Infecções congênitas são aquelas transmitidas da mãe para o feto durante a gestação (transmissão vertical), ou seja, infecções que ocorrem via intrauterina ou transplacentária.
Todavia, vale lembrar que nem sempre o feto será acometido pelas infecções maternas, visto que existem vários fatores capazes de influenciar o contágio, como estado imunitário materno, defesa placentária e idade gestacional da aquisição da infecção pela mãe.
Ademais, as infecções congênitas representam uma causa importante de mortalidade fetal e neonatal, além de contribuírem significativamente para a morbidade infantil, tanto nos períodos precoces quanto tardios. Recém-nascidos afetados podem apresentar alterações no crescimento, anomalias no desenvolvimento ou uma série de alterações clínicas e laboratoriais.
Epidemiologia das infeções congênitas
Globalmente, cerca de 6% dos nascidos vivos recebem diagnóstico de doenças congênitas, sendo que o número de mortes se aproxima de 295 mil nas primeiras quatro semanas de vida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além disso, sabe-se que no Brasil as anomalias congênitas correspondem a segunda principal causa de morte em menores de 5 anos, porém deve-se levar em conta a carência de estudos brasileiros sobre o assunto, o que acaba por menosprezar a realidade dos dados.
As doenças congênitas ocorrem devido a fatores genéticos – síndrome de Down – ou por fatores ambientais, como o consumo excessivo de álcool – síndrome alcoólica fetal –, cigarro e algumas infecções virais, por exemplo.
Ademais, outro ponto relevante, é que os resultados das enfermidades transmitidas verticalmente de mãe para filho no período pré-natal podem ter consequências severas quando não identificadas precocemente, ou então se não forem tratadas corretamente. As possíveis complicações incluem:
- Reabsorção do embrião.
- Aborto.
- Natimorto.
- Anomalias.
- Prematuridade.
- Doença aguda aparente ao nascimento.
A mais prevalente entre a infecções virais congênitas é a infecção por citomegalovírus (CMV), podendo ser sintomática ou assintomática. Em relação aos neonatos sintomáticos, a taxa de mortalidade é de até 30%, e os dados epidemiológicos indicam que 40 a 90% dos sobreviventes apresentam disfunções neurológicas, enquanto apenas 5 a 15% dos neonatos assintomáticos evoluem com sequelas neurológicas.
Por fim, cabe dizer, também, que o perfil epidemiológico sofre influências demográficas, sociais, educacionais e econômicas. Por exemplo, o Zika vírus é responsável pelo aumento de casos de microcefalia congênita na região nordeste e o perfil sociodemográfico das mães revelou que grande parte possuía baixa renda.
Diagnóstico de infecções congênitas
O médico é capaz de realizar o diagnóstico de infecções congênitas durante o acompanhamento pré-natal ou após o nascimento, sendo que algumas alterações são identificadas logo no início da gestação, em geral nos primeiros 3 meses.
Todavia, cabe ressaltar que tanto a mãe quanto o feto apresentam a possibilidade de infecção assintomática. Portanto, há chances do desenvolvimento de sequelas tardias.
Ademais, a identificação das infecções congênitas depende também de teste e exames complementares para a mãe e/ou bebê.
Principais infecções congênitas
A sigla TORCH é amplamente conhecida na área de medicina neonatal e perinatal e inclui as seguintes infecções:
- Toxoplasmose.
- Outros (sífilis, vírus Zika, vírus varicela-zoster).
- Rubéola.
- Citomegalovírus (CMV).
- Vírus do herpes simplex (HSV)
Por fim, outras causas de infecção intrauterina incluem enterovírus, parvovírus B19 e vírus da coriomeningite linfocítica.
Toxoplasmose congênita
A toxoplasmose congênita é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii e a infecção durante a gestação pode levar ao desenvolvimento da doença no feto.
A maioria dos recém-nascidos afetados não apresenta sintomas aparentes ao nascer. No entanto, em alguns casos, os sinais iniciais podem incluir febre, exantema maculopapular, hepatoesplenomegalia, microcefalia, convulsões, icterícia, trombocitopenia e linfadenopatia generalizada.
Por outro lado, recém-nascidos assintomáticos ao nascer que não recebem tratamento apresentam maior risco de complicações a longo prazo, como coriorretinite, deficiência intelectual, perda auditiva neurossensorial, convulsões ou paralisia cerebral.
A tríade clássica associada à toxoplasmose congênita inclui:
- Coriorretinite.
