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Qual o melhor antidepressivo para o tratamento de transtorno depressivo maior? | Colunistas

Qual o melhor antidepressivo para o tratamento de transtorno depressivo maior? | Colunistas

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O transtorno depressivo maior (TDM) é dos transtornos mentais mais prevalentes na prática médica, sendo uma causa importante de incapacidade, prestes a se tornar a segunda maior causa de incapacidade do mundo. Sua prevalência ao longo da vida varia de 2% a 21%, sendo superior na Europa e inferior na Ásia. No Brasil, em 12 meses, a prevalência é de cerca de 10%.  É ligado ao sexo feminino, divórcio e separação, desemprego, tabagismo, obesidade e presença de doenças crônicas (Gutiérrez-Rojas, 2020).

A etiopatogenia permanece obscura, sendo o TDM atribuído à interação de vários fatores biológicos e psicossociais. Atualmente, entre várias hipóteses biológicas, tem-se: 1) hiperresposta inflamatória pela qual se postula que uma resposta inflamatória seja a causa de redução de monoaminas e aumento da produção de catabólitos de triptofano; 2) hiperatividade do eixo hipotalâmico causando níveis anormais de glicocorticóides; 3) crescimento neurotrófico reduzido, o que é corroborado por redução de um fator neurotrófico; 4) baixos níveis de vitamina D, que possui função neuroprotetora ao reduzir níveis de cálcio no cérebro (Verduijn et al, 2015).  

Os elementos supramencionados tornam a escolha do antidepressivo um grande desafio da prática médica, somam-se a isso, os vários medicamentos disponíveis, as respostas heterogêneas, os diversos efeitos colaterais que precisam ser manejados, o preço bastante variável dos medicamentos e a baixa tolerabilidade a muito deles. Essa revisão explora a literatura para auxiliar na melhor escolha de antidepressivos. 

Eficácia em adultos

Em 2018, Cipriani et al (2018) realizaram uma metanálise com 21 antidepressivos utilizados no tratamento agudo do TDM em pacientes com mais de 18 anos. No estudo, foram incluídos 522 estudos clínicos randomizados envolvendo 116.477 participantes.

Todos os medicamentos analisados foram superiores ao placebo. A amitripitilina (OR 2,13), mirtazapina (OR 1,89), duloxetina (OR 1,85), venlafaxina (OR 1,78) e paroxetina (OR 1,75) apresentaram os melhores resultados. Foram menos eficazes a clomipramina (OR 1,49), desvenlafaxina (OR 1,49) e a reboxetine (OR 1,37). Entre esses medicamentos, esses dois estratos estiveram medicamentos comuns na prática clínica, como escitalopram, sertralina, bupropiona, fluoxetina, citalopram e trazodona, nessa ordem (Cipriani et al, 2018).

Quando houve comparação entre os antidepressivos, os melhores resultados foram obtidos com agomelatina, amitriptilina, escitalopram, mirtazapina, paroxetina, venlafaxina e vortioxeina. Os priores resultados foram obtidos com fluoxetina, fluvoxamina, reboxetina e trazodona (Cipriani et al, 2018).

Em relação ao tratamento em longo prazo, há protocolos de metanálises registados, mas nenhum trabalho ainda foi publicado. 

Eficácia em crianças e adolescentes

A metanálise conduzida por Zhou et al (2020) avaliou 71 estudos clínicos randomizados, com 9510 pacientes, com idade igual ou inferior a 18 anos, com diagnóstico de transtorno depressivo, incluindo o TDM, a distimia e outros não classificados.

Apenas fluoxetina e fluoxetina em combinação com terapia cognitivo-comportamental foram mais eficazes do que o placebo. A nortriptilina apresentou os piores resultados. O estudo também demonstrou que a venlafaxina aumenta significativamente o comportamento e a ideação suicida entre jovens. Contudo, como coloca os próprios autores, a metanálise deve ser interpretada com cuidado, visto que os estudos apresentam desenhos diferentes, a qualidade das comparações foi baixa e várias escalas diferentes de avaliação depressiva foram adotadas (Zhou et al, 2020).

Cabe ressaltar que uma metanálise anterior já havia chegado ao resultado de que muito provavelmente somente a fluoxetina seja capaz de reduzir sintomas depressivos em crianças, podendo ser uma reflexão de mecanismos diferentes do TDM na faixa etária (Cipriani et al, 2009).

Aceitabilidade

A aceitabilidade é também fundamental na avaliação de medicamentos. Nada adianta um tratamento de alta eficácia que não será adotado pelo paciente. A agomelatina, citalopram, escitalopram, fluoxetina e sertralina possuem a maior aceitabilidade. Por outro lado, amitriptilina, clomipramina, duloxetina, trazodona e venlafaxina possuem altas taxas de abandono (Cipriani et al, 2018).

A fluoxetina também é bem tolerada em crianças, sendo superior a duloxetina, sertralina, desipramina e imipramina, sendo essa menos tolerável do que o placebo (Cipriani et al, 2009; Zhou et al, 2020).

Dosagem indicada

Há muitas controvérsias em relação a dosagem indicada para o tratamento de TDM. Nos Estados Unidos, cerca de 16% dos pacientes utilizam doses inferiores às aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration), sendo a dose mais comuns em pacientes que utilizam tricíclicos (Luo et al, 2020). Contudo, há diversos estudos que trazem como faixa ideal, que equilibra eficácia, tolerabilidade e aceitabilidade das medicações, valores inferiores aos aprovadas pelas agências de controle (Furukawa et al, 2019).

A tabela 1 retrata as dosagens indicadas para o tratamento de TDM e os principais efeitos colaterais.

