Hemograma: tudo o que você precisa saber para sua prática clínica!
O hemograma é um dos exames laboratoriais mais solicitados na prática médica. Isso porque ele oferece uma visão ampla do estado hematológico do paciente, permitindo a avaliação das três principais linhagens celulares do sangue: hemácias, leucócitos e plaquetas. Embora o exame completo seja o mais comum, também é possível solicitar suas divisões: eritrograma, leucograma ou plaquetograma isoladamente, conforme a hipótese clínica.
O que é considerado normal no hemograma?
Antes de interpretarmos os dados do exame, é fundamental compreender o conceito de valores de referência. Em geral, os intervalos considerados normais são aqueles encontrados em 95% da população saudável. Portanto, é esperado que 5% dos indivíduos saudáveis apresentem resultados discretamente fora da faixa, sem necessariamente indicar qualquer patologia.
Além disso, pequenos desvios — para cima ou para baixo — devem ser sempre avaliados dentro do contexto clínico. Isso porque fatores como idade, sexo, altitude da residência, tabagismo e uso de medicamentos podem interferir nos resultados.
Eritrograma: como avaliar as hemácias
O eritrograma é o primeiro componente do hemograma. Portanto, ele avalia os eritrócitos (hemácias), células responsáveis pelo transporte de oxigênio, por meio da hemoglobina. Assim, sua análise é fundamental na investigação de anemias e policitemias.
Hemoglobina, hematócrito e contagem de hemácias
Esses três parâmetros devem ser sempre interpretados em conjunto:
- Hemoglobina (Hb): avalia a capacidade de transporte de oxigênio. Sua dosagem é o parâmetro mais sensível para a detecção de anemias
- Hematócrito (Ht): representa a fração do volume total de sangue ocupado pelas hemácias. Valores normais giram em torno de 40-50%
- Contagem de hemácias: número absoluto de eritrócitos por microlitro de sangue.
A anemia é definida pela redução simultânea de três parâmetros laboratoriais: contagem de hemácias, concentração de hemoglobina e hematócrito. Assim, essa diminuição indica um comprometimento na capacidade do sangue de transportar oxigênio adequadamente, o que pode causar sintomas como fadiga, palidez, dispneia aos esforços e taquicardia. Portanto, diversas causas podem levar à anemia, incluindo deficiências nutricionais, sangramentos crônicos, doenças crônicas ou alterações na medula óssea.
Por outro lado, quando esses três parâmetros — hemoglobina, hematócrito e número de hemácias — se encontram acima dos valores de referência, temos um quadro de policitemia. Essa condição pode ser primária, como na policitemia vera (uma neoplasia mieloproliferativa), ou secundária, resultante de hipóxia crônica, tabagismo, doenças pulmonares ou uso de eritropoetina.
Enquanto a anemia compromete o aporte de oxigênio aos tecidos, a policitemia torna o sangue mais viscoso, aumentando o risco de trombose e outras complicações vasculares. Ambos os quadros exigem investigação clínica criteriosa.
VCM, HCM e CHCM
Esses índices fornecem informações sobre o tamanho e o conteúdo de hemoglobina das hemácias:
- VCM (volume corpuscular médio): indica o tamanho médio das hemácias
- VCM elevado → macrocitose
- VCM reduzido → microcitose
- HCM (hemoglobina corpuscular média): representa o conteúdo absoluto de hemoglobina por hemácia
- CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média): reflete a concentração de hemoglobina nas células.
- Células com pouco pigmento → hipocromia
- Células com excesso de pigmento → hipercrômicas
Com essas informações, é possível classificar as anemias como:
- Anemia microcítica e hipocrômica: comum na deficiência de ferro
- Anemia macrocítica: frequentemente associada à deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico
- Anemia normocítica e normocrômica: presente em doenças crônicas ou aplasia medular.
Além disso, destaca-se que o alcoolismo crônico pode cursar com VCM elevado mesmo na ausência de anemia.
RDW (Red Cell Distribution Width)
O RDW mede a variação no tamanho das hemácias (anisocitose). Dessa forma, quando elevado, sugere produção desigual das células vermelhas, sendo típico em anemias ferroprivas em fase de tratamento ou início de deficiência.
Leucograma: interpretação dos leucócitos
O leucograma corresponde à avaliação quantitativa e qualitativa dos glóbulos brancos (leucócitos). Ele ajuda a identificar infecções, processos inflamatórios e doenças hematológicas, como leucemias.