- Hidrocefalia.
- Calcificações intracranianas.
O diagnóstico de toxoplasmose congênita, por sua vez, pode ser complexo, visto que há uma certa dificuldade em distinguir a infecção aguda da crônica. Segundo o Ministério da Saúde (2018), a identificação dessa infecção depende principalmente de métodos indiretos, como sorologia para detecção de igG, igM e igA. No entanto, também são utilizados métodos diretos, como as técnicas moleculares de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR).
O quadro abaixo mostra a importância dos testes para verificar a época em que a gestante foi infectada pelo protozoário.
Portanto, se houverem anticorpos igG no primeiro trimestre de gestação, pode-se concluir que a contaminação ocorreu antes do início da gravidez, há pelo menos 4 meses e isso significa que o risco de transmissão para o feto é quase nulo. Já em casos em que existe viragem sorológica positiva para igM e igA, pressupõe-se que a infecção é recente, algo entre 5 e 14 dias, mais ou menos. Isso significa que a gestante ainda não apresenta anticorpos prontos capazes de atravessar a barreira transplacentária. Desse modo, o feto não está protegido.

Sífilis congênita
A sífilis congênita é uma condição que ocorre quando uma espiroqueta Treponema pallidum é transmitida de uma gestante infectada para o feto.
Entre as principais complicações da sífilis congênita estão: natimorto, hidropisia fetal, prematuridade ou morbidades de longo prazo. Por esse motivo, é dada grande importância à realização do rastreamento rotineiro para sífilis em todas as mulheres grávidas.
Ainda assim, muitos casos ocorrem devido à ausência de cuidados pré-natais, falta de tratamento com penicilina ou tratamento inadequado antes ou durante a gestação.
A maioria dos recém-nascidos com sífilis congênita não apresenta sintomas ao nascer. No entanto, a infecção pode se manifestar no período fetal, neonatal ou em estágios mais tardios da infância. As manifestações clínicas são divididas em precoces (≤2 anos de idade) ou tardias (>2 anos de idade):
- Precoces – Prematuridade, baixo peso ao nascer, manifestações sistêmicas (febre, hepatomegalia, linfadenopatia generalizada), manifestações cutâneas (rinite sifilítica, erupção cutânea, condiloma lata, icterícia), manifestações hematológicas (anemia, trombocitopenia, leucopenia/leucocitose), entre outras manifestações.
- Tardias – Coriorretinite, glaucoma secundário, perda auditiva neurossensorial, deficiência intelectual, hidrocefalia, convulsões, entre outras.
Síndrome da varicela congênita
A maior parte dos casos ocorre em bebês cujas mães contraíram varicela entre a 8ª e a 20ª semana de gestação. Ademais, os achados típicos em recém-nascidos podem incluir:
- Cicatrizes cutâneas, que podem ser depressivas e pigmentadas, apresentando uma distribuição dermatomal.
- Cataratas, coriorretinite, microftalmia e nistagmo.
- Hipoplasia dos membros.
- Atrofia cortical e convulsões.
Síndrome congênita do Zika
A infecção congênita pelo vírus Zika apresenta manifestações clínicas que podem variar desde alterações leves ou assintomáticas no desenvolvimento neurológico até malformações congênitas graves, conhecida como síndrome congênita do Zika (SCZ).
Portanto, a SCZ caracteriza-se por uma combinação dos seguintes achados, embora os bebês afetados nem sempre apresentem todos eles:
- Microcefalia.
- Dismorfismos craniofaciais.
- Alterações neuromotoras, como hipertonia, hiperreflexia e irritabilidade.
- Convulsões.
- Artrogripose.
- Anormalidades oculares.
- Perda auditiva neurossensorial.
- Alterações na neuroimagem, como calcificações intracranianas e ventriculomegalia.
Rubéola congênita
A síndrome da rubéola congênita (SRC) é rara em países desenvolvidos que possuem programas de imunização bem estabelecidos contra a rubéola.
As manifestações clínicas da SRC incluem:
- Perda auditiva neurossensorial.
- Cataratas.
- Malformações cardíacas, como persistência do canal arterial e estenose pulmonar.
- Microcefalia.
- Baixo peso ao nascer.
- Alterações ósseas.
- Hepatoesplenomegalia.
- Icterícia.
- Trombocitopenia.
- Lesões cutâneas purpúricas, frequentemente descritas como de aspecto “bolinho de mirtilo”.
