O suicídio é um fenômeno global que representa uma das principais causas de morte em todo o mundo, com consequências devastadoras para indivíduos, famílias e comunidades. Segundo o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), mais de 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano, sendo a 4ª principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Em escala global, isso corresponde a uma morte a cada 40 segundos. Embora as taxas globais tenham diminuído em algumas regiões, países de baixa e média renda concentram mais de 75% desses óbitos.
Neste artigo, você vai entender:
- Quais são os principais fatores de risco para o suicídio
- Quais os fatores de proteção que reduzem a vulnerabilidade
- Como diferenciar fatores modificáveis e não modificáveis
- Quais os cuidados clínicos necessários para pacientes em risco
Fatores de risco para o suicídio
Os fatores de risco para o suicídio são elementos que aumentam a probabilidade de uma pessoa considerar, planejar ou tentar tirar a própria vida. Esses fatores são multifacetados e podem variar de acordo com: idade, gênero, histórico pessoal e contexto sociocultural.
História de tentativas anteriores de suicídio
A tentativa prévia é o fator mais importante e preditivo. Estudos apontam que indivíduos com tentativa anterior têm risco até 40 a 100 vezes maior de nova tentativa em comparação à população geral (WHO, 2023). Esse dado reforça a necessidade de acompanhamento contínuo e intervenções precoces.
Transtornos psiquiátricos
Mais de 90% das pessoas que morreram por suicídio apresentavam algum transtorno mental diagnosticável, sendo os mais comuns:
- Depressão maior
- Transtorno bipolar
- Ansiedade grave
- Esquizofrenia
- Transtornos de personalidade
O risco aumenta quando há comorbidades e uso de substâncias.
História de abuso físico ou sexual
A vivência de abuso físico ou sexual está entre os principais fatores de risco, pois gera impactos emocionais duradouros, aumenta a vulnerabilidade a transtornos mentais e compromete o senso de pertencimento e segurança. Pesquisas recentes mostram que pessoas com histórico de trauma têm risco até três vezes maior de comportamento suicida ao longo da vida.
Idade, sexo e raça
A adolescência e o início da vida adulta representam períodos críticos de risco, assim como a velhice. Idosos acima de 70 anos, principalmente homens, apresentam taxas mais elevadas em vários países. Já entre jovens, o suicídio figura como uma das maiores causas de morte no Brasil e no mundo (DATASUS, 2022).
Em termos de gênero, os homens morrem mais por suicídio, enquanto as mulheres apresentam mais tentativas.
Em relação à raça e etnia, estudos brasileiros apontam taxas mais altas de suicídio entre populações indígenas, sobretudo em adolescentes, evidenciando desigualdades sociais e falta de acesso a serviços de saúde mental.
Estado civil
O maior risco ocorre entre pessoas solteiras, divorciadas ou viúvas, pela maior probabilidade de isolamento social e solidão.
Orientação sexual
Pessoas LGBTQIAPN+ apresentam taxas de ideação e tentativa de suicídio até quatro vezes maiores que a população geral, segundo meta-análises recentes. Fatores como rejeição familiar, discriminação e violência estão diretamente associados ao risco. No Brasil, pesquisas têm mostrado prevalência particularmente alta em jovens trans.
Problemas de saúde
Doenças crônicas, como:
- Câncer
- HIV/AIDS
- Doenças cardíacas
- Diabetes
- Doenças autoimunes
Podem estar associadas ao aumento do risco, especialmente quando acompanhadas de dor crônica, incapacidade funcional e estigma social. Estudos recentes destacam ainda o papel de doenças neurológicas, como epilepsia e esclerose múltipla, no aumento do risco de suicídio.
Fatores de proteção para o suicídio
Identificar fatores de proteção é tão importante quanto mapear os de risco, pois eles podem reduzir significativamente a vulnerabilidade.
Relacionamentos saudáveis e de confiança são um dos maiores fatores protetores. A coesão social comunitária também exerce efeito protetivo comprovado, especialmente em grupos de jovens.
Acesso a cuidados de saúde mental
O acesso oportuno a tratamento baseado em evidências (como terapia cognitivo-comportamental e uso adequado de psicofármacos) pode reduzir em até 50% o risco de recorrência de tentativas.
Religiosidade e o enfrentamento do suicídio
A prática religiosa ou espiritual pode fornecer suporte social, resiliência e senso de propósito. Contudo, o efeito protetivo varia conforme o contexto: quando a religião é usada como espaço de acolhimento, exerce proteção; mas em contextos de exclusão (ex.: LGBTQIAPN+ em ambientes religiosos hostis), pode aumentar o risco.
Estilo de vida saudável
Uma alimentação equilibrada, prática regular de atividade física e qualidade do sono estão associados a melhor regulação emocional e redução do risco de ideação suicida.
Qual a diferença entre fatores modificáveis e não modificáveis?
Os fatores de risco e proteção para o suicídio podem ser classificados como modificáveis ou não modificáveis, dependendo da capacidade de uma pessoa ou da sociedade em alterá-los.
Fatores modificáveis e não modificáveis
- Não modificáveis: idade, sexo, histórico familiar, genética, traumas passados.
- Modificáveis: abuso de substâncias, saúde mental não tratada, isolamento social, acesso a meios letais (ex.: armas de fogo, pesticidas), estigma social.
A restrição de acesso a meios letais é considerada uma das medidas mais eficazes de prevenção em nível populacional, segundo a OMS.
Cuidados necessários com pacientes em risco de suicídio
Diversas escalas podem ser utilizadas, mas nenhuma substitui a escuta empática. A entrevista clínica estruturada, com exploração de ideação, planejamento, intenção e fatores de proteção, continua sendo o padrão-ouro. O estabelecimento de um plano de segurança (safety plan), que inclui estratégias de enfrentamento, identificação de pessoas de apoio e restrição de acesso a meios letais, é hoje uma recomendação internacional para manejo clínico imediato.

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