Febre: discussão sobre fisiopatologia, semiologia e clínica | Colunistas

Índice

A febre é uma manifestação clínica comum a muitas doenças – sejam infecciosas, neoplásicas ou inflamatórias – e presente na vida de um médico. Dessa forma, faz-se necessário entender como ela ocorre, interpretá-la no paciente com tal queixa e fazer o diagnóstico da patologia responsável.

Valores de Temperatura

A temperatura pode ser medida pelas axilas, ânus, boca, dentre outros. A temperatura axilar normal é de 35,5 a 37°C, sendo a média entre 36 a 36,5°. A região bucal e anal, em geral, são 1°C maior que axilas.

Fisiopatologia da febre

A febre é definida como aumento da temperatura corporal causado por elevação do ponto de reajuste hipotalâmico. Ou seja, há certa região do hipotálamo que funciona como termostato, controlando, assim, a nossa temperatura interna. Em algumas situações, como na presença de patógenos ou liberação de suas toxinas, ocorre a liberação de pirógenos endógenos (IL-1, IL-6, TNF-α), os quais são responsáveis pelo aumento do ponto de reajuste hipotalâmico. Mas isso por si só não causa o aumento da temperatura corporal. O hipotálamo estimula o centro vasomotor a provocar vasoconstrição, desviando o sangue periférico, o que reduz a perda de calor ao ambiente e ainda aumenta a temperatura interna.

Além disso, aumenta a produção de energia através do ciclo de Krebs e consequente fosforilação oxidativa, principalmente em órgãos como fígado e músculos esqueléticos. Isso atua no aumento da temperatura, porque parte dessa energia é dissipada na forma de calor. Enfim, esse mecanismo é responsável por alcançar o novo ponto de equilíbrio hipotalâmico. Depois, quando a febre cessa, ocorre queda desse ponto de reajuste, o que induz perda de calor para alcançar novo equilíbrio através de vasodilatação e sudorese.

Nas pessoas idosas, esse sistema apresenta-se alterado, sendo comum por isso terem ausência de febre quando apresentam doenças infecciosas. É um sinal de mau prognóstico quando não apresentam febre em doenças desse tipo.

Consequências e funções da febre

Um aumento transitório de temperatura (até 40°C) é bem tolerado por adultos, não causando danos. Entretanto, quando é acima de 41°C pode causar danos por desnaturação proteica, liberação de citocinas e ativação da cascata da coagulação, levando à disfunção celular e orgânica e coagulação intravascular disseminada (CID).

Além disso, para cada aumento da temperatura em 1°C a partir de 37°C, ocorre o aumento da taxa do metabolismo basal (TMB) em 10 a 12%, o que pode ser maléfico para pacientes com insuficiência cardíaca ou pulmonar, já que ocorre sobrecarga desses órgãos.

Por esse motivo, também pode piorar o estado mental em pacientes com demência. Em crianças saudáveis é comum convulsões febris.

Funções

Não é comprovado, mas alguns estudos mostram que a febre é importante ao sistema imune, porque acelera a fagocitose e aumenta velocidade de formação de anticorpos.

De qualquer forma, ela sempre indica que algo está errado no organismo do paciente com tal manifestação clínica, cabendo ao médico descobrir.

Hipertermia

É muito comum utilizar febre como sinônimo de hipertermia, já que ambas as condições cursam com aumento de temperatura. Entretanto, é importante enfatizar a diferença entre elas, que se resumem a uma coisa: alteração do ponto de reajuste hipotalâmico. Na febre, como mencionado, ocorre aumento. Na hipertermia, por outro lado, isso não ocorre. Ou seja, o organismo ganha calor, mas não porque foi comandado por região do cérebro. Um exemplo de causa de hipertermia é quando se está em locais muito quentes, onde pode ocorrer hipertermia ambiental.

Etiologias da febre

As febres ocorrem, basicamente, por 7 causas:

  1. Infecções.
  2. Neoplasias malignas.
  3. Lesões mecânicas (processos cirúrgicos ou traumas grandes).
  4. Doenças hemolinfopoiéticas.
  5. Afecções vasculares (IAM, AVC, trombose venosa).
  6. Distúrbios imunológicos (colagenoses, doenças do soro, ação de medicamentos).
  7. Doenças do SNC.

Dessas, há alguns pontos a serem discutidos.

Infecções

A causa mais comum de febre são infecções, sejam virais, bacterianas, por protozoários ou helmintos. Tendem a ser de curta duração. Entretanto, algumas doenças costumam causar febre prolongada, como tuberculose, salmonelose, amebíase extraintestinal, esquistossomose, malária, doença de Chagas.

