A hemorragia alveolar difusa caracteriza um conjunto de condições clínicas que provocam sangramento dentro dos alvéolos pulmonares. Esse processo demanda investigação imediata porque produz hipoxemia grave e compromete rapidamente a troca gasosa. Além disso, a hemorragia alveolar difusa apresenta múltiplas causas e diversos mecanismos fisiopatológicos, o que exige uma estrutura de raciocínio organizada.
Ao considerar a necessidade de agilidade, o médico precisa avaliar o paciente de forma simultânea em três frentes: identificação da síndrome, investigação da causa e início da terapêutica. Essa integração constante determina o desfecho clínico e reduz a mortalidade.
Conceito e fisiopatologia da hemorragia alveolar difusa
A hemorragia alveolar difusa surge quando o sangue atravessa a barreira alvéolo capilar e ocupa o espaço alveolar. Isso ocorre principalmente por inflamação dos capilares pulmonares, por aumento da pressão hidrostática ou por lesão direta da unidade alveolar. Portanto, a fisiopatologia envolve três formas predominantes:
- Capilarite pulmonar
- Hemorragia alveolar não inflamatória
- E dano alveolar difuso.
Cada uma dessas formas possui suas características próprias e produz impacto distinto no manejo. A capilarite pulmonar ocorre com infiltração neutrofílica e destruição dos septos alveolares, enquanto a hemorragia não inflamatória acompanha coagulopatias e elevação da pressão vascular pulmonar. Já o dano alveolar difuso acompanha agressões como infecções graves ou substâncias tóxicas e frequentemente evolui com membrana hialina.
Na imagem abaixo é possível observar a microscopia óptica em quadro de capilarite pulmonar mostrando acentuado alargamento dos septos alveolares devido a edema e necrose. Observa-se uma infiltração intensa de neutrófilos nos septos alveolares (setas), muitos deles em processo de fragmentação e com aspecto picnótico. Os espaços alveolares encontram-se repletos de hemácias (hemorragia alveolar difusa), além de conter alguns neutrófilos.

Embora muitos pacientes apresentem hemoptise, o médico não pode depender exclusivamente desse achado, pois cerca de um terço deles não relata sangramento visível. Por isso, a avaliação clínica precisa integrar sintomas respiratórios, queda de níveis de hemoglobina, infiltrados pulmonares e evidências de hipoxemia. Dessa forma, o reconhecimento torna-se mais consistente e possibilita início precoce da abordagem.
Quadro clínico
Os sintomas surgem de forma aguda ou subaguda. Dispineia intensa, tosse, febre e mal-estar aparecem com frequência. Além disso, o paciente demonstra queda rápida da saturação de oxigênio e pode evoluir para insuficiência respiratória. Nos casos mais graves, a evolução envolve necessidade de ventilação mecânica e queda marcante de hematócrito.
O exame físico revela estertores difusos e sinais de hipoperfusão, principalmente quando a hemorragia se associa a vasculites sistêmicas ou doenças autoimunes. Como esses sinais variam amplamente, o clínico deve manter alto grau de suspeição sempre que identificar anemia aguda associada a infiltrados bilaterais.
Abordagem diagnóstica da hemorragia alveolar difusa
A avaliação diagnóstica precisa ocorrer de forma integrada porque a evolução pode ser rápida. Inicialmente, o médico coleta história clínica detalhada. Esse momento deve investigar doenças autoimunes prévias, uso de drogas ilícitas, exposição a toxinas, terapias anticoagulantes, transplantes recentes e infecções respiratórias. Ao mesmo tempo, a anamnese precisa incluir sintomas renais, porque muitas causas de hemorragia alveolar difusa acompanham glomerulonefrite. Assim, o clínico relaciona precocemente a possibilidade de síndrome pulmão rim.
O exame físico reforça a suspeita quando revela crépitos difusos, palidez, taquipneia e sinais de doenças sistêmicas como púrpura, artrite ou úlceras de pele. Entretanto, os achados físicos muitas vezes não esclarecem a causa, portanto o médico precisa prosseguir para os exames complementares.
Exames laboratoriais
O hemograma costuma mostrar anemia normocrômica normocítica, porém o padrão pode variar conforme a cronicidade. Além disso, o clínico solicita testes de coagulação, porque coagulopatias podem precipitar hemorragia não inflamatória. A gasometria arterial demonstra hipoxemia variável, frequentemente associada a aumento da diferença alveolo arterial.
A investigação imunológica auxilia a identificar causas autoimunes. Dessa forma, o clínico solicita:
- ANCA
- Anticorpos anti membrana basal glomerular
- FAN
- Complemento e anticorpos antifosfolípides.
Essa triagem acelera o diagnóstico de vasculites, lúpus ou doença anti GBM, que figuram entre as causas mais graves e potencialmente tratáveis. Além disso, a análise do sedimento urinário contribui para detectar glomerulonefrite, reforçando a suspeita de síndrome pulmão rim.
Imagem
A radiografia de tórax demonstra infiltrados alveolares bilaterais, mas não diferencia etiologias. Portanto, o exame de escolha para detalhar o padrão é a tomografia computadorizada de alta resolução. O padrão mais frequente inclui vidro fosco difuso e consolidações multifocais. Apesar disso, nenhum padrão exclusivo confirma o diagnóstico, por isso a imagem serve como apoio e não como critério isolado.
Abaixo observa-se uma imagem axial de TC de tórax de um paciente com hemorragia alveolar difusa (HAD) mostrando opacidades bilaterais em vidro fosco de distribuição irregular, associadas a áreas de consolidação.

