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Novos tratamentos para anemia associada à doença renal crônica

Novos tratamentos para anemia associada à doença renal crônica

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Imagem de perfil de Luiza Riccio

A medicina vem estudando há anos possibilidades terapêuticas de tratamentos para anemia associada à doença renal crônica. Neste cenário, a a descoberta da eritropoetina (EPO) e o uso dos agentes estimuladores da eritropoiese (AEE) injetáveis tiveram grande impacto sobre a prática clínica.

Vários ensaios clínicos randomizados (RCT, do inglês randomized clinical trials) foram realizados. Para comparar os diferentes AEE entre eles e com placebo.

Os RCT testaram várias hipóteses sobre os riscos e benefícios do aumento da meta dos valores de hemoglobina com o tratamento.

Como resultados, os estudos mostraram a diminuição da necessidade de transfusões e a melhora na qualidade de vida dos pacientes. Porém estes benefícios foram acompanhados de riscos. Entre eles:

  • Aumento do risco de trombose da fístula arteriovenosa,
  • Acidente vascular cerebral,
  • Mortalidade associada a câncer.

No entanto, pelos estudos, não fica claro se essas complicações são decorrentes do aumento da concentração de hemoglobina, do uso dos AEE ou da sua aplicação em populações com comorbidades associadas.

Tratamentos para anemia convencional e as novas opções

Antes de falar sobre tratamentos, é importante ressaltar a ligação entre doença renal e anemia. O rim tem um papel fundamental na eritropoiese e, consequentemente, na manutenção de níveis séricos adequados de hemoglobina. Por isso, os pacientes com doença renal crônica (DRC) também apresentam um quadro de anemia.

As atuais recomendações para o tratamento da anemia em pacientes com DRC incluem uma meta de hemoglobina entre 10 e 11mg/dL, reposição de ferro e uso de AEE injetáveis.

Porém, diante dos potenciais riscos associados ao uso dos AEE, uma nova classe de medicamentos surge como possibilidade terapêutica para estes pacientes. Os inibidores da HIF-PH (hypoxia-inducible factor prolyl hydroxylase), como o Roxadustat.

Estas drogas são de uso oral, o que aumenta o conforto e a adesão dos pacientes ao tratamento. Além disso, algumas já foram aprovadas pelas agências reguladoras em alguns países.

Veja também:

Estudos sobre os novos tratamentos para anemia associada à doença renal crônica

O uso de um inibidor da HIF-PH (o vadadustat) para tratamento da anemia associada à DRC foi tema de dois artigos. Cada um deles mostrando os resultados de dois RCT e do Editorial no New England Journal of Medicine (NEJM), publicados recentemente.

Estes RCT foram estudos de não-inferioridade, comparando o uso do vadadustat com a darbepoetina alfa, um AEE amplamente utilizado. Um dos artigos (Eckardt et al., 2021) avaliou as medicações em pacientes dialíticos e o outro (Chertow et al., 2021) em pacientes não-dialíticos.

Os artigos publicados no NEMJ foram desenhados para avaliar a eficácia e a segurança do vadadustat. Ou seja, o aumento da concentração de hemoglobina, com uma margem de não-inferioridade de -0,75g/dL. E também a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos maiores com uma margem de não-inferioridade de 1,25. Essas ocorrências incluem óbito, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral.

Observação

Os estudos de não-inferioridade são realizados para avaliar se uma nova droga apresenta um nível mínimo de eficácia, similar à terapia já existente para determinada doença.

A partir de resultados que comprovam que a nova droga não é inferior ao tratamento tradicional, passa a ser necessário avaliar:

  • Se ela traz benefícios adicionais,
  • Menor risco de eventos adversos
  • Menor custo
  • Maior conveniência para os pacientes ou
  • Maior adesão ao tratamento.

Uso do vadadustat em pacientes com DRC dialíticos

O estudo de Eckardt et al. avaliou 3923 pacientes com anemia e portadores de DRC dialítica. Randomizados para receber vadadustat ou darbepoetina alfa.

Foram avaliados dois grupos de pacientes com DRC dialítica:

  1. Pacientes que iniciaram diálise até 16 semanas antes da inclusão no estudo, com pouca exposição aos AEE. O objetivo terapêutico era a correção e manutenção dos níveis de hemoglobina (denominados incident);
  2. Pacientes submetidos à diálise de manutenção há pelo menos 12 semanas, que já faziam uso de AEE. O objetivo terapêutico era apenas a manutenção dos níveis de hemoglobina (denominados prevalent).

Os pacientes foram acompanhados, em média, por 1,2 anos no grupo prevalent e 1,7 anos no grupo incident.

A análise agrupada mostrou que um primeiro MACE ocorreu em 355 pacientes (18,2%) do grupo vadadustat e em 377 pacientes (19,3%) do grupo darbepoetina alfa (razão de risco 0,96, IC 95%, 0,83 a 1,11).