Tabela 1 – Antidepressivos no uso de TDM

AntidepressivoDosagem diária (mg)Efeitos colaterais comum
Inibidor seletivo da recaptação de serotonina Fluoxetina Paroxetina Sertralina Citalopram Excitalopram  20-80 20-60 50-200 20-40 10-20Disfunção sexual, insônia, ansiedade, desconforto gastrointestinal, alteração do peso.
Antidepressivos tricíclicos Amitriptilina Imipramina Clomipramina Nortriptilina  50-200 75-300 75-300 25-150Disfunção sexual, efeitos anticolinérgicos, hipotensão ortostática, desconforto intestinal leve, ganho de peso, sonolência.
Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina Venlafaxina Desvenlafaxina Duloxetina    75-300 50-200 20-60Leves efeitos anticolinérgicos, sonolência, desconforto gastrintestinal, condução anormal.
Antidepressivos atípicos Bupropiona Mirtazapina Trazodona  150-450 15-45 150-300Desconforto gastrointestinal leve, convulsões acima da dosagem recomendada (somente bupropiona), Sonolência (mirtazapina e trazodona), ganho de peso (mirtazapina e trazodona).
Adaptado de: Gautam S, Jain A, Gautam M, Vahia VN, Grover S. Clinical Practice Guidelines for the management of Depression. Indian J Psychiatry. 2017 Jan;59(Suppl 1):S34-S50.

Custo das principais medicações

O custo do tratamento é outro fator muito importante a ser considerado na prescrição, visto que também pode implicar na adesão. Na tabela 2 é apresentado o custo mínimo e máximo para as principais medicações, tendo como base, a dosagem na qual houve maior número de medicações encontradas, ainda que abaixo da dosagem mínima indicada. 

Tabela 2 – Variação de custo no tratamento com antidepressivos, considerando dosagem com maior disponibilidade

AntidepressivoVariação de custo (R$) *
Fluoxetina 20 mg+5,56-100,66
Paroxetina 20 mg8,94-131,31
Sertralina 50 mg8,99-82,99
Citalopram 20 mg8,99-192,58
Excitalopram 10 mg22,74-244,11
Amitripitilina 25 mg+14,20-42,56
Venlafaxina 75 mg25,15-147,32
Duloxetina 30 mg28,97-118,02
Bupropiona 150 mg27,17-142,82
Trazodona 150 mg28,89-52,20
* Os custos foram avaliados através do site https://consultaremedios.com.br/, no dia 4 de abril de 2021, não sendo considerados gastos com frete, nem o número máximo de comprimidos por caixa, somente o mínimo de 28 comprimidos; + Medicamento disponível no SUS; 1Dosagem inferior à mínima recomendada ao tratamento.

Conclusão

A escolha do antidepressivo é um fenômeno complexo e que vai depender de vários fatores associados ao médico ou ao paciente. O conhecimento dos vários fatores é essencial a todos os médicos, visto a grande prevalência da TDM na prática médica. Neste artigo, discorremos sobre a eficácia, aceitabilidade, efeitos colaterais e custos.

Para o paciente adulto, em termos de eficácia e custo, a amitriptilina é uma boa indicação. Também são bons os resultados de medicamentos como escitalopram e venlafaxina. Enquanto que para crianças e adolescentes, a fluoxetina é o tratamento preferencial.

Autor: Josué da Silva Brito

Instagram: @descomplica.josu


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Cipriani A, Furukawa TA, Salanti G, Chaimani A, Atkinson LZ, Ogawa Y, et al. Comparative efficacy and acceptability of 21 antidepressant drugs for the acute treatment of adults with major depressive disorder: a systematic review and network meta-analysis. Lancet. 2018 Apr 7;391(10128):1357-1366. doi: 10.1016/S0140-6736(17)32802-7.

Cipriani A, Furukawa TA, Salanti G, Geddes JR, Higgins JP, Churchill R, et al. Comparative efficacy and acceptability of 12 new-generation antidepressants: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet. 2009 Feb 28;373(9665):746-58. doi: 10.1016/S0140-6736(09)60046-5.

Furukawa TA, Cipriani A, Cowen PJ, Leucht S, Egger M, Salanti G. Optimal dose of selective serotonin reuptake inhibitors, venlafaxine, and mirtazapine in major depression: a systematic review and dose-response meta-analysis. Lancet Psychiatry. 2019 Jul;6(7):601-609. doi: 10.1016/S2215-0366(19)30217-2.

Gutiérrez-Rojas L, Porras-Segovia A, Dunne H, Andrade-González N, Cervilla Jorge A. Prevalence and correlates of major depressive disorder: a systematic review. Braz. J. Psychiatry. 2020 Dec; 42(6): 657-672.

Luo Y, Kataoka Y, Ostinelli EG, Cipriani A, Furukawa TA. National Prescription Patterns of Antidepressants in the Treatment of Adults With Major Depression in the US Between 1996 and 2015: A Population Representative Survey Based Analysis. Front Psychiatry. 2020 Feb 14; 11:35. doi: 10.3389/fpsyt.2020.00035.

Verduijn J, Milaneschi Y, Schoevers RA, van Hemert AM, Beekman AT, Penninx BW. Pathophysiology of major depressive disorder: mechanisms involved in etiology are not associated with clinical progression. Transl Psychiatry. 2015 Sep 29;5(9): e649. doi: 10.1038/tp.2015.137.

Zhou X, Teng T, Zhang Y, Del Giovane C, Furukawa TA, Weisz JR, et al. Comparative efficacy and acceptability of antidepressants, psychotherapies, and their combination for acute treatment of children and adolescents with depressive disorder: a systematic review and network meta-analysis. Lancet Psychiatry. 2020 Jul;7(7):581-601. doi: 10.1016/S2215-0366(20)30137-1.