.
Muitos dos exames laboratoriais não são
disponibilizados imediatamente ou no âmbito da urgência, mas os resultados
podem ser úteis em uma investigação posterior do caso.
Os principais exames a serem solicitados são: glicemia,
eletrólitos (sódio, magnésio, cálcio e fósforo), hemograma, VHS e PCR, ureia,
creatinina, TGO, TGP, amônia, gasometria, CPK, HIV e outras sorologias virais,
pesquisas de doenças autoimunes (FAN, anticardiolipina, anticoagulante lúpico,
etc.), toxicologia e nível sérico de fármacos antiepilépticos (quando
apropriado).
Exames de Imagem
Os exames de neuroimagem são componentes essenciais
na investigação de toda primeira crise epiléptica.
Tomografia
computadorizada (TC)
A tomografia computadorizada (TC) do crânio é o
exame de imagem mais acessível e com execução rápida por isso deve ser
realizada em todos os pacientes, normalmente é realizada imediatamente para
excluir possíveis tumores ou hemorragias.
Ressonância
magnética (RM)
A ressonância magnética (RM) em geral, é indicada
quando a TC é negativa, é muito relevante principalmente nas crises de início
focal ou quando não existe um motivo identificado, como ocorre nas crises
espontâneas. Em grande parte dos casos a RM pode ser feita em nível
ambulatorial, como componente da pesquisa de um provável diagnóstico de
epilepsia. Porém, como já mencionado acima, se ainda existir uma desconfiança
de lesão neurológica aguda como causa da primeira crise, após realização de
urna TC de crânio normal, a RM está indicada ainda no contexto de urgência no
hospital.
A RM é a melhor alternativa para algumas alterações
que não aparecem na TC, como: abscessos, tumores cerebrais, para detectar
encefalite herpética, displasias corticais e tromboses venosas cerebrais.
Eletroencefalograma – EEG
O eletroencefalograma é o exame mais relevante para
o diagnóstico da epilepsia, ele analisa a atividade elétrica cerebral sendo de
suma importância na avaliação de uma primeira crise epiléptica.
O EEG na primeira crise pode colaborar para classificação
das crises em focal x generalizada, quando a história clínica não foi
elucidativa, colaborar na identificação das síndromes epilépticas específicas e
ajudar a calcular o risco de recorrência, já que um EEG com alterações
simboliza maior risco de repetição, auxiliando muito na decisão terapêutica.
Grande parte dos pacientes com epilepsia não tem
uma crise registrada em um único estudo de EEG de rotina, mas algumas
alterações interictais em um traçado de EEG de rotina podem ser muito
sugestivas de uma doença epiléptica. Deve-se ficar atento pois um resultado
normal de EEG não elimina a possibilidade do paciente ter tido ou que venha a
ter novas crises, assim como não exclui um diagnóstico de epilepsia caso exista
essa suspeita clínica.
Alguns estudos dizem que é pouco provável que o EEG
aponte alterações, quando as crises não são frequentes, dizem ainda que o EEG
inicial pode apresentar anomalias epileptiformes em apenas 30 a 55% dos
indivíduos com transtorno epiléptico conhecido e que o EEG em série, pode apontar
alterações epileptiformes em até 80 a 90% dessas pessoas. Por isso é importante
que o paciente seja encaminhado para fazer um acompanhamento com especialista e
realize o EEG em série com tempo de registro aumentado onde os testes devem ser
realizados em períodos diferentes (vigília, sonolência, sono, e privação do
sono) pois aumentam bastante a chance de encontrar alterações epileptiformes em
pessoas com crises epilépticas.
Exame
do líquido cefalorraquidiano (LCR)
A coleta do LCR é feito por meio da punção lombar e
deve sempre ser considerada na investigação de um paciente com primeira crise,
sendo que este exame é obrigatório se existir suspeita de infecção do SNC,
neoplasia e também, em indivíduos imunossuprimidos (transplantados e/ou que
apresentem doença autoimune, HIV, etc).
Para a realização do exame algumas contraindicações
devem ser afastadas, como por exemplo: lesão intracraniana com efeito de massa,
distúrbios de coagulação (principalmente os causados pelo uso de anticoagulantes
ou plaquetopenia), alterações anatômicas expressivas no local de punção e lesões
cutâneas lombares amplas.