A incidência de eventos adversos graves no grupo incident foi de 49,7% para o vadadustat. 56,5% para a darbepoetina alfa. E no grupo prevalent, 55% para o vadadustat e 28,3% para a darbapoetina alfa.

A média da diferença de concentração de hemoglobina entre o tratamento com vadadustat e com darbapoetina alfa foi,

Para o grupo incidente:

  • -0,31g/dL (IC 95%, -0,53 a -0,10) nas semanas 24 a 36
  • -0,07g/dL (IC 95%, -0,34 a -0,19) nas semanas 40 a 52

Para o grupo prevalent:

  • -0,17g/dL (IC 95%, -0,23 a -0,10)
  • -0,18g/dL (IC 95%, -0,25 a -0,12), respectivamente.

Diante disso, Eckardt et al. concluíram que para pacientes com anemia e DRC dialítica, o vadadustat não foi inferior à darbepoetina alfa. Isso com relação à segurança cardiovascular e à correção e manutenção da concentração de hemoglobina.

Uso do vadadustat em pacientes com DRC não-dialíticos

O estudo de Chertow et al. avaliou 3476 pacientes com anemia e DRC não-dialíticos. 1739 receberam vadadustat e 1732 darbepoetina alfa. Foram incluídos pacientes sem tratamento prévio com AEE e hemoglobina inferior a 10g/dL e paciente previamente tratados com AEE e hemoglobina entre 8 e 11g/dL (Estados Unidos) e entre 9 e 12g/dL (demais países).

A análise agrupada mostrou uma razão de risco para MACE de 1,17 (IC 95%, 1,01 a 1,39), que não alcançou a margem de não-inferioridade de 1,25, previamente estabelecida.

A média da diferença de concentração de hemoglobina entre os grupos nas semanas 24 a 36 foi de 0,05g/dL (IC 95%, -0,04 a 0,15) nos pacientes sem tratamento prévio com AEE. E de -0,01g/dL (IC 95%, -0,09 a 0,07) nos pacientes previamente tratados. Estes resultados atingiram a meta estabelecida de -0,75g/dL para a não-inferioridade.

Com base nisso, Chertow et al. concluíram que o vadadustat, comparado à darbepoetina alfa, atingiu os critérios de não-inferioridade para a eficácia em relação à concentração de hemoglobina. Porém não atingiu os critérios para a segurança cardiovascular em pacientes com DRC não-dialítica.

Conclusões sobre o uso de novos tratamentos para anemia

Os estudos apontam que são eficazes, mas não atestam a segurança. A descoberta dos inibidores HIF-PH trouxe novas perspectivas para o tratamento da anemia associada à DRC. No entanto, como para qualquer novo tratamento, a avaliação dos benefícios e dos riscos associados é fundamental.

Estamos diante de drogas que comprovadamente aumentam os níveis de hemoglobina. Mas seus benefícios sobre desfechos de grande importância para os pacientes ainda são incertos.

Os atuais alvos terapêuticos levam em consideração os eventos adversos associados ao uso de AEE em populações de alto risco. Assim, ainda não é possível saber se estes mesmos alvos poderiam ser utilizados para os inibidores HIF-PH.

Os resultados apresentados pelos RCT mostram que o vadadustat é eficaz em aumentar a concentração de hemoglobina em pacientes dialíticos e não dialíticos. No entanto, ainda não temos evidências suficientes sobre a segurança deste tratamento, principalmente em pacientes não-dialíticos.

Os estudos trazem questionamentos sobre os objetivos, riscos e benefícios do tratamento da anemia associada à DRC. O que deve motivar a realização de novas pesquisas, desenhadas especificamente para responder a essas questões.

Fonte: Dra Luiza Riccio é professora Sanar, com graduação em Medicina na EBMSP. Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no HC-FMUSP e Doutorado em andamento na FMUSP. Participou de Colaboração Científica no INSERM/Université Paris-Descartes, França, e é revisora em periódicos científicos.

Sugestões de leitura

Referência:

RCT em pacientes dialíticos:

Eckardt et al. Safety and Efficacy of Vadadustat for Anemia in Patients Undergoing Dialysis. N Engl J Med. 2021 Apr 29;384(17):1601-1612. doi: 10.1056/NEJMoa2025956. PMID: 33913638.
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2025956

RCT em pacientes não-dialíticos

Chertow et al. Vadadustat in Patients with Anemia and Non-Dialysis-Dependent CKD. N Engl J Med. 2021 Apr 29;384(17):1589-1600. doi: 10.1056/NEJMoa2035938. PMID: 33913637.
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2035938

Editorial New England Journal of Medicine

Levin A. Therapy for Anemia in Chronic Kidney Disease – New Interventions and New Questions. N Engl J Med. 2021 Apr 29;384(17):1657-1658. doi: 10.1056/NEJMe2103937. PMID: 33913643.
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe2103937