A poliúria surge quando o paciente elimina mais de 3 litros de urina por dia, e esse achado exige investigação estruturada, pois resulta de múltiplos mecanismos fisiopatológicos. Para conduzir adequadamente o caso, o médico precisa entender como o rim regula a excreção de solutos e água, já que a etiologia costuma se dividir em diurese osmótica e diurese hídrica.
A partir dessa divisão, a avaliação clínica se torna mais objetiva e evita armadilhas diagnósticas que podem comprometer o manejo.
Conceitos fundamentais
Primeiro, o médico deve diferenciar poliúria de polaquiúria, já que muitos pacientes confundem micções frequentes com aumento real do volume urinário. A poliúria envolve aumento do volume, enquanto a polaquiúria envolve apenas aumento da frequência, geralmente com pouca urina.
Além disso, a investigação progride com base na osmolalidade urinária e plasmática, porque isso indica se o rim está perdendo água livre ou excretando soluto em excesso. Assim, já no início, o médico consegue direcionar o raciocínio para mecanismos específicos.
Causas de poliúria
A avaliação costuma começar pelas causas mais prevalentes, pois frequentemente elas explicam grande parte dos casos. No entanto, quando essas causas não se confirmam, torna-se necessário investigar entidades menos comuns, porém clinicamente relevantes.
Diurese osmótica
Nesse mecanismo, o paciente excreta grande quantidade de solutos que arrastam água por osmose. Entre os principais cenários clínicos estão:
- Diabetes mellitus mal controlado: níveis elevados de glicose ultrapassam o limiar renal e provocam diurese osmótica
- Uso de drogas osmóticas: SGLT2i, manitol, contrastes e outras substâncias aumentam a carga osmótica tubular
- Solução salina ou carga proteica excessiva: alguns contextos clínicos e dietéticos aumentam a carga osmolar total.
Embora a apresentação seja variada, a característica central consiste em osmolalidade urinária elevada e débitos osmolares acima de 1.000 mOsm/dia. Portanto, essas pistas laboratoriais ajudam a evitar confusão com as síndromes poliúria-polidipsia.
Diurese hídrica (síndromes poliúria–polidipsia)
Quando o paciente excreta grande volume de urina diluída, o quadro se desloca para o espectro das síndromes de diurese hídrica. Nesse grupo, surgem três diagnósticos principais:
- Diabetes insípido central (DI central) – deficiência de vasopressina
- Diabetes insípido nefrogênico (DI nefrogênico) – resistência renal à ação da vasopressina
- Polidipsia primária / dipsogenic – ingestão excessiva de água sem estímulo fisiológico.
Essas condições exigem investigação detalhada, já que o tratamento varia radicalmente. Por exemplo, enquanto o DI central responde bem à desmopressina, a polidipsia primária pode evoluir para hiponatremia grave caso o médico prescreva o hormônio indevidamente.
Avaliação clínica inicial da poliúria
A investigação sempre começa com três pilares:
- Confirmação do volume urinário : solicitar urina de 24h é indispensável
- História clínica detalhada : incluir uso de fármacos, doenças metabólicas, comorbidades renais, história neurocirúrgica e hábitos de ingestão de água
- Exames básicos: glicemia, eletrólitos, osmolalidade sérica, osmolalidade urinária.
A partir dessas informações, o médico decide se segue para a investigação de diurese osmótica ou para o diagnóstico diferencial das síndromes poliúria-polidipsia.
Diagnóstico diferencial estruturado
Depois de excluir causas óbvias de diurese osmótica, o médico deve diferenciar DI central, DI nefrogênico e polidipsia primária. Para isso, alguns métodos se destacam:
Teste de restrição hídrica
Durante a restrição, o paciente deve concentrar progressivamente a urina. Assim:
- Se a osmolalidade urinária aumenta, o quadro provavelmente representa polidipsia primária.
- Se a urina não concentra, o caso provavelmente envolve algum tipo de DI.
Após esse período, o médico administra desmopressina:
- Melhora significativa: DI central
- Sem melhora: DI nefrogênico.
Contudo, embora útil, o teste apresenta limitações importantes. Ele demanda tempo, causa desconforto, oferece risco de hipernatremia e perde acurácia em formas parciais de DI. Por isso, métodos mais novos ganharam relevância.
Copeptina
A dosagem de copeptina, sobretudo após estímulo osmótico, melhora a precisão diagnóstica. A copeptina reflete de forma estável a secreção endógena de ADH, e, portanto, diferencia DI central, DI nefrogênico e polidipsia primária com maior confiabilidade.
Hospitais que já incorporaram esse exame relatam maior agilidade diagnóstica e redução da necessidade de testes longos de privação hídrica.
Exames complementares
Dependendo do contexto, o médico deve incluir:
- Imagem de hipófise em suspeita de DI central
- Avaliação renal completa em possível DI nefrogênico
- Revisão psiquiátrica em polidipsia psicogênica
- Análise de uso de drogas como lítio, diuréticos ou agentes nefrotóxicos.
Integração diagnóstica: principais cenários clínicos
O quadro a seguir resume como cada condição se comporta:
| Condição | Osmolalidade urinária | Osmolalidade sérica | Resposta à desmopressina |
|---|---|---|---|
| Diurese osmótica | Alta | Normal ou alta | Sem relevância |
| DI central | Baixa | Alta ou normal | Melhora |
| DI nefrogênico | Baixa | Alta ou normal | Sem resposta |
| Polidipsia primária | Baixa, mas aumenta com restrição | Normal ou baixa | Concentração precoce |
Esse resumo orienta decisões rápidas no consultório, especialmente quando o médico precisa reduzir hipóteses antes de realizar testes formais.
Implicações clínicas e terapêuticas
O tratamento depende integralmente da etiologia. Portanto, o diagnóstico correto evita complicações:
- Em DI central, o uso de desmopressina reduz a poliúria, a sede e estabiliza a natremia
- Em DI nefrogênico, o manejo foca em corrigir causas secundárias (como lítio), otimizar a dieta e, em alguns casos, usar diuréticos tiazídicos e anti-inflamatórios
- Em polidipsia primária, o manejo exige reeducação hídrica e, quando necessário, avaliação psiquiátrica
- Na diurese osmótica, o médico deve atuar sobre a causa: controle glicêmico, revisão medicamentosa, ajuste de solutos e correção metabólica.
Além disso, como os distúrbios de água e sódio costumam oscilar rapidamente, a monitorização deve ocorrer de forma seriada, especialmente se o paciente estiver hospitalizado.
Desafios no diagnóstico
Apesar de existir um caminho lógico, alguns obstáculos dificultam a avaliação:
- A privação hídrica pode ser desconfortável e insegura
- A copeptina não está amplamente disponível em todos os centros
- A sobreposição entre polidipsia primária e DI parcial gera confusão diagnóstica
- O uso crescente de medicações osmóticas, como SGLT2i, cria cenários mistos
- Nefropatias crônicas podem modificar a capacidade de concentração urinária, mascarando resultados.
Assim, o médico deve interpretar os achados com cautela e considerar o contexto completo do paciente.
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Referências bibliográficas
- BICHET, D. G. Evaluation of patients with polyuria. UpToDate, 2025. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-patients-with-polyuria. Acesso em: 30 nov. 2025.