Nos casos de primeira crise, o líquido
cefalorraquidiano só poderá ser coletado posteriormente ao exame de imagem. Em circunstâncias
em que não existe causa definida para a crise, o exame do LCR também poderá ser
de grande valia, sendo especialmente relevante na pesquisa de doenças
autoimunes.
De forma resumida deve-se fazer a avaliação
clínica, no caso de crises que iniciaram recentemente devem ser feitos os
exames de imagem neurológica, exames de laboratório e EEG. Quando os
transtornos epilépticos já são conhecidos, geralmente são mensurado os níveis
farmacológicos de anticonvulsivantes. Em casos também de início recente ou
crises conhecidas podem ser solicitados outros exames de acordo com indicação
clínica do paciente.
Tratamento
O ponto mais importante do tratamento é eliminar as
causas que levaram a crise, sempre que possível. Se o fator desencadeante não
puder ser corrigido ou mesmo identificado, normalmente é necessária a
administração de medicamentos anticonvulsivantes, em especial depois de uma 2ª
crise epiléptica já que no pronto socorro, é comum que o paciente chegue após o
término da crise, podendo estar ainda confuso ou totalmente recuperado.
No caso do paciente chegar e ainda estar em crise,
as medidas de suporte de vida como avaliação das vias aéreas, monitorização de
sinais vitais, mensuração da glicemia capilar e estabelecimento de acesso
periférico estão recomendadas. Deve-se lembrar também, que durante o
atendimento inicial, o sangue do paciente deve ser coletado para dar início às
investigações laboratoriais. A intubação endotraqueal é necessária quando
existir qualquer sinal de comprometimento das vias respiratórias.
É de suma importância que o paciente que chegar em
crise receba tratamento de urgência. A droga de escolha para cessar uma crise
em andamento é um benzodiazepínico.
No Brasil, as recomendações para o uso de
benzodiazepínicos são:
- Diazepam intravenoso
(IV): dose inicial de 10 mg para adultos; 0,15 a 0,2 mg/kg/dose para crianças
ou pacientes com menor peso, se necessário, pode ser repetida dose adicional
(até duas vezes). - Midazolam
intramuscular (IM): dose inicial de 10 mg se > 40 kg; reduzir para 5 mg se
peso entre 13 e 40 kg; não existe recomendação para repetição. Lembrando que a
administração do benzodiazepínico deve ser feita de preferência, pela equipe de
resgate em ambiente pré-hospitalar pois diminui as chances de complicações.
A Fenitoína não é
iniciada de rotina para pacientes que se apresentam uma primeira crise. Este
fármaco está indicado para pacientes com crises recorrentes ou que não exibiram
recuperação do nível de consciência após uma crise epiléptica ou seja,
apresentam suspeita de estado de mal epiléptico não convulsivo.
A dose indicada de
ataque é 15-20 mg/kg de peso, diluídos em soro fisiológico 0,9% e administrada
em bomba de infusão a uma velocidade de 50 mg/min, com uso de filtro de linha.
Nos pacientes idosos, cardiopatas ou com antecedente de arritmia, a velocidade
pode ser de 20-25 mg/min.
A administração
desse fármaco deve ser sempre feita com o paciente em decúbito e com
monitorização de frequência cardíaca e pressão arterial.
Os principais
efeitos colaterais observados são: ardência e desconforto no local da aplicação,
tontura, náuseas, bradiarritmias, hipotensão, bloqueio atrioventricular, ataxia
e nistagmo.
Nos casos em que
as crises são recentes é indicado que, até que as mesmas se tornem controladas,
os pacientes evitem atividades em que a perda de consciência pode gerar risco
de morte como: dirigir, nadar, escalar, usar banheira, etc. Em geral, quando as
crises se tornam controladas o indivíduo pode voltar a fazer muitas dessas
atividades normalmente, desde que faça uso de proteções apropriadas caso
necessário.
O profissional da
saúde também deve estimular esses pacientes a viverem uma vida normal,
incluindo a prática de atividades físicas e sociais.
Caso necessário, os pacientes devem ser encaminhados para acompanhamento profissional adequado. As terapias de longo prazo, possíveis cirurgias, procedimentos de estimulação de nervo vago e neuroestimulação responsiva cerebral são tratamentos que devem ser realizados e indicados pelo neurologista de acordo com o que mais se adequa individualmente a cada paciente.