O SUS adotou em 2025 o teste molecular de DNA-HPV por PCR como exame primário de rastreamento, substituindo a citologia (Papanicolau). O novo método aumenta a sensibilidade para lesões precursoras, permite estratificação por genótipos e reduz a incidência e mortalidade por câncer cervical.
O câncer cervical permanece um desafio de saúde pública.
Principais dados epidemiológicos (2023–2025):
- 17.010 casos novos por ano
- 7.209 óbitos registrados em 2023
- Maior incidência nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
- Relação direta com infecção persistente por HPV de alto risco, especialmente HPV 16 e 18, responsáveis por cerca de 77% dos casos invasivos
A vacinação contra HPV (disponível desde 2014) é prevenção primária essencial, mas sua cobertura atual não modifica imediatamente o cenário epidemiológico. Por isso, o rastreamento organizado continua fundamental como prevenção secundária.
Como evolui a infecção pelo HPV?
O HPV é um vírus DNA extremamente prevalente, transmitido principalmente por via
sexual. Após o início da vida sexual, observa-se um pico de incidência em mulheres jovens,
com alta taxa de regressão espontânea.
Pontos-chave da história natural:
A progressão para câncer é lenta, ocorrendo ao longo de 10 a 20 anos na maioria dos
casos. Esse curso natural lento justifica intervalos longos entre rodadas de rastreamento
em mulheres com teste negativo para DNA-HPV.
- 70% a 90% das infecções se resolvem em até 24 meses.
- A persistência viral é o fator determinante para progressão.
- Subtipos de alto risco são os agentes etiológicos de:
◦ NIC 1 (geralmente transitória)
◦ NIC 2 e 3 (lesões precursoras)
◦ Câncer cervical invasivo
A progressão para câncer é lenta, ocorrendo ao longo de 10 a 20 anos na maioria dos
casos. Esse curso natural lento justifica intervalos longos entre rodadas de rastreamento
em mulheres com teste negativo para DNA-HPV.
Rastreamento com citologia cervical (Papanicolau): papel atual
A citologia cervical foi durante décadas o método principal de rastreamento no Brasil e ainda é amplamente utilizada na prática clínica. Baseia-se na avaliação morfológica de células escamosas, metaplásicas e glandulares.
Vantagens:
- Baixo custo.
- Larga disponibilidade.
Limitações importantes:
- Sensibilidade moderada para NIC2+ (cerca de 50%–60%).
- Dependência crítica da qualidade da coleta.
- Baixa reprodutibilidade.
- Desempenho inferior em mulheres jovens e em amostras insatisfatórias.
De acordo com as diretrizes mais recentes, a citologia deixa de ser o exame primário e passa a ser utilizada como triagem reflexa, apenas quando o teste molecular identifica tipos oncogênicos que não são 16/18.
Teste molecular: PCR para DNA-HPV
O Ministério da Saúde aprovou em 2025 a incorporação de testes de detecção de DNA-HPV oncogênico por PCR, com genotipagem parcial ou estendida, como método primário de rastreamento.
Por que o PCR é superior?
- Sensibilidade muito maior que a citologia para identificar NIC2+.
- Maior valor preditivo negativo → segurança para intervalos maiores (5 anos).
- Redução de 40% na incidência de câncer invasivo comparado à citologia (dados de ensaios europeus) .
- Permite estratificação de risco pela genotipagem, direcionando colposcopias apenas aos casos necessários.
Subtipos identificados pelo método
Genotipagem parcial
Identifica separadamente:
- HPV 16
- HPV 18 (podendo incluir HPV 45)
Os demais tipos oncogênicos aparecem agrupados em pool.
Genotipagem estendida
Identifica individualmente:
- 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59
- Inclui também HPV 66 e 68 (potencialmente oncogênicos)
Importante: As condutas clínicas no SUS não mudam conforme o tipo de genotipagem utilizada.
Por que substituir a citologia pelo PCR como rastreamento primário?
As evidências científicas e econômicas justificam totalmente a adoção do teste molecular.
Maior eficácia
- Redução de 40% na incidência de câncer.
- Redução significativa de mortalidade.
Maior sensibilidade
Detecta precocemente a infecção oncogênica antes mesmo do aparecimento de alterações celulares.
