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Escala de Hunt e Hess e a importância de uma anamnese bem feita | Colunistas

Escala de Hunt e Hess e a importância de uma anamnese bem feita | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A escala de Hunt e Hess foi criada para avaliação de hemorragia subaracnóidea, também chamada de HSA, geralmente apresentada como cefaleia, síncope, perda dos movimentos e da visão e rigidez nucal.

A escala avalia os graus destes sinais e sintomas para melhor determinar a conduta médica e cirúrgica, bem como o prognóstico de cada caso, por isso a importância de uma anamnese e exame físico de qualidade.

Seu uso está cada vez mais elevado devido à alta mortalidade nos casos de hemorragia subaracnóidea e sua rápida progressão, podendo o médico ser responsável por danos cerebrais irreversíveis se demorar no atendimento e diagnóstico.

Hemorragia subaracnóidea

Para melhor uso da Escala de Hunt e Hess, é necessário compreender a fisiopatologia de uma hemorragia subaracnóidea e como ela ocorre, visando diagnósticos mais rápidos e precisos.

Anatomia cerebral

Ao redor do córtex cerebral, nós temos três meninges importantes tanto para a manutenção da homeostasia dentro da caixa craniana bem como para a proteção contra choques mecânicos. A mais externa e mais espessa é chamada dura-máter, logo abaixo é possível encontrar a meninge aracnoide e, por fim, mais internamente, temos a pia-máter.

Entre a dura-máter e a meninge aracnóidea não existe espaço, este aparece apenas em casos de anormalidades como hemorragias subdurais. Já entre a aracnoide e a pia-máter, é possível visualizar um espaço chamado subaracnóideo, por onde passam os vasos sanguíneos e circula o liquido cefalorraquidiano.

A meninge mais externa, dura-máter, é envolvida pelo osso craniano, razão pela qual não se esperam grandes variações volumétricas. Quando algum dos componentes da caixa craniana aumentam de volume, como o fluxo sanguíneo que percorre os vasos cerebrais, o liquido cefalorraquidiano e até tumorações, o equilíbrio e a pressão interna começam a ficar desregulados.

Legenda: na imagem é possível visualizar as meninges e o espaço subaracnóideo, local que será preenchido por sangue nos casos de HSA.

O que pode causar a hemorragia

Como já descrito, os vasos sanguíneos estão localizados no espaço subaracnóideo, sendo assim, qualquer rompimento causará acumulo sanguíneo nessa região.

A causa mais comum de hemorragia subaracnóidea é o aneurisma cerebral que, ao se romper, dissemina o líquido que fluía no vaso sanguíneo pelo espaço subaracnóideo.

O aneurisma nada mais é do que uma dilatação anormal do vaso sanguíneo, geralmente em bifurcações, formando uma “bolsa” de sangue que pode se romper a qualquer momento. Ele se apresenta como um grande desafio para a medicina devido a sua progressão silenciosa, seus sinais e sintomas aparecerem somente no momento em que o aneurisma é rompido e demandar atenção urgente e imediata.

Escala de Hunt e Hess

Fonte: Hunt WE, Hess RM. Surgical risks as related to time of intervention in the repair of intracranial aneurysms. J Neurosurg 28:14-20, 1968.
Legenda: na imagem é possível identificar os graus de HSA determinados por Hunt e Hess em 1968.

Como já mencionado, essa escala é utilizada junto à outras escalas importantes como a Escala de Fisher e Escala de Glasgow para determinação de conduta médica adequada e prognóstico nos casos de hemorragia subaracnóidea. As características dos sinais mais importantes indicados na tabela serão expostas adiante.

Os primeiros graus da escala são os de mais difícil diagnóstico, portando é importante que, sob qualquer suspeita de hemorragia subaracnóidea, o paciente passe por novos exames de imagem, avaliações e outras escalas, de forma a impedir que ocorra erro diagnóstico, expondo a vida do paciente a um risco que poderia ser evitado.

Para saber mais sobre outras escalas utilizadas na avaliação de HSA clique aqui.

Fisiologia dos sinais e sintomas

O exame físico do médico responsável deve ser impecável de modo a evitar possíveis atrasos no diagnóstico e consequentemente atrasos no tratamento que será adotado, tempo este que pode fazer a diferença em um paciente com hemorragia de grau avançado.

Cefaleia

Nos casos mais comuns de hemorragia subaracnóidea, causados por aneurismas, a cefaleia é súbita e intensa. Este sinal é usado como grande marcador de HSA e, quando associado a outros sinais importantes como rigidez nucal, síncope ou déficits focais, o diagnóstico é quase certo, sendo comprovado pelo exame complementar de tomografia.

