A naltrexona é um antagonista opióide puro, apresentado como princípio ativo de medicamentos como Revia® e Uninaltrex®. Recomenda-se esse medicamento para o tratamento do alcoolismo, da dependência de substâncias opióides, como morfina e heroína, e também para casos de intoxicação por essas substâncias.
Para tanto, objetiva-se com seu uso a realização do bloqueio de áreas do cérebro que relacionam-se à sensação de prazer associada ao consumo de bebidas alcoólicas, contribuindo assim para a diminuição do desejo de beber.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) libera seu uso nos seguintes casos:
- Tratamento do alcoolismo;
- Antagonista do tratamento da dependência de opióides administrados exogenamente.
Portanto, se o medicamento for utilizado fora dessas indicações, caracteriza-se como uso não autorizado pela agência. Dessa forma, a responsabilidade pelas consequências clínicas do medicamento para tratamentos não aprovados e não registrados fica a carga do médico.
Farmacologia da Naltrexona
A naltrexona é um antagonista competitivo dos receptores de opioides endógenos, em especial do receptor µ. Portanto, é uma droga capaz de reduzir a fissura e a euforia que os usuários sentem ao utilizar substâncias como álcool e opioides.
Além disso, aplica-se seu uso off-label para vários distúrbios de controle de impulso, como jogo e outros abusos de substâncias.
Farmacodinâmica
A naltrexona tem duas possíveis ações no organismo:
- Uma de antagonista, realizada principalmente pelo seu metabólito ativo.
- E uma de agonista parcial de receptores opioides, o que significa que sua ligação causa efeitos opioides de baixa intensidade. Essa ação de agonista parcial explica a capacidade da naltrexona em causar efeitos de abstinência de opioides em usuários desses narcóticos.
Seu tempo de efeito no organismo varia de 48 a 72h, bloqueando os efeitos de agonistas dos receptores opioides µ como morfina e heroína.
Além de reduzir os efeitos de euforia do álcool, nicotina e anfetaminas, a naltrexona também é capaz de interferir com o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e aumentar os níveis de endorfinas, cortisol e hormônio luteinizante.
Farmacocinética
Absorve-se rapidamente a naltrexona quando administrada por via oral. Porém, essa droga apresenta extenso metabolismo de primeira passagem.
Por conta do efeito de primeira passagem, apenas 60% da droga torna-se disponível no organismo, sendo que 20% da droga é carreada por proteínas do plasma.
Além disso, a naltrexona não é metabolizada pelo citocromo p450, sendo considerada uma droga com baixa interação com outras drogas.
Essa droga tem grande facilidade em atravessar a barreira hematoencefálica. Todavia, seu metabólito ativo (6ß-naltrexol) tem baixa taxa de travessia da barreira hematoencefálica sendo, portanto, considerado uma droga de preferências periféricas.
Após a administração intravenosa, o volume aparente de distribuição da naltrexona é de 1350 L, e sua ligação às proteínas plasmáticas é de 21%.
Ademais, quando administrada por via oral, a meia-vida da naltrexona é de 4 horas, enquanto, quando aplicada por injeção intramuscular (IM), a meia-vida varia entre 5 a 10 dias. Excreta-se a substância principalmente pelos rins, tanto como metabolito quanto na forma inalterada.
Química da Naltrexona
A naltrexona é um derivado da oximorfona com uma substituição terciária amina-metil.
História da naltrexona
A naltrexona foi sintetizada pela primeira vez em 1963 e patenteada em 1967. Teve como características principais a possibilidade de ser administrada por via oral e a atividade antagonista de opioides longa e potente.
Essas características, associadas ao fato de a naltrexona não causar disforias quando administrada, culminaram no início da prescrição desse composto para usuários de opioides em 1974. Após 21 anos, essa droga foi aprovada para uso no tratamento de etilistas.
Usos da Naltrexona
A naltrexona caracteriza-se por ser uma droga com boa efetividade e tolerância que pode ser usada no tratamento de pacientes adictos em opioides e álcool.
Todavia, os estudos sobre a aplicação de naltrexona no etilismo não são unânimes. Existem estudos que atestam que essa droga pode ser positiva no tratamento de pacientes etilistas, assim como existem estudos que negam essa aplicabilidade.
Além disso, existem linhas de estudo que procuram aplicar a naltrexona em outras desordens como vício em jogos, cleptomania e tricotilomania, devido à similaridade da circuitaria cerebral dessas desordens. Todavia, essas aplicações ainda estão em discussão na comunidade científica e não há evidência definitiva sobre a aplicação da naltrexona em outras desordens além do uso abusivo de álcool e opioides.
Esquema de administração da naltrexona
Recomenda-se o uso de 50mg como dose inicial de naltrexona, administrada uma vez por dia, podendo ser aumentada para 100 mg diários após uma semana, dependendo da resposta e tolerabilidade do paciente.
Os usuários devem estar em abstinência de opióides (incluindo tramadol) por pelo menos 7 dias antes de iniciar o tratamento com naltrexona.
Ademais, para aqueles que utilizam opióides de ação prolongada, como metadona e oxicodona, estende-se esse período de abstinência por até 14 dias.
Por fim, caso seja necessário o uso de opióides durante o tratamento com naltrexona (por exemplo, em uma cirurgia eletiva), recomenda-se interromper o medicamento pelo menos 3 dias antes do procedimento.
Tempo de tratamento
O tempo mínimo indicado para o tratamento com naltrexona é de 12 semanas.