Neoplasias malignas

Causas importantes de febre. De modo geral, ocorre pela necrose do próprio tumor ou pela destruição de tecidos adjacentes ao tumor. Em algumas neoplasias – como carcinoma broncogênicos – a febre pode ser resultado de infecção associada.

Doenças do SNC

Em lesões cerebrais quase sempre há febre. Costuma ser elevada quando a lesão é grave. Em grandes hemorragias costuma prover o óbito. Após intervenções na fossa hipofisária ou 3º ventrículo, pode ocorrer hipertermia neurogênica. Em lesões medulares, é comum grave distúrbio de regulação da temperatura.

Semiologia da Febre

Não é só saber se o paciente apresenta ou não febre. No paciente com febre, algumas características semiológicas devem ser abordadas. São elas: início, intensidade, duração, modo de evolução e término.

Início

É súbito ou gradual. Na febre de início súbito, paciente percebe, de um momento para o outro, a elevação da temperatura. Esta costuma estar associada a sintomas de síndrome febril, especialmente calafrios. Quando é gradual, não é comum perceber o momento no qual iniciou a febre.

Intensidade

  1. Febre leve ou febrícula: temperatura axilar de 37 a 37,5°C.
  2. Febre moderada: temperatura axilar de 37,6 a 38,5°C.
  3. Febre alta: acima de 38,5°C.

Intensidade depende da capacidade de resposta do organismo. Quer dizer que idosos, pacientes em choque e em mau estado-geral – os que possuem baixa capacidade de resposta – costumam apresentar febre leve em estados infecciosos.

Duração

Divide-se em curta ou prolongada. Febre prolongada ocorre quando permanece por mais de 1 semana, tendo ou não caráter contínuo. Esse conceito é útil porque febre prolongada é causada por tuberculose, septicemia, endocardite infecciosa, malária, febre tifoide (Salmonella enterica), colagenoses, linfomas, pielonefrites, brucelose e esquistossomose.

Modo de evolução

O melhor modo para saber isso é usando quadro térmico, no qual colocam-se várias medidas feitas 1 ou 6x/dia. Porém, na anamnese, pode-se descobrir também.

  1. Febre contínua: permanece sempre acima do normal com variações de até 1ºC e sem grandes oscilações. Comum em febre tifoide, endocardite infecciosa e pneumonia.
  2. Febre irregular ou séptica: padrão irregular de temperatura, tendo febres muito altas intercaladas por períodos de apirexia. Comum em sepse, início de malária, tuberculose, empiema vesicular e abscessos pulmonares.
  3. Febre remitente: febre diariamente com variações maiores que 1ºC e sem períodos de apirexia. Sepse, pneumonia e tuberculose são causas comuns.
  4. Febre intermitente: períodos de febre e períodos sem febre. Pode ocorrer diariamente esse padrão ou em dias. Comum em malária, mas também nas infecções urinárias, linfomas e nas septicemias.
  5. Febre recorrente ou ondulante: período de temperatura normal por dias até que são interrompidos por febres elevadas. Não há grandes oscilações na febre. Comum em brucelose, doença de Hodgkin e outros linfomas.

Término

O modo como a febre se encerra pode ser em crise ou em lise.

  1. Em crise: desaparece subitamente e paciente apresenta sudorese profunda e prostração. Comum em acesso malárico.
  2. Em lise: febre desaparece gradualmente.

Mapa mental de febre

Conclusão

Com esse texto, aprendemos que determinadas condições nos fazem liberar moléculas que estimulam o “termostato” hipotalâmico a aumentar a temperatura do corpo através de mecanismos como vasoconstrição e aumento do metabolismo.

Entendemos que essas condições não são somente viroses e bacterioses. Isso é fundamental para o raciocínio clínico.

Por falar em raciocínio clínico, você não pode esquecer que, quando um paciente informar que apresenta febre, você deve obter mais informações a fim de facilitar o diagnóstico e otimizar recursos e tempo na busca pelo diagnóstico.

Muito obrigado!


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

PORTO & PORTO. Semiologia Médica. 8. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019.

https://www.msdmanuals.com/pt-pt/profissional/doen%C3%A7as-infecciosas/biologia-das-doen%C3%A7as-infecciosas/febre#:~:text=Febre%20%C3%A9%20definida%20como%20a,acima%20da%20varia%C3%A7%C3%A3o%20di%C3%A1ria%20normal.

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