O hipoaldosteronismo representa um distúrbio clínico no qual ocorre deficiência na produção ou na ação da aldosterona, o principal mineralocorticoide sintetizado na zona glomerulosa do córtex adrenal.
Como a aldosterona regula a reabsorção de sódio, a excreção de potássio e a regulação do pH por meio da secreção de hidrogênio, qualquer redução na sua disponibilidade ou na sua atividade altera profundamente a homeostase eletrolítica.
Fisiopatologia do hipoaldosteronismo
Para compreender o hipoaldosteronismo, torna-se essencial revisar rapidamente a fisiologia do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Em situações de hipovolemia, queda da pressão arterial ou hiponatremia, o rim secreta renina. A renina converte o angiotensinogênio em angiotensina I, que depois se transforma em angiotensina II. A angiotensina II estimula diretamente a zona glomerulosa, elevando a secreção de aldosterona. Além disso, a hipercalemia também estimula a liberação de aldosterona de forma independente da renina.
Assim, quando o sistema funciona de modo adequado, pequenas alterações hemodinâmicas corrigem-se rapidamente. Entretanto, quando qualquer elo dessa cadeia sofre alteração, o déficit de aldosterona surge e o quadro clínico se instala.
Manifestações clínicas do hipoaldosteronismo
Os sinais e sintomas do hipoaldosteronismo derivam principalmente da hipercalemia e da acidose metabólica hiperclorêmica. Embora alguns pacientes apresentem quadro assintomático por longos períodos, outros manifestam sintomas desde as fases iniciais. Esse comportamento variável ocorre porque a velocidade de instalação e a reserva renal determinam grande parte da expressão clínica.
A hipercalemia surge como achado central. À medida que os níveis séricos de potássio aumentam, o paciente relata:
- Fraqueza progressiva
- Sensação de peso muscular
- Parestesias
- E, em alguns casos, paralisia flácida temporária.
Além disso, o risco de arritmias cresce de maneira importante, principalmente em indivíduos com cardiopatia estrutural. Por isso, a interpretação do eletrocardiograma deve ser imediata quando o potássio se eleva, já que a presença de ondas T apiculadas, alargamento do QRS ou desaparecimento da onda P exige intervenção rápida.
A acidose metabólica aparece como consequência do déficit de secreção de hidrogênio no túbulo distal. Com o tempo, a acidose leva a hiperventilação compensatória, fadiga, intolerância ao esforço e confusão mental discreta. Em pacientes com doença renal crônica, a acidose se intensifica mais rapidamente, pois o rim não consegue compensar a sobrecarga.
A hiponatremia pode surgir, mas nem sempre aparece de forma evidente. Isso ocorre porque outros mecanismos de controle do sódio permanecem ativos. Contudo, quando o sódio diminui, o paciente relata tontura, instabilidade, cefaleia e mal-estar generalizado. Como esses sintomas são inespecíficos, muitos quadros leves passam despercebidos.
Principais causas
O hipoaldosteronismo pode surgir por diversas etiologias que interferem na síntese, na secreção ou na ação periférica da aldosterona. Além disso, a classificação etiológica ajuda diretamente na abordagem diagnóstica e no tratamento.
Redução na produção de aldosterona
Doenças que comprometem a zona glomerulosa reduzem a síntese de aldosterona mesmo quando há estímulo adequado. Assim, a insuficiência adrenal primária surge como causa importante. Pacientes com doença autoimune adrenal, tuberculose, hemorragia adrenal, infiltrações metastáticas ou doenças congênitas da esteroidogênese apresentam risco elevado de déficit mineralocorticoide.
Mutações que afetam a síntese de aldosterona também contribuem para essa categoria. Embora essas condições sejam menos prevalentes, elas podem surgir em adultos na forma de manifestações tardias ou em quadros subclínicos que se tornam aparentes durante situações de estresse clínico.
Redução da renina
O hipoaldosteronismo hiporreninêmico representa um dos tipos mais frequentes. Pacientes com nefropatia diabética, doença renal crônica, nefrosclerose hipertensiva ou microangiopatia apresentam secreção inadequada de renina. Como consequência, a produção de aldosterona diminui mesmo quando o organismo necessita aumentar a excreção de potássio.
