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Glutamato e esquizofrenia: resultados claros e eficientes? | Colunistas

Glutamato e esquizofrenia: resultados claros e eficientes? | Colunistas

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As doenças mentais são consideradas doenças crônicas que causam fragilidade e incapacidade para o portador e são cercadas de estigmas e preconceitos de toda a so­ciedade. Nesse contexto, a esquizofrenia é considerada a doença mais incapacitante quando nos referimos a transtornos mentais, sendo definida pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS) como “distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Envolvem fenômenos psicopatológicos como transtornos de pensamentos, ideias delirantes e vozes alucinatórias”. Por esse motivo, o cuidado tornou-se ainda mais árduo, princi­palmente para o familiar responsável pelo cuidado (DIAS, 2020).

            A esquizofrenia é uma doença grave, episódica e persistente, com um curso de tempo característico em que episódios agudos, caracterizados por sintomas psicóticos positivos, como delírios e alucinações, são seguidos por uma fase crônica na qual sintomas negativos e cognitivos incapacitantes e deficiências sociais tendem a ser proeminentes. Há evidências de três processos fisiopatológicos potencialmente relacionados, consistentes com a evolução temporal característica da doença (KUMAR, 2018).

            Os medicamentos atuais para o tratamento da esquizofrenia – os antipsicóticos típicos e atípicos – são antagonistas do receptor D2 da dopamina com um benefício clínico satisfatório nos sintomas positivos, mas sem impacto limitado ou nenhum nos sintomas negativos da doença. Portanto, há uma necessidade urgente de melhorar a farmacoterapia dos sintomas negativos. Ao lado do sistema dopaminérgico, a neurotransmissão glutamatérgica disfuncional tem sido fortemente implicada na etiologia da esquizofrenia, particularmente uma hipofunção do N- receptor de metil-d-aspartato (NMDAR). Como a hipofunção NMDAR está especialmente associada a sintomas negativos, o NMDAR é continuamente discutido como um alvo promissor para a introdução de novos medicamentos (THIEBES, 2017).

            Doses subanestésicas de antagonistas NMDAR, como fenciclidina (PCP) e cetamina, não provocam apenas efeitos psicotomiméticos que lembram sintomas positivos, negativos e cognitivos da esquizofrenia em voluntários saudáveis, mas também exacerba os sintomas em pacientes com esquizofrenia. Portanto, a sinalização NMDAR reduzida pode ser uma rota única para modelar sintomas negativos reminiscentes de esquizofrenia. Investigar os efeitos da cetamina em voluntários saudáveis pode ser especialmente útil para descrever os mecanismos neurofisiológicos associados aos sintomas negativos. Para ativar o NMDAR, não só a ligação do glutamato, mas também da glicina é essencial. Os ensaios clínicos de agonistas do local da glicina (por exemplo, a própria glicina, d-serina) ou o inibidor da recaptação da glicina sarcosina em pacientes com esquizofrenia crônica relataram efeitos benéficos nos sintomas negativos da esquizofrenia (THIEBES, 2017).

            Mismatch negativity (MMN) é um potencial auditivo relacionado a eventos (ERP), gerado quando um estímulo desviante é apresentado, que difere em algumas características físicas, como duração ou frequência, de estímulos padrão repetidamente apresentados. Amplitudes reduzidas de MMN têm se mostrado um achado robusto em pacientes com esquizofrenia em vários estudos. Sugere-se que os déficits de negatividade incompatíveis, também conhecidos como sinais de erro de previsão, são particularmente graves em pacientes com esquizofrenia crônica que apresentam sintomas negativos proeminentes. Além disso, presume-se que a atividade neural subjacente ao MMN pode ser atribuída a dois conjuntos de geradores neurais (THIEBES, 2017).

            Os geradores temporais superiores estão associados à parte da memória sensorial da detecção de mudanças, e os geradores frontais são supostamente responsáveis por desencadear uma mudança de atenção na detecção de mudanças. Além das amplitudes do MMN, a densidade da fonte de corrente (CSD) dos geradores temporais e frontais do MMN mostrou ser reduzida em pacientes com esquizofrenia em comparação com controles saudáveis. Além disso, uma redução da amplitude do MMN sugere uma associação com a neurotransmissão NMDAR glutamatérgica. Vários estudos eletrofisiológicos relataram reduções induzidas pela cetamina nas amplitudes do MMN (THIEBES, 2017).

            Perante análise de estudos, foi constatado que pacientes com história documentada de sintomas positivos proeminentes de esquizofrenia, mas atualmente sem apresentar sintomas positivos substanciais, foram considerados como satisfazendo os critérios da CID-10 para esquizofrenia residual se exibissem sintomas negativos apreciáveis e funções ocupacional ou social prejudicadas. A maioria dos pacientes estava recebendo medicação psicotrópica. A mediana de dose diária necessária foi calculada separadamente para antipsicóticos, estabilizadores de humor, incluindo lítio e antidepressivos (KUMAR, 2018).

