Plantão médico: postar ou não postar, eis a questão | Colunistas

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Possivelmente, se William Shakespeare tivesse
escrito a célebre tragédia de “Hamlet” no século XXI, o dilema existencialista
do príncipe que dá nome à peça apresentaria as mesmas duas vertentes dos
indivíduos na atualidade: a do “ser” (que é a versão do mundo real) e a do “não
ser” (a variante da esfera digital, ou seja, a versão “editada e com filtro”).
Nesse contexto do plano virtual, a dúvida que emerge quanto ao compartilhamento
de conteúdo nas redes socias é: qual o limite entre o que você, como médico, pode
ou não postar em relação ao exercício da sua profissão?

Você
sabe quais conteúdos o médico pode postar?

Primeiramente, é preciso destacar que a discussão
em curso diz respeito às postagens de conteúdo estritamente profissional, ou
seja, compartilhamento externos a esse âmbito (como os ligados à vida pessoal)
não estão sob análise. Essa ressalva é pertinente, uma vez que um estudo
publicado no periódico Journal of Vascular Surgery citava como potencialmente
não profissional a conduta de jovens cirurgiões de postar fotos com “vestuário
inadequado”, o que acarretou o questionamento sobre sexismo, materializado pelo
movimento da #MedBikini. Em adição, também é oportuno informar que os autores
do artigo publicaram uma retração para esclarecer o episódio.

Todavia, quanto ao ato de postar conteúdo
profissional, existem regras que norteiam a conduta médica. Nesse sentido, de
acordo com a Resolução Normativa nº 1.974/2011 do Conselho Federal de Medicina, não se
permite ao médico a publicação nas mídias sociais de selfies, imagens e/ou
áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal.
Essa regra é semelhante à que veda essas mesmas atitudes em anúncios, publicidade e propagandas. Entretanto, é importante frisar que você, no exercício da profissão médica, está autorizado a usar qualquer meio de
divulgação (inclusive as redes sociais) para prestar
informações ao público sobre assuntos médicos com fins estritamente educativos.

E quanto às famosas fotos de “antes e depois”? Acerca dessa
polêmica, a Resolução Normativa
n°2.126/2015 do Conselho Federal de Medicina modificou a Resolução Normativa nº 1.974/2011 e determinou que os Conselhos
Regionais de Medicina devem investigar publicações reiteradas e/ou
sistemáticas, feitas por pacientes ou terceiros, de imagens mostrando o
“antes e depois” de procedimentos nas mídias sociais, tais como Facebook,
Twiter, blogs, Instagram, YouTube, Whatsapp, aplicativos e similares. Portanto,
você não pode postar selfies ou outras fotos com o objetivo de autopromoção (como
para o fim de angariar clientela), tampouco pacientes e terceiros podem fazer a
divulgação midiática repetidas vezes do resultado de procedimentos, visto que
tal conduta pode ser interpretada como um recurso de publicidade indevida, sob
pena de ferir o artigo 13 da Resolução de 2015.

O que
diz a ética médica sobre o ato de postar?

            A palavra ética vem do grego
“ethos”, que significa “modo de ser” ou “costume”, e foi definida por
Aristóteles há mais de 300 anos antes de Cristo, na obra “Ética a Nicômaco”, como
o conjunto de ações orientadas para o bem-estar social. Dentro dessa
perspectiva , é válido lembrar que os comportamentos, assim como os valores de
uma sociedade, são dinâmicos e modificam-se com o tempo. Por conseguinte, a
ética médica também deve acompanhar as transformações sociais (MONTE, 2009).

Em relação às mudanças advindas com as novas
Tecnologias da Informação e da Comunicação, é difícil traçar balizas entre o
real e o virtual, tendo em vista que é praticamente impossível ficar de fora da
esfera digital no que tange às vidas pessoal e profissional. Nesse cenário, o
atual Código de Ética Médica (Resolução Normativa n° 2217/2019) determinou os
limites para o uso de redes sociais por você, médico (no exercício da profissão),
bem como normatizou que a utilização dessas mídias será regulamentada por meio
de resoluções específicas.

Nesse enquadramento, saiba que todo os médicos
devem observar os critérios previstos no atual Código de Ética Médica e nas
resoluções que tratam da publicidade e propagandas médicas. Assim, em caso de
haver decisões judiciais de caráter liminar que autorizem postagens de imagens
de pacientes ao estilo “antes e depois”, dentre outras condutas vedadas em
redes socias, tais decisões não têm caráter extensivo aos demais profissionais,
sendo aplicadas somente nos casos concretos sob análise da justiça. Logo, lembre-se
de seguir as orientações previstas no Código de Ética Médica quanto ao
compartilhamento de conteúdo de cunho profissional.

Além disso, o próprio Conselho Federal de Medicina alerta que não se trata de censura ou cerceamento da atividade médica, mas sim do estabelecimento de parâmetros para uma atuação profissional ética, evitando-se, dessa forma, os possíveis abusos advindos da promessa de resultados (conforme pode ocorrer quando são exibidas fotos de “antes e depois”), na exposição desnecessária de atos médicos e na quebra do sigilo no tratamento de pacientes – um dos pilares da prática da Medicina. Em suma, o bom senso e a ética sempre deverão sobrepor-se ao ímpeto cotidiano de compartilhar a vida real na esfera digital, inclusive no que diz respeito ao exercício da sua profissão de médico e à necessidade de promover seu trabalho em redes sociais. Por fim, se a peça “Hamlet” tivesse sido escrita no contexto atual, o monólogo de abertura provavelmente seria “Postar ou não postar, eis a questão”.

Luciana Ferreira Xavier

Graduanda em Medicina (Universidade
Federal do Ceará)

Instagram: @lucianafx.med

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