Embriologia do nervo troclear
Os doze pares de nervos cranianos se formam durante a quinta e a sexta semanas gestacionais e são subdivididos em três grupos com base nas suas origens embriológicas: nervos cranianos eferentes somáticos, nervos dos arcos faríngeos e nervos sensoriais especiais.
O nervo troclear (NC IV) integra, com os nervos abducente (NC VI), hipoglosso (NC XII) e a maior parte do oculomotor (NC III), o grupo dos nervos cranianos eferentes somáticos. Esses nervos são originados a partir de células localizadas na coluna eferente somática do tronco cerebral, derivada das placas basais, e os seus axônios se direcionam aos músculos derivados dos miótomos da cabeça.
Por sua vez, as células da coluna eferente somática são organizadas em regiões, sendo que as responsáveis pela formação do nervo troclear estão situadas na região posterior do mesencéfalo. Ao término do desenvolvimento, essas fibras nervosas ficam dispostas em decussação antes de sair do tronco cerebral e, assim, torna-se possível que cada NC IV inerve o músculo oblíquo superior (SOM) contralateral.

Anatomia e fisiologia do nervo troclear
Aspectos gerais
Dos doze pares de nervos cranianos, o nervo troclear é o menor, apesar de seguir o maior percurso intracraniano, o mais fino, e o único cujas fibras se originam na face dorsal do cérebro e totalmente do núcleo contralateral. O núcleo do nervo troclear está ao nível do colículo inferior na parte ventromedial da medula cinzenta, caudal e continuamente com o núcleo do trigêmeo.



O nervo troclear segue medialmente ao nervo frontal, cruza os músculos levantador da pálpebra superior e reto superior e se bifurca em anterior e posterior, inervando exclusivamente o SOM, o qual opera em modelo de polia, deprimindo, entortando e abduzindo o olho. Contudo, outras apresentações também são possíveis, dentre as quais podemos citar: dois ramos anteriores e posteriores; três ramos; e ausência de ramos. A ramificação intramuscular mais distal costuma ter cerca de 3% do comprimento do SOM. Além disso, normalmente, não há sobreposição intramuscular das duas ramificações do nervo.

Quanto às suas fibras, dividem-se em: aferentes, responsáveis por enviar estímulos do núcleo troclear para a contração do SOM, e eferentes, responsáveis por enviar impulsos proprioceptivos do SOM para o núcleo mesencefálico do nervo trigêmeo (NC V). O curso das fibras é dividido em quatro trechos: fascicular, pré-cavernoso, intracavernoso e intraorbital.
Em seu trecho fascicular, os axônios deixam o núcleo, curvam-se posteriormente em torno do aqueduto cerebral e decussam no véu medular anterior. No pré-cavernoso, as fibras deixam dorsalmente o tronco encefálico, curvam-se ao seu redor e seguem para a frente sob a borda livre do tentório, então, perfuram a dura-máter no canto posterior do teto do seio cavernoso para adentrá-lo. Uma vez dentro do seio cavernoso, trecho intracavernoso, caminham para a frente na parede lateral do seio (abaixo de NC III e acima de NC V1), sobem anteriormente, cruzam NC III, passam através da fissura orbital superior, acima e lateralmente ao anel de Zinn, adentrando a órbita. Então, no último trecho, intraorbital, o nervo segue lateralmente aos nervos frontal e lacrimal e inferiormente à veia oftálmica até dividir-se em forma de leque, normalmente de dois a quatro ramos, inervando o SOM, na superfície orbital da borda lateral.



O nervo troclear no movimento dos olhos
Nosso globo ocular se movimenta dentro da órbita ocular, devido à ação de seis músculos extraoculares: reto superior, reto inferior, reto lateral, reto medial, oblíquo superior e oblíquo inferior. Assim, temos movimentos de adução, abdução, elevação, depressão, torção externa e interna. Esses músculos são inervados por três pares de nervos, sendo o par troclear responsável pela inervação dos SOMs, como já citado anteriormente. O nervo troclear recebe esse nome, pois uma polia óssea que orienta o eixo de movimentação do SOM chama-se tróclea.

Lesão do nervo troclear
Por ser o nervo craniano de menor diâmetro e também o de maior percurso, o nervo troclear pode ser facilmente lesionado, mais frequentemente, em procedimentos cirúrgicos e traumas, e, mais raramente, por conta de doença vascular, de diabetes, de compressão por tumor ou de maneira idiopática. A lesão desse nervo leva à paresia do SOM e, consequentemente, ao comprometimento dos movimentos oculares vertical e de torção. Dessa maneira, ao olhar para frente (olhar primário), o olho afetado fica elevado, enquanto o olho não afetado continua sobre o eixo normal (Figura 10A).
Essa diferença de alinhamento aumenta quando o paciente olha para a direita, uma vez que o olho é aduzido pelo músculo enfraquecido (Figura 10B, à esquerda), e diminui quando olha para a esquerda, abduzindo o olho (Figura 10B, à direita), uma vez que tal ação não é coordenada primordialmente pelo SOM. Ao tentar abaixar e aduzir o olho, movimento totalmente correspondente à ação do SOM, o déficit fica ainda mais explícito, melhorando quando o indivíduo eleva o olho aduzido (Figura C).
Comumente, os pacientes com paresia do SOM mantêm a cabeça inclinada na direção oposta ao olho afetado, pois isso diminui a diplopia, uma repercussão bastante característica dessa clínica em que a visão fica duplicada, em decorrência da imagem dos objetos não cair mais sobre a retina. A diminuição da diplopia ocorre porque ao inclinar a cabeça para um lado, apontando a orelha para baixo, há uma leve torção do olho na direção oposta, uma contrarrotação ocular, de modo a relaxar o SOM.
Ao inclinar a cabeça para a esquerda, o olho esquerdo sofre torção interna por ação dos músculos reto superior esquerdo e oblíquo superior esquerdo. Simultaneamente, o olho direito sofre torção externa por ação dos músculos reto superior direito e oblíquo inferior direito. A elevação proporcionada pelo músculo reto superior é neutralizada pelo abaixamento proporcionado pelo músculo oblíquo superior, por isso, o olho apenas gira. Já ao inclinar a cabeça para a direita, o olho esquerdo sofre torção externa por ação dos músculos oblíquo inferior e reto inferior, e o músculo oblíquo superior relaxa.
Portanto, a paresia do músculo oblíquo superior esquerdo impede a oposição/neutralização do músculo reto superior ao inclinar a cabeça para a esquerda e, consequentemente, o olho movimenta-se para cima. (Figura D, à direita). Com isso, a diplopia tende a ser minimizada pela inclinação da cabeça para a direita (Figura D, à esquerda).
Assim, deve-se realizar, durante o exame físico, o teste de inclinação da cabeça de Bielschowsky, no qual detecta-se que ao inclinar a cabeça ipsilateralmente à lesão, a elevação é máxima e ao inclinar a cabeça contralateralmente à lesão, abolida. Clinicamente, não se pode distinguir a lesão do núcleo do nervo troclear da lesão do nervo propriamente dito, visto que a manifestação clínica é a mesma em ambos os casos. Contudo, com o auxílio principalmente de exames de imagens, é possível verificar precisamente a localização da lesão.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
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Referências
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