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Nefrolitíase: uma pedra no caminho!

Nefrolitíase: uma pedra no caminho!

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Nefrolitíase é uma das doenças mais comuns do trato urinário, apresentando altas taxas de incidência, prevalência e recorrência. Pode ser definida como concreções de cristais que se formam no trato urinário e causam sintomas apenas quando o tamanho atinge o suficiente para serem vistas nos exames de imagem.

A litíase renal apresenta importante causa de morbidade nos Estados Unidos, tornando-se problema também na Europa Ocidental, Japão e outros países desenvolvidos. Nestes países mais desenvolvidos, a nefrolitíase ocorre mais em adultos, nas vias urinárias superiores e na forma de cálculos de cálcio.

Já nos países em desenvolvimento, acomete mais crianças, manifestando-se inicialmente na forma de cálculos vesicais compostos de ácido úrico. Essa diferença relaciona-se, principalmente, às mudanças dietéticas.

Os cálculos renais acometem mais os homens do que as mulheres, sendo duas ou três vezes mais comuns nos homens. Além disso tem o pico de incidência entre os 20-50 anos.

Fatores de risco da nefrolitíase

  • Hábitos alimentares: baixa ingestão de água, excesso de sal, dieta rica em proteínas;
  • Doenças renais (anatômicas e funcionais): rins policísticos, rins em ferradura, acidose tubular renal, hiperparatireoidismo primário;
  • Antecedentes familiares: parente de primeiro grau com litíase;
  • Medicamentos: Indinavir, sulfadiazina, triantereno, vitamina D e análogos, vitamina C, salicilatos;
  • Cirurgias/doenças intestinais: síndrome do intestino curto e doença de Crohn;
  • Doenças sistêmicas: hipertensão arterial e gota;
  • Infecção do trato urinário: bactérias produtoras de urease (Proteus, Klebsiella, entre outras).

Por que os cálculos se formam?

A formação dos cálculos inicia-se com a supersaturação urinária contendo componentes insolúveis. Isso ocorre devido ao baixo volume de urina, excreção excessiva ou insuficiente de certos compostos ou fatores adversos que diminuem a solubilidade, como a redução do pH urinário.

A maioria dos cálculos é formada de oxalato de cálcio, associando-se, geralmente à hipercalciúria e/ou hiperoxalúria.

A hipercalciúria ocorre em casos de dieta muito rica em sódio, uso de diuréticos de alça, acidose tubular renal distal, sarcoidose, síndrome de Cushing, excesso de aldosterona ou distúrbios associados a hipercalcemia. Já a hiperoxalúria é observada em síndromes de má absorção intestinal, com secreção intestinal reduzida de oxalato ou ligação de cálcio intestinal pelos ácidos graxos existentes no lúmen intestinal, com absorção aumentada de oxalato livre e hiperoxalúria.

Além dessas causas, os cálculos de oxalato de cálcio podem se formar devido à deficiência de citrato urinário (inibidor da formação de cálculos – o citrato é excretado insuficientemente na acidose metabólica) e hiperuricosúria.

Cálculos de fosfato de cálcio aparecem menos frequentemente e acontecem em contexto de pH urinário anormalmente alto, entre 7 e 8, geralmente associada à acidose tubular renal distal.

Obs: Além do citrato, existem outros inibidores da precipitação dos solutos, como o magnésio e macromoléculas (proteína de Tamm-Horsfall, nefrocalcina) que também são importantes para evitar a formação dos cálculos.

Os cálculos de estruvita desenvolvem-se no sistema coletor quando há infecção por microrganismos produtores de urease (Proteus, Klebsiella, Serratia, Pseudomonas, Ureaplasma e Citrobacter). Isso resulta na formação de íons amônio e pH urinário alcalino, facilitando a combinação de fosfato com amônia, magnésio e cálcio, que se precipitam e formam o cálculo.

Esse tipo de cálculo é o mais comum na formação dos cálculos coraliformes, que são extensos, se ramificam e se moldam aos contornos do sistema coletor. Os principais fatores de risco para formação de cálculos de estruvita são ITU prévia, nefrolitíase prévia, cateteres urinários e bexiga neurogênica.

Cálculos de ácido úrico formam-se quando a urina está com excesso de ácido úrico, apresentando pH urinário ácido (entre 5 e 5,4). Geralmente os pacientes apresentam-se com síndrome metabólica e resistência à insulina, e com gota de aparência clínica.

Cálculos de cistina são decorrentes de um defeito hereditário raro no transporte renal e intestinal de aminoácidos dibásicos, a excreção excessiva de cistina. A cistina é um composto insolúvel que leva à litíase renal, esses cálculos se formam mais frequentemente em urina de pH ácido.

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Vídeo-aula: Nefrolitíase

Quais os sinais e sintomas da litíase renal?

A apresentação clínica mais característica é a cólica renal, que surge subitamente e torna-se insuportável em pouco tempo, podendo causar náuseas e vômitos. Normalmente ocorre uma dor lombar em cólica que pode ter irradiação, que depende da localização do cálculo.