Nesse grupo, os medicamentos desempenham papel determinante. Embora os bloqueadores do sistema renina-angiotensina sejam extremamente úteis no tratamento de hipertensão e nefroproteção, eles reduzem significativamente a ativação da aldosterona. Assim, mesmo doses habituais podem precipitar hipercalemia em indivíduos vulneráveis. A mesma lógica se aplica aos anti-inflamatórios não esteroides, que inibem a síntese de prostaglandinas e reduzem a liberação de renina.
Resistência periférica à aldosterona
Alguns indivíduos apresentam resistência tubular à ação da aldosterona. Isso ocorre principalmente em doenças tubulointersticiais, acidose tubular renal e condições nas quais o receptor mineralocorticoide perde sua responsividade funcional. Como o quadro clínico se parece com outras categorias, a investigação hormonal se torna essencial para diferenciar.
Avaliação diagnóstica do hipoaldosteronismo
A abordagem diagnóstica precisa seguir uma sequência lógica que permita identificar a causa e evitar erros de interpretação. Além disso, o médico deve manter atenção a fatores interferentes, como postura, dieta e medicamentos, pois todos influenciam diretamente a dosagem hormonal.
Exames laboratoriais iniciais
A primeira etapa envolve dosagem de eletrólitos com potássio, sódio e bicarbonato. O padrão habitual consiste em hipercalemia e acidose metabólica. Em seguida, avalia-se a função renal, já que a doença renal crônica modifica tanto o perfil eletrolítico quanto a concentração de renina.
Dosagem de renina e aldosterona
Esse passo é o mais importante do diagnóstico. Quando o paciente apresenta renina baixa associada a aldosterona baixa, o diagnóstico caminha fortemente para hipoaldosteronismo hiporreninêmico. Quando a renina se encontra elevada e a aldosterona permanece baixa, o quadro indica déficit primário da zona glomerulosa. Já quando ambas aparecem elevadas, o médico deve considerar resistência à aldosterona.
Embora a coleta se torne mais precisa em condições padronizadas, muitas vezes o quadro clínico é tão claro que a interpretação permanece robusta mesmo sem protocolo rígido.
Testes adicionais
A depender da dúvida diagnóstica, o médico pode utilizar testes funcionais. A administração de fludrocortisona permite avaliar a capacidade de resposta do túbulo distal e auxilia na diferenciação entre deficiência hormonal e resistência. A sobrecarga salina pode complementar a avaliação, mas exige cautela, pois pacientes com doença renal avançada podem descompensar rapidamente.
Avaliação de comorbidades
Como o hipoaldosteronismo raramente surge isolado, torna-se essencial investigar condições associadas. Pacientes diabéticos, idosos, hipertensos e portadores de nefropatia crônica representam grupos de alto risco. Além disso, a revisão completa da lista de medicamentos deve fazer parte obrigatória da investigação, já que grande parte dos casos é precipitada ou agravada por fármacos.
Manejo terapêutico do hipoaldosteronismo
O tratamento exige estratégia individualizada, que varia conforme a etiologia. Em quadros primários, a reposição mineralocorticoide com fludrocortisona se mostra eficaz. Entretanto, a dose deve ser ajustada cuidadosamente, já que o excesso leva a hipertensão, edema e hipernatremia.
Nos casos hiporreninêmicos, o ajuste de medicamentos representa a intervenção mais relevante. Reduzir ou substituir drogas que pioram a hiperpotassemia frequentemente normaliza os eletrólitos. Ainda assim, alguns pacientes necessitam de fludrocortisona em baixa dose, principalmente quando a hipercalemia se mantém persistente.
Além disso, o manejo dietético complementa o tratamento. Pacientes com hipercalemia devem limitar alimentos ricos em potássio e receber orientação nutricional específica. Em situações agudas, o médico utiliza terapias rápidas para estabilizar a membrana cardíaca, deslocar o potássio para o intracelular e aumentar sua excreção.
A monitorização deve ser contínua. Após qualquer ajuste terapêutico, o médico precisa reavaliar eletrólitos, bicarbonato e pressão arterial. Pacientes com doença renal crônica exigem intervalos menores entre exames, já que a progressão da nefropatia interfere continuamente no controle hormonal.
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Referências bibliográficas
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