Hemograma: leucócitos totais
A contagem total normal varia entre 4.000 e 11.000 células/mm³. Alterações podem ser classificadas como:
- Leucocitose: aumento do número total, geralmente associada a infecções bacterianas ou leucemias.
- Leucopenia: redução da contagem, comum em viroses, uso de imunossupressores ou infiltração medular.
No entanto, é fundamental analisar quais linhagens celulares foram responsáveis pela alteração.
Neutrófilos
Representam de 45% a 75% dos leucócitos. São os principais combatentes de bactérias.
- Neutrofilia: sugere infecção bacteriana.
- Neutropenia: pode ocorrer por supressão medular, quimioterapia ou infecções virais graves.
Dessa forma, durante infecções agudas, observa-se frequentemente aumento de bastonetes, que são formas jovens dos neutrófilos, liberadas precocemente pela medula.
Hemograma: linfócitos
Compreendem de 15% a 45% dos leucócitos. São fundamentais na resposta imune viral e produção de anticorpos.
- Linfocitose: comum em viroses.
- Linfopenia: observada em estados de imunossupressão, como HIV.
Hemograma: monócitos
Representam de 3% a 10% dos leucócitos. Quando ativados, transformam-se em macrófagos, com papel fundamental na fagocitose.
- Seu aumento, ou monocitose, é frequente em infecções crônicas como tuberculose e brucelose.
Eosinófilos
Essas células respondem por 1% a 5% dos leucócitos. Participam da resposta contra parasitas e de reações alérgicas.
- Eosinofilia: associada a parasitoses intestinais e doenças alérgicas como asma.
- Eosinopenia: de menor relevância clínica, mas pode estar presente em infecções agudas.
Hemograma: basófilos
Compreendem menos de 2% dos leucócitos. Estão relacionados a processos alérgicos e doenças mieloproliferativas.
- Basofilia: pode ser observada em leucemia mieloide crônica ou doenças alérgicas severas.
Plaquetograma: avaliação das plaquetas
As plaquetas são fragmentos de megacariócitos, responsáveis pela hemostasia primária. Sua contagem normal varia entre 150.000 e 450.000/mm³.
- Trombocitopenia: valores abaixo de 150.000/mm³. Abaixo de 10.000/mm³ há risco de sangramento espontâneo e hemorragias graves.
- Trombocitose: acima de 450.000/mm³. Pode ser reativa (após infecções) ou associada a doenças mieloproliferativas.
A dosagem de plaquetas é essencial antes de cirurgias, assim como na investigação de púrpuras, sangramentos inexplicados e manchas roxas na pele.
Bicitopenia e pancitopenia: quando mais de uma linhagem está alterada
Bicitopenia e pancitopenia são termos utilizados para descrever alterações que afetam múltiplas linhagens celulares do sangue. A bicitopenia refere-se à redução simultânea de duas das três linhagens hematológicas — por exemplo, quando um paciente apresenta anemia associada à leucopenia.
Já a pancitopenia é caracterizada pela diminuição conjunta de todas as três linhagens: hemácias, leucócitos e plaquetas. Essas alterações podem indicar distúrbios importantes da medula óssea ou processos sistêmicos que comprometem a produção ou a sobrevida das células sanguíneas.
Esses achados exigem investigação aprofundada, uma vez que podem indicar doenças graves da medula óssea, como:
Principais causas
- Infiltração medular: leucemias, linfomas, metástases e infecções como tuberculose
- Aplasia medular: anemia aplástica, causas autoimunes, uso de fármacos ou exposição a toxinas
- Destruição periférica: púrpura trombocitopênica trombótica, coagulação intravascular disseminada (CIVD), esplenomegalia.
Abaixo, veja os valores de referência para cada tópico do hemograma:

Conheça o SanarFlix
Quer entender melhor as causas e condutas diante de uma pancitopenia? No SanarFlix, você encontra aulas completas com raciocínio clínico, revisão de fisiopatologia e discussões de casos que caem nas provas e aparecem na prática médica. Comece a estudar com quem entende do seu momento!

Referências bibliográficas
- Koogan, 2016. Renato Failace; Flavo Fernandes. Hemograma: manual de interpretação. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
- NAOUM, P. C.; NAOUM, F. L. Interpretação laboratorial do hemograma. AC&T Científica. p.01-11, 2013.
- LORENZI, F. T. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
Autor(a) : Sofia Cisneiros – @sofiacisneiros
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.
Veja também um vídeo com dicas de interpretação de hemograma: