A condução da sedação no paciente crítico exige precisão, regularidade e, sobretudo, contextualização clínica. A Escala de Ramsay, apesar de simples, continua sendo uma ferramenta útil para guiar esse processo, especialmente quando o médico integra a graduação da sedação ao manejo global do sofrimento. Entretanto, para que a escala funcione de forma adequada, o profissional precisa antes compreender as múltiplas fontes de sofrimento que permeiam a experiência do paciente crítico.
Assim, qualquer uso da Ramsay começa pela avaliação criteriosa do quadro clínico, pela identificação de variáveis fisiológicas que causam desconforto e pela implementação de medidas não farmacológicas que, associadas ao tratamento da dor, reduzem a necessidade de sedação. Somente após essa etapa inicial a Escala de Ramsay passa a oferecer uma medida confiável para orientar a titulação de sedativos.
Avaliação inicial do paciente crítico
A avaliação inicial sempre envolve a distinção entre sofrimento e agitação. Muitos pacientes intubados demonstram inquietação não porque carecem de sedação, mas porque enfrentam:
- Hipoxemia
- Febre
- Abstinência
- Desconforto ventilatório
- Acidose
- Ou dor não identificada.
Por essa razão, o médico precisa reconhecer que a sedação não substitui o manejo adequado da doença de base. Quando o profissional investiga de forma ativa cada causa reversível, ele reduz o sofrimento fisiológico e, consequentemente, diminui a demanda por sedativos.
Além disso, a equipe deve compreender que esses pacientes raramente apresentam um único sintoma. A dor, por exemplo, surge de dispositivos invasivos, procedimentos rotineiros e imobilidade prolongada. A ansiedade aumenta pela sensação de perda de controle e pela incapacidade de comunicação. O delírio, por outro lado, resulta de fatores metabólicos, hemodinâmicos, infecciosos ou neurológicos e contribui para a desorganização do comportamento. Assim, o uso precoce de uma escala de sedação só faz sentido após o reconhecimento e o manejo dirigido desses três domínios.
O profissional também precisa considerar que muitos sobreviventes à ventilação mecânica descrevem lembranças de dor moderada a intensa durante a internação. Dessa forma, a analgesia adequada se torna não apenas um requisito ético, mas também um componente fundamental da sedação responsável. Quando a equipe controla de modo eficaz a dor e a ansiedade, ela reduz a necessidade de sedação profunda e melhora os desfechos respiratórios e cognitivos.
Intervenções não farmacológicas antes da sedação
A Escala de Ramsay não funciona de forma isolada. O médico precisa entender que diversas intervenções não farmacológicas reduzem o sofrimento e tornam a aplicação da escala mais precisa. Antes de administrar fármacos, a equipe deve ajustar o ambiente, reduzir estímulos nocivos e estabelecer uma comunicação clara com o paciente. Essas ações, embora simples, geram impacto significativo no bem-estar e diminuem a necessidade de aumentar doses de sedativos.
A comunicação efetiva, por exemplo, diminui o medo e a sensação de aprisionamento que muitos pacientes relatam durante a ventilação mecânica. Quando a equipe usa a língua preferida do paciente, ela melhora o entendimento, reduz inseguranças e evita intervenções como contenções físicas. A adequação do ambiente também desempenha papel importante, sobretudo durante a noite, quando a manutenção de ciclos regulares de sono e vigília contribui para reduzir delírio e ansiedade.
Além disso, abordagens sensoriais como música terapêutica promovem relaxamento e diminuem a necessidade de profundidade sedativa. Técnicas como massagem, reposicionamento confortável, fisioterapia precoce e envolvimento da terapia ocupacional também complementam o manejo. Assim, o médico cria um terreno mais estável para que a Escala de Ramsay possa ser aplicada com segurança e coerência.
Como integrar a Escala de Ramsay ao início da sedação
A aplicação da Escala de Ramsay começa somente após o tratamento das causas reversíveis de sofrimento e a implementação das medidas não farmacológicas. Nesse momento, o profissional define a meta de sedação com base no objetivo clínico, na condição hemodinâmica e no padrão ventilatório. A definição da meta orienta a escolha do agente, o início da titulação e a previsão de resposta.
Sedação leve
O médico normalmente busca sedação leve quando deseja manter o paciente interativo, confortável e responsivo. Por isso, níveis entre 2 e 3 da escala se tornam adequados para pacientes estáveis, sem necessidade de ventilação protetora rígida ou bloqueio neuromuscular.
Sedação profunda
Entretanto, em situações de ventilação muito desconfortável, de dispneia intensa ou de risco de autoextubação, níveis entre 3 e 4 podem oferecer melhor sincronia com o ventilador. Em cenários mais graves, como a ventilação protetora no contexto de SDRA, o médico pode precisar de sedação mais profunda, com níveis entre 5 e 6, principalmente quando ocorre uso concomitante de bloqueadores neuromusculares.
Escolha do agente sedativo
A escolha do agente sedativo ocorre conforme o sintoma predominante. Quando a dor predomina, opioides se tornam mais eficazes. Quando a ansiedade se destaca, agentes como propofol ou dexmedetomidina exercem efeito mais adequado. No caso de delírio agitado, o médico pode associar antipsicóticos. Em situações de abstinência alcoólica ou benzodiazepínica, benzodiazepínicos e fenobarbital oferecem maior benefício.
Assim, a Escala de Ramsay não determina o fármaco, mas orienta o impacto esperado da intervenção e direciona a titulação contínua.
Como aplicar a Escala de Ramsay à beira do leito?