Irradiação para testículo (ou grandes lábios, no casos de mulheres) ipsilateral indica que o cálculo está alojado na porção distal do ureter. Dor irradiada anteriormente indica cálculo na porção superior do ureter.

No momento em que o cálculo atinge a junção ureterovesical, ocorrem  polaciúria e disúria e a dor desaparece no momento em que o cálculo penetra na bexiga urinária. Alguns outros sinais e sintomas ainda podem ser vistos, como hematúria macro e microscópica, náuseas e vômitos.

Ao exame físico, o paciente pode encontrar-se com fácies de dor, pálido, taquicárdico e, às vezes, hipertenso. A febre pode acompanhar os casos de litíase renal associada a infecção urinária.

Como diagnosticar a nefrolitíase?

O diagnóstico começa a partir de uma boa anamnese e exame físico. A manifestação da cólica renal e o trajeto da dor são muito sugestivos da Nefrolitíase.

Para fechar o diagnóstico, são realizados exames de imagens. Os exames de imagem confirmam o diagnóstico de litíase renal, indicam a posição, o tamanho do cálculo e evidenciam complicações, como a hidronefrose, por exemplo. A partir da Radiografia, vê-se alguns  cálculos e o aspecto radiográfico pode determinar o tipo de cálculo.

Cálculos de fosfato de cálcio e de oxalato de cálcio são radiodensos, a estruvita (fosfato de magnésio e amônio) podem ser vistos quando formam complexos com carbono ou fosfato de cálcio; cálculos de cistina não são bem visualizados e os cálculos de ácido úrico são radiotransparentes.

O exame padrão-ouro é a Tomografia Computadorizada (TC), porém quando indisponível, a ultrassonografia é uma boa alternativa

Outros métodos de análise também podem ser realizados, como urografia intravenosa – muito útil para definir grau e extensão da obstrução, porém é contraindicado nos pacientes com insuficiência renal, devido ao contraste – e pielografia retrógrada – permite a visualização do trato urinário sem necessitar de contraste.

Como tratar o paciente com nefrolítiase?

O tratamento da fase aguda inclui atenção para:

Cólica nefrética: pode-se fazer analgesia, administrar anti-inflamatórios não esteroidais, bloqueadores alfa-1-adrenérgicos para relaxar a musculatura lisa ureteral.

Os cálculos menores do que 10 mm possuem chances de serem eliminados espontaneamente, sem necessitar de intervenção, portanto a conduta nesses casos é analgesia e hidratação. Os cálculos de ácido úrico podem ser dissolvidos com terapia clínica.

Intervenção urológica

Em casos de cálculos maiores de 10mm ou com suspeita de infecção e/ou obstrução urinária associadas, é necessária avaliação urológica para descompressão imediata das vias urinária

Litotripsia com ondas de choque extracorpórea (LOCE)

É mais indicada quando existe cálculo de ácido úrico ou estruvita na junção ureteropélvica – cateter é introduzido até  ureter, deslocando o cálculo e então as ondas são aplicadas, essa intervenção é contraindicada em caso de gravidez, aneurisma aórtico ou de artéria renal, hipertensão severa, uso de marca-passo e cálculos coraliformes.

Cistoureteroscopia

Ureteroscopia rígida é usado para retirar cálculos no ureter distal, semi-rígida para retirar cálculos no ureter médio e flexível para retirar cálculos no ureter proximal e na pelve renal.

Nefrolitotomia percutânea

Indicadas para cálculos maiores do que 2 cm, coraliformes, localizados no polo renal inferior e refratários à LOCE, é guiada por ultrassom e um nefroscópio é introduzido com fórceps e instrumentação para litotripsia intracorpórea.

Nefrolitotomia aberta

Realizada em pacientes refratários aos métodos não invasivos ou em casos de cálculos de difícil acesso ou muito extensos.

O tratamento da nefrolitíase complicada, ou seja, aquela associada com infecção renal (pielonefrite) ou que causa obstrução ureteral total bilateral ou unilateral em caso de rim único à a primeira intervenção é a da retirada dos cálculos, evitando perda irreversível do parênquima renal e, após isso, trata-se a complicação do quadro.

Principais diagnósticos diferenciais

  • Pielonefrite aguda
  • Carcinoma de células renais
  • Colecistite aguda
  • Obstrução intestinal
  • Diverticulite
  • Apendicite
  • Isquemia intestinal
  • Gravidez ectópica rota
  • Ruptura de cisto de ovário

Referências bibliográficas

  1. Longo, DL et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 19th ed. New York: McGraw-Hill, 2015.
  2. Goldman, L.; Schafer, AI. Goldman’s Cecil Medicine. 25th ed. Philadelphia: ElsevierSaunders, 2016.
  3. MARTINS, M. A.; CARRILHO, F. J.; ALVES, V. A. F.; CASTILHO, E. A.; CERRI, G. GClínica Médica, volume 3: doenças hematológicas, oncologia e doenças renais ed. Barueri, Sp: Manole Ltda, 2016.

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