Infecção necrosante da pele: tudo o que você precisa saber para sua prática clínica!
Quando pensamos em infecções com potencial de promover necrose da pele, existem dois grupos de doenças que devemos considerar: as piodermites e as infecções necrosantes de tecidos moles.
Os processos infecciosos da pele causadas por bactérias e que podem se manifestar com necrose à medida que a infecção de agrava são chamados de piodermites.
As piodermites ocorrem a partir de uma incompetência das propriedades de proteção da pele contra patógenos. Essa incompetência pode estar relacionada a imunidade do hospedeiro, alterações de pH da pele, colonização bacteriana e outros mecanismos.
Contudo, existem também as infecções necrosantes de tecido moles, que são provocadas por organismos aeróbios e anaeróbios e provocam necrose progressiva do tecido cutâneo, afetando principalmente as extremidades e a região do períneo.
Pela gravidade e devido a necessidade de reconhecimento precoce para garantir um bom prognóstico, iremos abordar nesse artigo as principais etiologias das infecções necrosantes de tecidos moles e como devemos realizar o manejo desses quadros.
Tipos de infecções necrosantes da pele
As infecções graves causadas por bactérias e que promovem o comprometimento da pele por meio de necrose são condições complexas devido a possibilidade de gerar comprometimento sistêmico grave.
Nesse contexto, a ação bacteriana promove a liberação de toxinas produzidas e liberadas pelas próprias bactérias. Pelo estímulo contínuo, ocorre uma inflamação local que se escala para infecção e, por fim, ocorre a necrose.
A necrose, como sabemos, é um padrão de morte celular que resultada de agressões externas às células provocada por toxinas, por isquemia ou trauma.
Essas agressões danificam as mitocôndrias e formam poros de transição de permeabilidade mitocondrial na membrana externa. Esses poros fazem com que a geração do ATP mitocondrial falhe e, com isso, a célula vem a morrer.
No contexto de infecção necrosante da pele, entendemos que essas condições são potencialmente fatais por envolverem muitas estruturas como a epiderme, a derme, o tecido subcutâneo, as fáscias e os músculos, além de suas repercussões sistêmicas.
Podemos categorizar cada uma delas com base na microbiologia e a presença de Streptococcus do grupo A.
Conforme a microbiologia, podemos classificar essa infecção em dois grupos gerais que nos ajuda a entender as manifestações clínicas:
- Fasciíte necrosante
- Miosite necrosante
- Celulite necrosante
Fasciíte necrosante
Esse é o tipo de infecção que promove a destruição progressiva da fáscia muscular e da gordura subcutânea.
Pelo suprimento sanguíneo na fáscia ser relativamente fraco, a infecção tende a se espalhar. Contudo, poupa-se o tecido muscular justamente pelo suprimento sanguíneo abundante.
Nas fases iniciais, a fasciíte necrosante pode se apresentar como celulite ou erisipela. A síndrome de Fourier é também uma das formas de fasciíte necrosante.
Miosite necrosante
Essa é uma infecção que ocorre principalmente nos músculos, contudo, é muito rara. Para tanto, a fasciíte necrosante é a mais discutida.
Agentes causadores da infecção necrosante da pele
Existem dois subtipos para determinar a etiologia dessa infecção: o tipo I e o tipo II e discutiremos a seguir seus principais agentes.
Infecção necrosante polimicrobiana (Tipo I)
Causada por bactérias estreptococos do grupo A, como o Streptococcus pyogenes. Porém, é possível que haja a infecção seja provocada por entes aeróbios e anaeróbios atuando em conjunto.
As bactérias da espécie anaeróbia incluem as Bacteroides, Clostridium ou Peptostreptococcus. Os agentes da espécie Enterobacteriaceae incluem, por exemplo, a Escherichia Coli, Klebsiella e Proteus.
A infecção ocorre a partir da invasão da pele a partir de uma outra infecção já em curso, após algum trauma ou quando há uma úlcera local.
A gangrena de Fournier, a gangrena sinérgica bacteriana progressiva e a celulite necrosante são infecções do Tipo I.
Infecção necrosante monomicrobiana (Tipo II)
Comumente provocada por estreptococcus beta-hemolíticos do grupo A, sendo o Staphylococcus Aureus um dos principais patógenos.
Esse tipo de infecção tende a ter curso mais rápido em relação a sua disseminação e nas repercussões clínicas sistêmicas como choque.
Sinais e sintomas
De forma geral, o sintoma inicial das infecções necrosantes de pele é dor muito intensa e desproporcional aos achados do exame físico, na maioria dos casos, e que pode ser procedida de perda da sensibilidade.
Em pacientes com regiões denervadas por neuropatia periférica, no entanto, a dor pode não estar presente.
As manifestações clínicas incluem:
- Eritema (sem margem definida, na maior parte dos casos)
- Edema (estendido para além da região do eritema);
- Bolhas, necrose ou equimose;
- Taquicardia;
- Febre alta;
- Alteração do estado mental e nível de consciência;
- Hipotensão.