Ademais, interrompe-se o tratamento se ocorrer pelo menos um dos seguintes critérios:
- Uso de opioides para analgesia;
- Aumento das enzimas hepáticas em mais de 3 a 5 vezes o valor de referência;
- Sinais e sintomas indicativos de hepatite;
- Reações de hipersensibilidade à naltrexona;
- Sintomas de abstinência de opióides provocados pelo uso de naltrexona – Essa síndrome pode ocorrer em pacientes com histórico de dependência ou transtorno por uso de opióides, com sintomas graves como dor abdominal, confusão, alteração do nível de consciência, sudorese, diarreia, tontura, irritabilidade, náuseas, dor e taquicardia. Esses sintomas podem durar de 48 a 72 horas.
Caso o tratamento seja interrompido, deve-se reavaliar o paciente clínica e laboratorialmente, reintegrando o mesmo a programas de intervenção psicossociais e farmacológicas.
Monitorização
Antes de iniciar o tratamento com naltrexona, realiza-se um exame físico detalhado e uma investigação sobre comorbidades clínicas e psiquiátricas. Além disso, é fundamental avaliar o uso de medicamentos e substâncias psicotrópicas para identificar possíveis interações.
Também recomenda-se realizar o seguintes exames complementares: enzimas hepáticas (incluindo GGT), bilirrubinas, lipidograma, triglicerídeos, ácido úrico, hemograma, lipase, vitamina B12, glicemia de jejum, TSH e teste de gravidez.
Efeitos da naltrexona
As vias de liberação de opioides endógenos são implicadas na origem dos comportamentos de procura dos fatores de vício, sejam eles substâncias como álcool e opioides ou comportamentos (apostas, roubo, etc.). Estudos de neuroimagem demonstram uma disfunção mesocorticolímbica que é dividida pelas várias formas de vício já estudadas.
A impulsividade vista em quadros de vícios, quaisquer que sejam, associam-se com falhas nos sistemas opioides endógenos. Portanto, o uso da naltrexona, que é um antagonista opioide, pode relacionar-se com melhora dos quadros de vícios. Como é uma droga sem potencial de adição, é ideal para o tratamento de pacientes que têm uma tendência aumentada a serem dependentes químicos.
Por outro lado, não utiliza-se essa droga na vigência de opioides ou álcool, visto que ela pode causar síndrome de abstinência em pacientes que fazem uso de naltrexona concomitantemente com outros narcóticos ou depressores. Por isso, indica-se a abstinência de 7 a 10 dias do uso de opioides antes do início do tratamento.
Reações adversas
Entre as reações adversas mais comuns que associam-se ao uso de naltrexona estão:
- Dificuldade para dormir.
- Ansiedade e nervosismo.
- Dor ou cãimbra abdominal.
- Náusea e/ou vômito.
- Adnamia.
- Artralgia e mialgia.
- Cefaleia.
Além disso, reações menos comuns incluem perda de apetite, diarreia ou constipação, aumento da sede, aumento da energia, depressão, irritabilidade, tontura, exantema cutâneo, ejaculação retardada e calafrios.
Por fim, reações incomuns incluem sintomas respiratórios, como congestão e prurido nasais, rinorreia, espirros, garganta inflamada, excesso de muco ou catarro, rouquidão, tosse e outros.
Interações medicamentosas da naltrexona
Recomenda-se evitar o uso de naltrexona junto com medicações como paracetamol, corticoide, antifúngicos, ciclosporina em doses altas e plantas medicinais. Justifica-se essa recomendação pela possibilidade de interação entre essas drogas, especialmente aquelas que acometem o funcionamento do fígado.
Contraindicações da naltrexona
O uso da naltrexona é contraindicado nas seguintes situações:
- Uso de opioides a menos de 7 dias.
- Dependência de opioides.
- Uso de medicação que contenha substâncias analgésicas opioides.
- Presença de problemas hepáticos, como hepatite aguda ou deficiência hepática.
- Vigência de uma crise aguda de abstinência de opioides.
- Alergia à naltrexona ou a qulquer componente da fórmula.
- Falha de teste com naloxona ou obtenção de teste de opióides com urina positiva.
Situações especiais
Na gravidez, só utiliza-se a naltrexona quando os benefícios superarem os riscos, visto que ainda não existem estudos conclusivos em mulheres grávidas. Com relação ao parto, por sua vez, ainda não se sabe sobre a influência da naltrexona na duração do mesmo.
Do mesmo modo, no que se refere a amamentação, ainda não se sabe sobre a excreção da naltrexona no leite humano. Portanto, em mulheres que amamentam, também só utiliza-se a naltrexona quando os benefícios justificarem os riscos.
Resumo
A naltrexona é um antagonista opioide não metabolizado pelo citocromo p450, que foi criado e testado para o tratamento de abuso de opioides. Inicia-se o seu uso apenas na suspensão dos opioides.
Autor(a) : Annelise Oliveira – @anniemnese
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: Material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
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Referências
- ABOUJAOUDE, E.; SALAME, W. O. Naltrexona: um tratamento para toda a dependência?. 2016.
- SINGH, D. ; SAADABADI, A. Naltrexona. 2023.
- ALÍCIA, T. MALTA, G. Ficha técnica: Insulmo Farmacologicamente Ativo (IFA) – Naltrexona.
- BRASIL. Nota Técnica N° 100 Nota Técnica N° 100/2012 (atualizada em 23/11/2015) (atualizada em 23/11/2015) (atualizada em 23/11/2015). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/conjur/demandas-judiciais/notas-tecnicas/notas-tecnicas-medicamentos/notas-tecnicas/n/naltrexona-atualizada-em-23-11-2015.pdf. Acesso em: 26 dez 2024.
- GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Uso da naltrexona no tratamento da dependência de álcool. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/documents/37101/0/Uso+da+naltrexona+no+tratamento+da+depend%C3%AAncia+de+%C3%A1lcool+%281%29.pdf/04c9289a-031c-4f54-bdaf-4b24862db6d4?t=1718991049426. Acesso em: 26 dez 2024.




