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Rastreamento de novas variantes do coronavírus: uma corrida contra o tempo | Colunistas

Rastreamento de novas variantes do coronavírus: uma corrida contra o tempo | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Entramos no segundo ano de pandemia, e a angústia pelo incerto ganhou um novo reforço com o surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, ficando no ar a desgastante dúvida: como rastrear as novas variantes da pandemia mais rapidamente? Esse questionamento é justamente o tema da nossa discussão de hoje, visto que já se somam mais de 2,6 milhões de mortes causadas pela COVID-19, sendo necessário o conhecimento das mutações e da importância da genética quando se trata do controle epidemiológico da doença.

Cronologia do SARS-CoV-2: descobrimento e mutações

Desde a primeira notificação da “pneumonia misteriosa” em Wuhan, na China, em 2019, várias mudanças na carga genética do novo coronavírus aconteceram – mutações essas observadas, até agora, nos continentes europeu, africano e americano. Abaixo, acompanhe uma linha do tempo resumida:

  • Dezembro de 2019: descoberta de um novo vírus que causava problemas respiratórios na China;
  • Março de 2020: D614G – mutação na posição 614 da proteína S da cepa originalmente encontrada em Wuhan (altamente espalhada na Europa e América do Norte);
  • Setembro de 2020: N501Y – mutação no receptor da proteína S pela substituição de asparagina por tirosina (circulante no Reino Unido);

N501Y linhagem B.1.1.7 – mutações dominantes no Reino unido, provocadas por deleções de nucleotídeos;

  • Outubro de 2020: N501Y linhagem B.1.351 – mutações da proteína S encontradas na África do Sul;
  • Outubro de 2020: N501Y linhagem P2 – mutação referente à proteína S encontrada no Brasil (Rio de Janeiro);
  • Janeiro de 2020: N501Y linhagem P1 – mutações da proteína S encontradas no Brasil (Manaus/AM).

Qual o impacto das novas variantes no controle da pandemia?

Estudos recentes publicados pela Organização Pan-Americana da Saúde revelaram que as mutações ocorridas ao longo dos meses no SARS-CoV-2 provocam impactos amplamente negativos na saúde pública.

E você deve estar se perguntando: mais problemas? A resposta é SIM! As novas variantes do vírus mostraram-se mais letais que a cepa encontrada em Wuhan, seja pela alta taxa de transmissibilidade que elas possuem, seja pelo poder de neutralizar respostas imunes, incapacitando a reação do organismo afetado.

Além disso, a deleção de alguns aminoácidos provocados por determinadas cepas mutantes (a saber a linhagem B.1.1.7) pode inviabilizar os resultados dos kits diagnósticos, uma vez que os sítios de ligação das sondas desses equipamentos já não se ligam aos amplicons, tornando mais comuns os “falsos negativos”.

Genética: protagonismo atual e prospecção frente ao vírus

Desde o início da pandemia nos deparamos com o papel fundamental da genética para traçar caminhos viáveis para o controle da COVID-19. O sequenciamento genômico foi de extrema importância para a identificação do novo coronavírus em janeiro de 2020, norteando pesquisadores e profissionais da saúde para o desenvolvimento de testes para diagnósticos e tratamentos.

Seguindo essa linha de descobertas, o sequenciamento também foi a força motriz para o reconhecimento de novas cepas do vírus recentemente, tornando possível o estudo mais aprofundado da mutagênese viral e oferecendo uma base para a produção de futuras vacinas capazes de prevenir contra um maior número de variantes.

Como agilizar o rastreamento das novas variantes?

Sequenciamento do genoma

Antes de qualquer ideia megalomaníaca, a real saída para rastrear cepas mutantes com maior rapidez é priorizar o sequenciamento do genoma.

Sabemos que, quanto mais ocorre a infecção por um vírus, maior a probabilidade dele sofrer mutações e tornar-se mais resistente com o passar dos tempos. É justamente nesse ponto que o sequenciamento se torna imprescindível para reconhecer novas cepas do coronavírus: a disponibilização de genomas atualizados para estudos permite que as mutações sejam mapeadas, contribuindo para a criação de vacinas mais eficazes.

Atualização de bancos de dados – vigilância genômica

A agência de notícias francesa AFP publicou no final de janeiro uma reportagem mostrando que a grande maioria das sequências genômicas do novo coronavírus vem somente do Reino Unido. Isso se deve ao fato do empenho de pesquisadores britânicos em monitorar o vírus e publicar os achados em bancos de dados públicos.

Desse modo, se todos os países se comprometessem com a vigilância genômica e divulgassem os resultados dos monitoramentos em bancos de dados, o controle das novas cepas seria significantemente maior.

Parceria entre universidades e autoridades da saúde

Assim como o realizado no Reino Unido, uma brilhante contribuição para agilizar o rastreamento seria a criação de parcerias entre as universidades e os responsáveis pela saúde. Dessa forma, as autoridades forneceriam os insumos necessários e os resultados dos testes PCR aos pesquisadores das universidades, que fariam, então, o sequenciamento das amostras e disponibilizariam os achados nos bancos de dados públicos – reforçando a importância das medidas anteriormente citadas.

Conclusão

Podemos concluir, então, que a agilidade no rastreamento das novas variantes da pandemia gira em torno da priorização do sequenciamento genético. Portanto, o fornecimento de genomas em bases de dados e a parceria entre universidades e autoridades da saúde são medidas altamente viáveis para o maior estudo desse sequenciamento genômico. Assim, é de extrema importância que os Estados priorizem a ciência e a saúde de seus cidadãos, incentivando e financiando as pesquisas no campo da genética; além de unirem forças e conhecimento para a conquista de um bem comum: o controle da pandemia e a preservação das vidas.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Michelon, Cleonice. Variantes do SARS-CoV-2: devemos nos preocupar? Departamento de análises clínicas da Universidade Federal de Santa Catarina. 09 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www.sbac.org.br/wp-content/uploads/2021/02/Variantes-do-SARS-CoV-2-Texto-3-vers%C3%A3o-09.02-2.pdf>. Acesso em 09 de março de 2021.

AFP. Sequenciamento, a ferramenta indispensável para rastrear o vírus. 28 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.bol.uol.com.br/noticias/2021/01/28/sequenciamento-a-ferramenta-indispensavel-para-rastrear-o-virus.htm>. Acesso em 09 de março de 2021.

OPAS. Atualização epidemiológica: Variantes de SARS-CoV-2 nas américas. 26 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/53234/EpiUpdate26January2021_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em 09 de março de 2021.