Pacientes com febre, taquicardia e sinais de choque devem ser monitorados de perto pelo potencial fatal da condição.
A progressão das lesões, quando essas estão presentes, tende a variar conforme o quadro. Contudo, é comum que mudanças da coloração da pele sejam observadas: a pele avermelhada se torna roxeada e então ganha um tom azul-acinzentado.
Contudo, é preciso se atentar para os grupos e fatores de risco que envolvem esses sinais e sintomas.
Fatores de risco para o desenvolvimento de infecção necrosante de pele
Essas infecções podem acometer pacientes que não tenham passado médico de infecções ou comorbidades, bem como qualquer faixa etária.
Os fatores de risco incluem:
- Trauma penetrante extenso
- Laceração pequena ou pequeno trauma (contusão ou torção, por exemplo)
- Lesões de pele (mordida de insetos ou orifício por uso de droga injetável)
- Cirurgia recente, incluindo procedimentos urológicos e ginecológicos
- Imunossupressão
- Obesidade
- Alcoolismo
- Em mulheres: gestação, abortamento e procedimentos ginecológicos.
Fasciíte necrosante
A infecção do tipo I ocorre geralmente em adultos ou indivíduos com comorbidades, incluindo a diabetes – que é o fator de predisposição mais importante, principalmente se associada com doenças vasculares periféricas.
Já a infecção do tipo II é mais comum em indivíduos sem comorbidades, de qualquer faixa etária.
Gangrena de Fournier
Essa é uma variante da fasciíte necrosante que ocorre na região perineal, envolvendo a bolsa escrotal e o pênis – ou seja, é uma condição que acomete mais homens. Além disso, é comum em pacientes com diabetes.
Infecção necrosante da pele: como fazer o diagnóstico?
No contexto da fasciíte necrosante, o diagnóstico é delicado porque é necessário visualizar diretamente a fáscia para obter o diagnóstico e, geralmente, o tecido sobrejacente pode ter aparência inalterada.
Para tanto, deve-se suspeita quando o paciente possui alterações de tecidos moles e sinais sistêmicos de doença, como vimos, principalmente se associado a creptos, rápida progressão das manifestações clínicas e dor severa desproporcional aos achados.
Exames laboratoriais nesses contextos são bastante inespecíficos, mas é importante fazer a cultura da pele para determinação etiológica.
O desbridamento cirúrgico é o passo a seguir após a suspeita, uma vez que serve como diagnóstico e tratamento ao mesmo tempo.
Abordagem de tratamento
O uso de antibióticos de amplo espectro deve ser iniciado como primeira etapa do tratamento, mas é o desbridamento cirúrgico que se configura como o passo essencial do tratamento.
Por meio do desbridamento é possível diferenciar a fasciíte da celulite e é o método preferencial de diagnóstico, além de tratamento.
Na exploração cirúrgica pode-se encontrar exsudato em abundância e uma facilidade anormal de separação dos tecidos à dissecação.
Cabe destacar que realiza-se esse procedimento em centros estruturados e com especialistas bem treinados, especialmente porque o desbridamento precoce está associado a melhores prognósticos.
Pacientes admitidos em até 24h se comparados àqueles em que o desbridamento foi tardio tiveram uma taxa de sobrevida aumentada.
Complicações potenciais dos casos e o que fazer
As complicações relacionadas ao desbridamento, que é o método diagnóstico e de tratamento, inclui principalmente repercussões hemodinâmicas. Para tanto, é necessário que o paciente tenha todo o suporte hemodinâmico à disposição.
Esse suporte inclui fluidos e vasopressores. A demanda por fluidos tende a ser alta e é possível que seja preciso a reposição de albumina.
Orientações para prevenção
A orientação preventiva, geralmente direcionada aos contactantes do caso índice. Especialmente porque a infecção pelo Streptococcus do grupo A pode ter sido provocada por uma cepa de alta virulência.
Nesse contexto, é ideal iniciar a profilaxia pós-exposição tanto para o paciente quanto para os contactantes, especialmente para os altamente suscetíveis como imunocomprometidos e os que foram submetidos à cirurgia recente.
Recomendado o uso da penicilina 250mg por via oral, 4x ao dia, por 10 dias.
Além disso, informa-se sobre os sinais e sintomas de infecções pelo Streptococcus do grupo A e a necessidade de buscar atendimento médico caso sintomas sejam desenvolvidos dentro de 30 dias.
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Referências
- STEVENS et al. Necrotizing soft tissue infections. Uptodate, 2024.
- MARQUES et al. Infecções cutâneas bacterianas graves. Anais Brasileiros de Dermatologia, vol 95, n. 4, 2020.
- Stevens DL, Bryant AE. Necrotizing Soft-Tissue Infections. N Engl J Med 2017; 377:2253.
- Hua C, Urbina T, Bosc R, et al. Necrotising soft-tissue infections. Lancet Infect Dis 2023; 23:e81.
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