Alto valor preditivo negativo
Mulheres com PCR negativo têm risco extremamente baixo de desenvolver lesões graves por até 5 anos.
Redução de procedimentos desnecessários
Menos colposcopias e biópsias.
Custo-efetividade comprovada
Modelagens do Ministério da Saúde mostraram economia significativa quando comparado a citologia trienal.
População que deve ser rastreada
Segundo a diretriz nacional:
População-alvo geral
- Mulheres de 25 a 64 anos
- Assintomáticas
- Com risco padrão (não imunossuprimidas)
Rastrear antes dos 25 anos traz mais riscos que benefícios, devido à alta prevalência de infecções transitórias e maior probabilidade de sobretratamento.
Encerramento
- Suspender aos 60 anos, se o último teste for negativo.
- Mulheres nunca rastreadas acima dos 60 anos devem realizar um teste único.
Exceção importante
Mulheres com histórico de NIC2+, NIC3 ou AIS tratadas
→ manter rastreamento por 25 anos após o tratamento, independentemente da idade.

Fonte: Cofen
Qual é o fluxo de rastreamento atualizado (MS/INCA)?
1. PCR negativo para HPV oncogênico
→ repetir em 5 anos
2. HPV 16 e/ou 18 positivo
→ encaminhar diretamente para colposcopia
3. HPV oncogênico não 16/18 positivo
→ realizar citologia reflexa no mesmo material
- Citologia alterada (ASC-US ou superior) ou insatisfatória → colposcopia
- Citologia normal → repetir DNA-HPV em 1 ano
4. Persistência de HPV não 16/18 por 24 meses
→ encaminhar colposcopia, mesmo com citologia normal.
Coleta do exame: amostra obtida por profissional ou autocoleta
Coleta por profissional de saúde
É o padrão preferencial, pois permite:
- Amostra do colo (ecto + endocérvice)
- Realização de citologia reflexa sem retorno da paciente
Autocoleta
Pode ser utilizada em situações específicas:
- Barreira ao exame especular
- Dificuldade de acesso ao serviço
- Medo, pudor, trauma sexual
- Populações marginalizadas
(SUS define grupos específicos, como mulheres em situação de rua, privadas de liberdade, etc.)
Importante: Quando a amostra é autocoletada e o teste resulta positivo por tipos não 16/18, é necessário retorno para coleta citológica.
Exceções ao rastreamento
Gestantes
- O rastreamento segue igual ao das não gestantes.
- Citologia e teste de HPV podem ser realizados com segurança.
- Colposcopia é permitida; tratar apenas lesões invasivas suspeitas.
Imunossuprimidas
Inclui:
- HIV+
- Transplantadas
- Usuárias crônicas de imunossupressores
Nestas pacientes:
- Rastreamento iniciar aos 25 anos, mas com intervalos menores.
- Diretriz específica será ampliada na “Parte II”, porém recomenda-se seguimento mais rigoroso.
Autocoleta
Permitida, mas não recomendada como método universal. Usar somente quando:
- Houver barreiras importantes.
- Não for possível a coleta por profissional.
- For única forma de aumentar cobertura.
Mulheres <25 anos
- NÃO rastrear, mesmo com início precoce da vida sexual.
- Se exame for feito inadvertidamente, desconsiderar resultado e orientar.
Conclusão
A adoção do teste molecular de DNA-HPV por PCR como rastreamento primário representa uma revolução na prevenção do câncer cervical no Brasil. Baseado em robustas evidências internacionais e nacionais, ele confere maior sensibilidade, melhor estratificação de risco e impacto comprovado na redução de mortalidade.
Para estudantes de medicina e residentes de ginecologia, compreender essa transição é fundamental, pois representa o novo paradigma de prevenção secundária no SUS. O conhecimento adequado das indicações, exceções, limites e fluxos de conduta garante atendimento seguro, resolutivo e alinhado às recomendações do Ministério da Saúde.
Referência
Instituto Nacional de Câncer (INCA). Aprovada Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer de Colo do Útero. 18 ago. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/noticias/2025/aprovada-diretrizes-brasileiras-para-o-rastreamento-do-cancer-de-colo-do-utero