A aplicação correta da Escala de Ramsay requer padronização. O profissional sempre começa observando a vigília espontânea do paciente. Se o paciente interage de forma adequada, responde a comandos e demonstra tranquilidade, o médico atribui níveis entre 2 e 3. Caso o paciente não responda prontamente, o médico chama pelo nome. Se ainda não houver resposta, o profissional usa estímulo tátil leve e, se necessário, estímulo físico mais intenso, mas sempre seguro.
Cada nível da escala reflete uma combinação entre vigília, cooperação e resposta a estímulos.
- Nível 1 indica ansiedade, inquietação ou agitação
- O nível 2 indica cooperação tranquila
- Nível 3 indica resposta apenas a comandos. Os níveis 4, 5 e 6 refletem sono progressivamente mais profundo, com respostas rápidas, lentas ou ausentes, respectivamente.
Para alcançar consistência, a equipe precisa evitar flutuações no método de estímulo. Um toque brusco ou uma chamada muito intensa podem induzir respostas heterogêneas, prejudicando a avaliação. Dessa forma, a precisão depende tanto da escala quanto da técnica utilizada para aplicá-la.
Abaixo observe a escala de Ramsey:
| +4 | Combativo | Agressivo ou violento, representando perigo imediato para os funcionários. |
| +3 | Muito agitado | Puxa ou remove tubos ou cateteres, comportamento agressivo em relação à equipe. |
| +2 | Agitado | Movimentos frequentes sem propósito ou dessincronia paciente-ventilador |
| +1 | Agitado | Ansioso ou apreensivo, mas com movimentos não agressivos ou vigorosos. |
| 0 | Alerta e calmo | |
| -1 | Sonolento | Não totalmente alerta, despertar sustentado (>10 segundos), contato visual com a voz |
| -2 | Sedação leve | Brevemente (<10 segundos) desperta com contato visual ao ouvir a voz. |
| -3 | Sedação moderada | Qualquer movimento (mas sem contato visual) em resposta à voz |
| -4 | sedação profunda | Nenhuma resposta à voz, nenhum movimento em resposta a estímulos físicos. |
| -5 | Inexcitável | Nenhuma resposta à voz ou à estimulação física. |
Integrando a Ramsay ao manejo da dor, do delírio e da ventilação mecânica
A sedação nunca deve ser avaliada de forma isolada. Para usar a Escala de Ramsay de maneira eficaz, o profissional precisa integrar outras dimensões que influenciam profundamente o comportamento do paciente.
A dor representa a primeira delas. Mesmo quando o paciente se encontra em Ramsay 4 ou 5, ele pode sofrer dor não expressa. A analgesia insuficiente pode mascarar sofrimento grave, que se traduz na necessidade aparente de mais sedação. Portanto, a equipe sempre avalia analgesia antes de qualquer decisão de titulação sedativa.
O delírio constitui a segunda dimensão. A Escala de Ramsay avalia apenas o nível de consciência, e não cognição. Por isso, o médico precisa complementar a avaliação com instrumentos como CAM-ICU. Em muitos casos, o nível de sedação adequado não esclarece a causa da desorganização comportamental, que pode resultar de delírio hipoativo ou hiperativo.
A ventilação mecânica representa a terceira dimensão. O objetivo ventilatório determina a meta de sedação. Assim, o profissional ajusta a Ramsay conforme a fase da ventilação, o padrão respiratório, a sincronia com o ventilador e o risco de autoextubação. Dessa forma, a escala funciona como um marcador de segurança ventilatória e como uma ferramenta de ajuste fino da estratégia respiratória.
Prevenindo sedação excessiva com o uso adequado da Ramsay
A sedação excessiva prolonga a ventilação mecânica, aumenta complicações infecciosas e piora desfechos. O uso adequado da Escala de Ramsay reduz esse risco, porque permite que o médico ajuste de forma contínua e segura a profundidade sedativa. Quando o nível de Ramsay ultrapassa a meta estabelecida, o profissional reduz a dose do agente sedativo, observa a resposta fisiológica e reavalia.
Além disso, o médico pode adotar estratégias como bolus intermitentes, interrupção diária da sedação e protocolos estruturados. Essas abordagens evitam acúmulo de drogas, melhoram a avaliação neurológica e reduzem o tempo de ventilação mecânica. A Escala de Ramsay orienta todas essas intervenções porque fornece um parâmetro confiável sobre a profundidade sedativa desejada.
Reavaliação contínua e adaptação das metas
O uso da escala não termina quando o paciente atinge a meta. A equipe precisa reavaliar continuamente o escore e adaptar a estratégia de sedação conforme a evolução clínica. Durante períodos de instabilidade respiratória, a meta pode oscilar para níveis mais profundos. À medida que o paciente melhora, o médico reduz gradualmente a sedação e direciona a meta para níveis mais leves. Antes de procedimentos, após ajustes ventilatórios e durante transições clínicas importantes, o profissional sempre reavalia o escore.
Dessa maneira, a Escala de Ramsay não atua como ferramenta estática, mas como instrumento dinâmico dentro de uma estratégia integrada de sedação, analgesia e manejo global do paciente crítico.
Conheça nossa Pós em Terapia Intensiva
Formação prática, professores de UTI de alta complexidade e tudo o que você precisa para dominar o cuidado ao paciente crítico.
Referências bibliográficas
- WIESE, C. H. R.; et al. Sedative analgesia in ventilated adults: Management strategies, agent selection, monitoring, and withdrawal. UpToDate. Acesso em 28 de Novembro de 2025.
- GRELLA, J.; et al. Procedural sedation in adults in the emergency department: General considerations, preparation, monitoring, and mitigating complications. UpToDate. Acesso em 28 de Novembro de 2025.