Citomegalovírus congênito
A infecção congênita por citomegalovírus (CMV) é a principal causa de perda auditiva neurossensorial não hereditária e pode levar a deficiências do neurodesenvolvimento graves, como paralisia cerebral, atraso psicomotor, deficiência intelectual, problemas visuais e convulsões.
No nascimento, a maioria dos bebês com infecção congênita por CMV não apresenta sintomas. No entanto, em alguns casos podem demonstrar sinais clínicos, que incluem:
- Perda auditiva neurossensorial isolada.
- Petéquias.
- Icterícia.
- Hepatoesplenomegalia.
- Trombocitopenia.
- Baixo peso ao nascer.
- Microcefalia.
- Calcificações intracranianas.
- Coriorretinite.
- Convulsões.
Vírus do herpes simples
A infecção pelo vírus do herpes simples genital (HSV) durante a gravidez representa um risco importante tanto para o feto em desenvolvimento quanto para o recém-nascido, sendo que a maioria dos casos de infecção neonatal ocorre durante o parto.
A infecção por HSV em recém-nascidos pode manifestar-se de três formas principais:
- Infecção localizada na pele, olhos e boca.
- Doença localizada no sistema nervoso central (SNC).
- Doença disseminada, afetando múltiplos órgãos.
Os sinais iniciais da doença no sistema nervoso central são muitas vezes inespecíficos e podem incluir febre, dificuldade respiratória, má alimentação, letargia, hipotensão, icterícia, coagulação intravascular disseminada, apneia e choque. Além disso, lesões cutâneas, como vesículas, podem aparecer tardiamente em alguns casos, complicando o diagnóstico.
A infecção congênita por HSV, por sua vez, é rara e associa-se a viremia materna proveniente de infecção primária por HSV durante a gravidez. Bebês com infecção congênita podem apresentar uma tríade característica de lesões (vesículas, ulcerações ou cicatrizes), danos oculares e manifestações graves no sistema nervoso central, como microcefalia ou hidranencefalia.
Prevenção de infecções congênitas
As infecções que ocorrem durante a gestação são uma grande preocupação para os profissionais de saúde, visto que a dificuldade em alcançar um diagnóstico, impede consequentemente o tratamento precoce de muitos casos, podendo piorar o prognóstico da mãe e do recém-nascido.
Sendo assim, a triagem laboratorial de doenças transmissíveis da mãe para o feto constitui um pilar fundamental para realização de um pré-natal completo e de qualidade.
Por isso, a promoção da saúde materno-infantil é indispensável, visto que os impactos epidemiológicos gerados se mostrariam positivos. Em muitas das infecções congênitas, como no caso da sífilis e toxoplasmose, as ações preventivas evitariam o aumento no número de casos – diminuição de incidência.
Sendo assim, cabe reforçar a importância da acessibilidade da mulher gestante aos serviços de saúde. Nesse sentido, as Unidades Básica de Saúde (UBS), configuram um local seguro, acessível e disponível para o cuidado da gestante e do recém-nascido, de modo a melhorar a qualidade de vida da população.
Autor(a): Keila Galindo F. dos Santos – @keila.gf
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As infecções congênitas representam um dos maiores desafios para a saúde neonatal e perinatal. Portanto, em doenças como toxoplasmose, sífilis, CMV, síndrome congênita do Zika e outras infecções congênitas, o diagnóstico precoce é fundamental para evitar sequelas graves.

Sugestão de leitura recomendada
- Resumo de Toxoplasmose Congênita | Colunistas
- Sífilis Congênita: transmissão, diagnóstico e tratamento
Referências
- BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. . Protocolo de notificação e investigação: Toxoplasmose gestacional e congênita. 2018. Elaborada por Secretária de Vigilância em Saúde. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_notificacao_investigacao_toxoplasmose_gestacional_congenita.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021.
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- PINHATA, M. M. M; YAMAMOTO, A. Y. Infecções congênitas e perinatais. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, p. 15-30. 1999. Disponível em: http://www.jped.com.br/conteudo/99-75-S15/port.pdf. Acesso em: 01 ago. 2021.
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- ROMANELLI, R. M. C. et al. Cross-sectional study of clinical and laboratorial aspects of congenital infections attended at a reference Center in Belo Horizonte, MG, 2012-2014. Revista Médica de Minas Gerais, Minas Gerais, v. 26, n. 2, p. 7-16, 2016. GN1 Genesis Network.
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