Além disso, na radiografia de tórax abaixo observa-se um paciente com hemorragia alveolar difusa causada por capilarite pulmonar isolada. Observam-se opacidades em vidro fosco bilaterais e tamanho cardíaco preservado.

Broncoscopia com lavagem broncoalveolar
A broncoscopia ocupa lugar central no diagnóstico. O procedimento permite verificar se o sangramento vem realmente do parênquima alveolar. Durante a lavagem broncoalveolar, o médico observa aumento progressivo do sangue nas amostras coletadas, o que confirma hemorragia ativa.
Além disso, a presença de macrófagos repletos de hemossiderina indica sangramento recente ou repetido. Como a broncoscopia também exclui hemorragias de origem brônquica, o exame torna-se ferramenta indispensável.
Biópsia
Em situações específicas, principalmente quando a investigação não esclarece a etiologia ou quando há deterioração acelerada, o médico considera biópsia pulmonar ou renal. Embora esse procedimento forneça diagnóstico definitivo em vários casos, o clínico precisa ponderar risco e benefício, porque pacientes com hemorragia alveolar difusa frequentemente apresentam instabilidade respiratória.
Etiologias principais
A hemorragia alveolar difusa possui grande variedade de causas. No grupo das causas autoimunes, destacam-se vasculites associadas a ANCA, doença anti membrana basal glomerular e lúpus eritematoso sistêmico. Além disso, diversas condições induzidas por drogas, toxinas, infecções ou hipertensão pulmonar também provocam hemorragia. Em crianças e adultos jovens, a hemosiderose pulmonar idiopática representa diagnóstico importante após exclusão de outras causas, pois provoca surtos recorrentes de sangramento alveolar sem etiologia aparente.
Conduta terapêutica na hemorragia alveolar difusa
A conduta precisa começar imediatamente após o reconhecimento clínico, mesmo antes da definição etiológica completa. Inicialmente, o clínico mantém o paciente em oxigenoterapia e controla cuidadosamente a ventilação para evitar barotrauma. Como muitos pacientes evoluem com insuficiência respiratória, a ventilação mecânica utiliza estratégia pulmonar protetora e ajustes progressivos conforme a melhora ou piora da oxigenação.
Além disso, o médico corrige distúrbios de coagulação e suspende drogas anticoagulantes ou antiagregantes quando seguro. A reposição de hemoderivados também ocorre conforme necessidade clínica. O manejo hemodinâmico exige cautela, já que hipovolemia e sobrecarga hídrica pioram a troca gasosa.
Tratamento da causa
Quando a investigação sugere vasculite associada a ANCA ou doença anti membrana basal glomerular, o médico inicia corticoterapia endovenosa em altas doses. Logo após, combina imunossupressores como ciclofosfamida ou rituximabe para controlar a inflamação capilar. Como a doença anti GBM se beneficia de plasmaférese, essa intervenção integra rapidamente o manejo.
Nos casos de hemorragia não inflamatória causada por coagulopatia ou hipertensão capilar pulmonar, a correção da coagulopatia, a otimização do tratamento cardíaco e o controle da pressão vascular reduzem o sangramento. Da mesma forma, quando exposição a drogas ou toxinas desencadeia hemorragia, a suspensão imediata da substância se torna essencial.
Hemosiderose pulmonar idiopática
A hemosiderose pulmonar idiopática representa forma rara e recorrente de hemorragia alveolar difusa. O paciente apresenta episódios repetidos de hemoptise, anemia ferropriva e infiltrados pulmonares. O manejo utiliza altas doses de corticosteroides no episódio agudo. Além disso, o médico adota imunossupressores em longo prazo, como azatioprina, para reduzir recidivas. A monitorização contínua é essencial, porque a doença evolui para fibrose pulmonar se não houver controle adequado.
Prognóstico
O prognóstico depende da causa, da rapidez do diagnóstico e da resposta terapêutica. Pacientes com vasculites respondem melhor quando recebem tratamento precoce. Em contrapartida, hemorragias induzidas por toxinas ou doença cardíaca grave apresentam evolução menos favorável. A presença de síndrome pulmão rim também influencia o desfecho, pois insuficiência renal reduz a reserva fisiológica.
Mesmo após controle inicial da hemorragia, muitos pacientes desenvolvem redução da difusão pulmonar e risco de hipertensão pulmonar crônica. Portanto, o acompanhamento após a alta precisa incluir função pulmonar, imagem periódica e avaliação hematológica.
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Referências bibliográficas
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