            Não foram encontradas evidências sólidas do prolongamento da latência do MMN na condição de cetamina. No entanto, uma latência atrasada do MMN é relatada de forma menos consistente do que a redução da amplitude. Nos estudos, a Escala de Síndrome Positiva e Negativa (PANSS) foi usada para a investigação de sintomas semelhantes à esquizofrenia induzida por cetamina em pessoas saudáveis, embora tenha sido inicialmente projetada e validada para a avaliação de sintomas em pacientes com esquizofrenia. No entanto, há evidências de uma semelhança nas dimensões dos sintomas entre os sintomas induzidos pela cetamina e a psicose da esquizofrenia, com a sobreposição mais consistente para o fator de sintoma negativo. Consequentemente, a PANSS foi usada em vários estudos recentes que investigaram sintomas semelhantes à esquizofrenia induzida por cetamina em voluntários saudáveis (THIEBES, 2017).

            À primeira vista, os resultados com controles saudáveis parecem entrar em conflito com a conclusão de que a MMN não se correlaciona com sintomas clínicos em pacientes com esquizofrenia. Além disso, havia muitos participantes diferentes incluídos, inclusive pacientes com primeiro episódio de esquizofrenia crônica. Os estudos que relataram um MMN frontal menor com maiores sintomas negativos incluíram apenas pacientes com doença crônica, enquanto estudos com pacientes com esquizofrenia no primeiro episódio relataram correlações na direção reversa. Supondo que o MMN seja dependente da transmissão NMDAR, isso sugere que o papel do funcionamento do NMDAR se altera entre os diferentes estágios (KUMAR, 2018).

            Além disso, ao avaliar a média de entrevistados que não aderiram ao uso de medicamentos, aproximadamente 40%, e ao considerar todas as implicações da não adesão ao portador de transtorno mental, como piora do prognóstico, crises mais frequentes e intensas, aumento do risco de tentativa de suicídio e comprometimento da qualidade de vida, conclui-se que é uma estatística preocupante (THIEBES, 2017).

Glutationa e glutamato foram significativamente correlacionados entre si em todas as três regiões do cérebro. Essas altas correlações são consistentes com a hipótese de uma ligação mecanicista entre os sistemas antioxidante e glutamatérgico no cérebro humano, de modo que, em condições de estado estacionário, baixos níveis de glutationa estão associados a baixos níveis de neurotransmissão glutamatérgica. A princípio, o uso do sinal de água não suprimido como referência para a normalização do sinal do metabólito pode introduzir correlações espúrias entre os sinais de glutationa e glutamato. No entanto, desde que as variações no teor de água dentro da amostra sejam muito menores do que as variações nos níveis de metabólitos, a variação compartilhada entre os sinais de metabólitos normalizados pode ser considerada como originada em grande parte da variação compartilhada nas concentrações de metabólitos (KUMAR, 2018).

            Porém, ainda são poucos os estudos que exploram a associação entre amplitudes reduzidas de MMN devido à administração de cetamina e sintomas negativos induzidos por cetamina em voluntários saudáveis. Os resultados indicam que o surgimento desses sintomas negativos após a administração de cetamina está associado a alterações cerebrais, avaliadas pelo MMN. Consequentemente, o MMN poderia representar potencialmente um biomarcador para sintomas negativos de esquizofrenia eliciados por funcionamento insuficiente de NMDAR. Investigar os efeitos da cetamina em indivíduos saudáveis pode ser particularmente útil para a identificação de biomarcadores que podem permitir a previsão da resposta ao tratamento a substâncias que aumentam a função de NMDAR em pacientes com esquizofrenia com sintomas negativos proeminentes (THIEBES, 2017).


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

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BORBA, L. O. et al. Adesão do portador de transtorno mental à terapêutica medicamentosa no tratamento em saúde mental. Revista da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, v. 52, n. 3, 10 p., fev. 2017.         

DIAS, P.; et al. Bem-estar, qualidade de vida e esperança em cuidadores familiares de pessoas com esquizofrenia. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental. São Paulo, v. 17, n. 23, p. 23-30, fev. 2020.

HOWES, O.; et al. Glutamate and dopamine in schizophrenia: na update for the 21 century. Journal Psychopharmacol. London, v. 29, n. 2, p. 97-115, fev. 2015.

KUMAR, J.; et al. Glutationa e glutamato na esquizofrenia. Revista Psiquiatria Molecular. Porto Alegre, v. 25, n. 1, p. 873-882, jun. 2018.

LIN, C. H, LANE, H. Y. Early Identification and Intervention of Schizophrenia: Insight from Hypotheses of Glutamate Disfunction and Oxidative Stress. Revist Frontiers in Psychiatry. Taiwan, v. 27, n. 10, 9 p., fev. 2019.

MADEIRA, C.; et al. Níveis de glutamato e glutamina no sangue no início recente e na esquizofrenia crônica. Revista Fronteiras em Psiquiatria. Rio de Janeiro, v. 9, n. 713, 8 p., dez. 2018.

MARTÍNEZ, C. J.; ROMAN, V. R. Propuesta de un modelo de respuesta de los delírios esquizofrénicos a los antipsicóticos. Revista Associação Espanhola de Neuropsiquiatria. Elche, v. 36, n. 129, p. 15-28, nov. 2015.

THIEBES, S; et al. Glutamatergic deficit and negative schizophrenia type: new evidence of incompatible and ketamine-induced negative changes in healthy men. Journal Psychiatry Neuroscience. Hamburgo, v. 42, n. 4, p. 273-283, jan. 2017.

UNO, Y.; et al. Glutamate hypothesis in schizophrenia. Psychiatry and Clinical Neurosciences. Boston, v. 73, n. 1, p. 204-215, out, 2019.