Rigidez nucal

A rigidez de nuca é o sinal clássico e indicativo de irritação meníngea. Pode ser descoberta através de exame físico onde, com o paciente em decúbito dorsal, o avaliador posiciona uma das mãos na região occipital e realiza flexão da cabeça em direção ao torso. O sinal é positivo quando há presença de resistência muscular no desenvolver do movimento, resultando em incapacidade de fletir totalmente o pescoço.

Déficits focais

Os déficits focais são percebidos quando ocorre grande acúmulo de sangue no espaço subaracnóideo, pois quando essa quantidade é pequena, o corpo é capaz de controlar e manter o equilíbrio homeostático. Sendo assim, a perda da visão não é constatada em casos de HSA de graus menores como 0, I e II.

Quando a quantidade de sangue ultrapassa o limite do equilíbrio homeostático, a pressão no interior da caixa craniana aumenta, pois, como já dito, o osso craniano não tolera grandes mudanças de volume. Com a hipertensão instalada, o nervo óptico começa a ser pressionado resultando em papiledema, inchaço do nervo na porção retinal, e perda parcial ou total da visão.

A hipertensão intracraniana é uma das complicações da hemorragia subaracnóidea, para saber mais clique aqui.

Hemiparesia

A hemiparesia é caracterizada pela perda dos movimentos de um dos lados do corpo, geralmente no lado oposto ao acometido na região cerebral. Acontece por compressão dos pares de nervos cranianos, o que resulta na perda do controle neural sob funções comuns do corpo, como movimentar um membro.

Rigidez em descerebração

A descerebração é a posição do paciente que indica lesão cerebral abaixo do tronco encefálico. É caracterizada por extensão dos membros inferiores, bem como da articulação do cotovelo e flexão do punho.

Importante reiterar a diferença entre descerebração e decorticação. Na segunda, o paciente realiza flexão tanto na articulação do cotovelo quanto no punho, indicando lesão acima do tronco encefálico.

Posturas Patológicas: Decorticada e Descerebrada
Legenda: a imagem mostra a diferença entre descerebração e decorticação, importante para diferenciação da localização da lesão cerebral.

A importância do exame físico

Com o passar dos anos, a clínica médica vem perdendo espaço em meio ao avanço da tecnologia, sua disponibilidade e praticidade, dando margem a inúmeros exames complementares errados e até desnecessários, que poderiam ser evitados com um exame físico de qualidade.

Os aneurismas cerebrais apresentam alto índice de mortalidade e progressão rápida pós rompimento, exigindo do médico uma percepção mais acurada no quesito diagnóstico. Ao realizar a avaliação dos graus de hemorragia subaracnóidea pela Escala de Hunt e Hess, o médico é capaz de direcionar sua conduta de forma a melhor atender e cuidar mais rápido do paciente. Entretanto, para que essa quantificação ocorra, o médico deve ser capaz de realizar um ótimo exame clinico e físico.

A clínica é soberana e a medicina é baseada em evidências, ou seja, o médico deve ter a capacidade de apresentar suposições diagnósticas no momento em que um paciente com hemorragia subaracnóidea entrar no hospital e, assim, realizar os exames corretos, de forma que não perderá tempo e nem colocará a vida do paciente em risco. Sabendo os sinais e sintomas mais comuns e a forma correta de avaliação, o profissional poupa a si mesmo e ao paciente de atendimento demorado e de possíveis sequelas neurológicas.

Como já dizia Imanuel Kant, “Quem não sabe o que busca, não identifica o que acha.”.

Conclusão

Evidencia-se que tanto a anamnese quanto o exame físico, realizados pelo médico durante o atendimento de emergência a um paciente com hemorragia subaracnóidea, fazem toda a diferença. Um rápido diagnóstico acelera a execução dos exames complementares realmente necessários para comprovação do quadro de HSA.

A adoção da Escala de Hunt e Hess contribui para melhor determinação da conduta médica que será adotada, o nível de urgência do paciente e se o prognóstico será favorável. Ao utilizar a escala, o médico poupa o paciente de exames exagerados e desnecessários, além de evitar que sequelas neurológicas o prejudiquem devido à má avaliação clínica de urgência.

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O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

BARRETO, C. Como avaliar o prognóstico na hemorragia subaracnóidea. Whitebook. 2017. Disponível em: https://pebmed.com.br/como-avaliar-o-prognostico-na-hemorragia-subaracnoidea/

CARNEIRO, L. Hemorragia subaracnóidea. Instituto de Neurologia de Goiânia, Hospital de Especialidades. 2020. Disponível em: https://www.neurologico.com.br/hemorragia-subaracnoidea/

https://neurologiahu.ufsc.br/files/2012/09/Escalas-Hunt-Hess-e-Fisher-para-HSA1.pdf GONDIM, I. Escala Hunter e Hess e seu uso na HSA. Sanarmed. 2020. Disponível em: https://www.sanarmed.com/escala-hunter-e-hess-e-seu-uso-na-hsa-colunistas