Fisiologia da gestação: as adaptações do organismo materno | Colunistas

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Durante toda
a vida, o organismo humano tem o desafio de realizar adaptações moleculares,
bioquímicas, hormonais e teciduais, a fim de garantir as reações fundamentais à
vida. No contexto de uma gestação, a manutenção desses processos torna-se mais
complexa, haja vista que o corpo materno precisa suprir as necessidades da
mulher e do concepto. Diante disso, é fundamental conhecer a fisiologia
envolvida com a gestação e, dessa forma, identificar padrões patológicos que
fogem das mudanças normais da gravidez. Em virtude dessas características
fisiológicas maternas, pode-se prever desfechos para a gestação.

Entre as
intercorrências, estão as manifestações de doenças latentes, a piora de doenças
existentes e o surgimento de patologias relacionadas exclusivamente com o
período gestacional. Conforme a situação, pode-se antecipar a má adaptação do
organismo à gravidez e fornecer cuidados especializados que garantam uma
gestação adequada com pré-natal de qualidade. Destaca-se que durante esse pré-natal
é possível acompanhar todas as alterações fisiológicas e anatômicas que ocorrem
no organismo feminino.

A priori, a
presença da placenta gera modificações endócrinas por produzir hormônios
similares ou idênticos aos maternos. Além disso, há um aumento dos níveis de prostaciclina,
estrógenos e progestógenos. Isso leva ao aumento da vasodilatação e angiogênese;
logo, há alterações em todo o sistema circulatório e endócrino metabólico, com
repercussões em outros sistemas do corpo. Ao que se refere ao sistema
circulatório, as transformações ocorrem no âmbito hematológico e
cardiovascular. Primeiramente, há hipervolemia devido ao aumento plasmático com
hemodiluição, ao aumento da produção de hemácias e à diminuição da viscosidade sanguínea.
Além disso, há leucocitose à custa de polimorfonucleares e um quadro de
hipercoagulação devido ao aumento de proteínas anticoagulantes.

Já no
sistema cardiovascular há tanto aumento da frequência cardíaca e do débito,
quanto diminuição do trabalho cardíaco e da resistência vascular periférica. De
acordo com essas modificações, o aumento da pressão arterial sistêmica é
impedido. Salienta-se que o edema, a hipotensão e varizes ocorrem por aumento
da pressão venosa nos membros inferiores através da compressão das veias
pélvicas pelo útero. É comum, ainda, sopros sistólicos, extrassístoles
ventriculares por aumento do coração e taquicardias paroxísticas
supraventriculares, que podem causar também alterações eletrocardiográficas nas
ondas T e Q, no segmento ST e desvio de eixo para esquerda de 15º a 20º.

Concomitantemente,
no sistema endócrino, há alterações das atividades hormonais da hipófise,
tireoide, paratireoides, adrenais e ovários maternos. Esse efeito é gerado por
interferência de hormônios placentários no equilíbrio entre o hipotálamo, a
hipófise, os ovários e a tireoide. Assim, há aumento de hormônios como
prolactina, triiodotironina (T3), tiroxina total
(T4), calcitonina, aldosterona, cortisol, hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH), androgênios, estrógenos, progesterona e relaxina. Outros
já diminuem, como o hormônio folículo-estimulante (FSH) e hormônio luteinizante
(LH), entre outras alterações. Eventos como esses levam a marcantes mudanças
metabólicas.

Inicialmente,
o sistema endócrino possui um caráter anabólico e depois é catabólico, para
fomentar o crescimento fetal. Na primeira fase, da 24º a 26º semana de
gestação, há aumento da glicogênese hepática e diminuição da glicemia. Na
segunda fase, há a resistência periférica à insulina, em virtude de hormônios
placentários diabetogênicos como o hormônio lactogênico placentário (hLP), há
lipólise e neoglicogenese, hiperinsulinemia e hiperglicemia. Além disso, há
aumento de colesterol e triglicerídeos, de proteínas e aminoácidos.

No tocante às
modificações sistêmicas do organismo materno, há alterações mecânicas,
vasculares e endócrinas. Nessa perspectiva, a pele e anexos sofrem com a
angiogênese e o estado progestogênico, que levam ao eritema palmar,
telagectasia, hipertricose, sudorese, cloasma, melasma e pigmentação
periaureolar (sinal de Hunter). Enquanto no sistema esquelético há aumento da
elasticidade e de líquidos nas articulações, levando ao processo de embebição
gravídica, consequentemente desenvolve-se a marcha anserina. Salienta-se,
também, as mudanças na audição com diminuição da acuidade, na visão com
opacificações pigmentares e no olfato por hipervascularização e edema na mucosa
nasal.

Visualiza-se,
também, alterações marcantes no sistema digestório, pulmonar e urinário. No
primeiro, ocorre relaxamento do esfíncter esofagiano, redução do esvaziamento
gástrico, relaxamento da vesícula biliar, diminuição da peristalse e redução de
secreções ácidas. No segundo, há hiperventilação devido ao aumento da caixa
torácica, expiração e volume corrente. E, no terceiro, há aumento da filtração
glomerular com diminuição de creatina e ureia; há glicosúria, hidronefrose e
polaciúria fisiológica. Além disso, no sistema nervoso central, há alterações
de memória e concentração, somadas à sonolência desencadeada pelos níveis altos
de progesterona.

As
modificações mais marcantes e perceptíveis entre as mudanças fisiológicas são
as locais, que ocorrem nos órgãos sexuais reprodutivos, pois, em muitos casos,
estão relacionados com aspectos anatômicos. Essas mudanças são responsáveis
pelos principais sinais de uma gestação, em virtude da hipervascularização e
altas taxas hormonais que levam a mudanças na coloração, consistência e
vascularização dos órgãos reprodutivos. Nisso, o útero muda de forma e tamanho
e juntamente com o colo fica violáceo, há maior produção de muco espesso e
viscoso, formando a rolha de Schroeder; a vagina fica arroxeada (sinal de Osiander),
igualmente à vulva (sinal de Jacquemier-Cahdwick). Já nas mamas ocorre
elevações por hipertrofia das glândulas sebáceas do mamilo (tubérculos de
Montgomery) e aumento da rede venosa sob a pele, chamada de rede de Haller.

Conforme todas essas alterações, foram determinados padrões de referência adequados para os resultados de exames realizados na gestação. Dessa forma, pode-se diagnosticar, por exemplo, quando a leucocitose e glicosúria não estão nos padrões normais para o trimestre gestacional. É importante destacar, ainda, que esses critérios se modificam de acordo com o tipo de gravidez, pois, em gestações múltiplas, há maior produção de substâncias relacionadas a presença do concepto, logo as alterações tendem a ser mais drásticas. Por isso, para cada tipo de gestação, há parâmetros adequados de análise e acompanhamento ambulatorial durante o pré-natal, portanto é essencial conhecer a fisiologia da gravidez.

Confira o vídeo:

Autora:
Ellen Raissa Coelho Rios

Instagram:
@ellenrioss_

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