As emergências cirúrgicas representam situações críticas onde a intervenção médica imediata é essencial para preservar a vida, a função de órgãos vitais e prevenir complicações graves. Estes cenários desafiadores exigem não apenas habilidades técnicas avançadas dos profissionais de saúde, mas também uma capacidade de tomada de decisão rápida e precisa.
Quando falamos de emergências cirúrgicas, nos referimos a uma ampla gama de condições que variam desde traumas abdominais e torácicos, apendicite aguda, perfurações gastrointestinais, até complicações de doenças crônicas como a doença arterial periférica.
Apendicite aguda: diagnóstico e tratamento
Apendicite aguda é uma inflamação do apêndice, uma pequena estrutura em forma de dedo localizada no ceco, a primeira parte do intestino grosso.
Se não tratada rapidamente, pode levar à ruptura do apêndice, peritonite e outras complicações graves.

Diagnóstico de apendicite
O diagnóstico da apendicite aguda é baseado em uma combinação de avaliação clínica, exames laboratoriais e exames de imagem.
História clínica e exame Físico
Os pacientes geralmente apresentam dor abdominal inicial difusa que se localiza no quadrante inferior direito do abdômen (ponto de McBurney) nas próximas 12 a 24 horas. Além disso, outros sintomas incluem náuseas, vômitos, anorexia e febre baixa.
Portanto, durante o exame físico, pode haver dor à palpação no quadrante inferior direito, sinais de rebote (dor ao retirar rapidamente a mão após palpação), e sinais específicos como o sinal de Rovsing (dor no quadrante inferior direito ao pressionar o quadrante inferior esquerdo) e o sinal do psoas (dor ao estender a perna direita contra resistência).
Exames laboratoriais
Geralmente no hemograma mostra-se leucocitose (aumento do número de glóbulos brancos) com neutrofilia bem como a proteína C reativa pode estar elevada, indicando inflamação.
Exames de imagem
Os principais exames são:
- Ultrassonografia abdominal: primeira linha em pacientes jovens e grávidas. Pode mostrar um apêndice aumentado e não compressível, fluido livre e sinais de inflamação
- Tomografia computadorizada (TC): é o padrão-ouro para o diagnóstico de apendicite em adultos, especialmente quando o diagnóstico é incerto. Assim, a TC pode identificar um apêndice distendido, espessamento da parede apendicular, estrias inflamatórias na gordura mesentérica e abscesso periapendicular
- Ressonância magnética (RM): pode ser utilizada em grávidas quando a ultrassonografia não é conclusiva.
Emergências cirúrgicas: tratamento do apendicite
O tratamento da apendicite aguda é primariamente cirúrgico, com algumas opções de tratamento conservador em casos selecionados. Pode-se realizar uma apendicectomia:
- Cirurgia aberta: envolve uma incisão no quadrante inferior direito (incisão de McBurney) para remover o apêndice
- Cirurgia laparoscópica: técnica minimamente invasiva que envolve pequenas incisões e o uso de um laparoscópio para visualizar e remover o apêndice. Assim, as principais vantagens incluem menor dor pós-operatória, recuperação mais rápida e menor risco de infecção da ferida.
Hemorragia interna nas emergências cirúrgicas
A hemorragia interna é uma das condições mais graves e desafiadoras enfrentadas em emergências cirúrgicas. Dessa forma, caracteriza-se a hemorragia pelo sangramento dentro do corpo, sem sinais externos visíveis, a hemorragia interna pode rapidamente levar ao choque hipovolêmico e à morte se não for diagnosticada e tratada imediatamente.
Causas da hemorragia interna
Trauma contuso, como os resultantes de acidentes de trânsito, quedas e agressões, pode causar lesões em órgãos internos, incluindo fígado, baço, rins e vasos sanguíneos. Já os traumas penetrantes, causados por ferimentos de armas de fogo ou objetos pontiagudos, podem lesar diretamente os vasos sanguíneos e órgãos internos, exigindo intervenção cirúrgica rápida para controle do sangramento e reparo dos tecidos danificados.
Doenças gastrointestinais também podem levar a hemorragia interna. Úlceras pépticas, por exemplo, podem causar perfuração da parede gastrointestinal e sangramento na cavidade abdominal, enquanto a diverticulose pode resultar em sangramentos intestinais significativos.
Além disso, as doenças vasculares são outra causa importante de hemorragia interna. A ruptura de um aneurisma de aorta abdominal pode provocar um sangramento massivo e rápido, frequentemente fatal se não tratado imediatamente.
Diagnóstico da hemorragia interna
Inicialmente, sinais vitais como hipotensão e taquicardia, junto com sintomas como dor abdominal ou torácica, avaliam a suspeita de sangramento. Exames laboratoriais, como hemograma completo, podem indicar anemia e queda no hematócrito, enquanto um coagulograma ajuda a identificar coagulopatias. Além disso, os exames de imagem são fundamentais.
Por exemplo, utiliza-se a ultrassonografia FAST em emergências para detectar fluido livre na cavidade abdominal, já tomografia computadorizada (TC) fornece uma avaliação detalhada da localização e extensão da hemorragia, em pacientes estávies. Esses métodos diagnósticos combinados permitem uma rápida identificação e localização do sangramento, essencial para o tratamento eficaz da hemorragia interna.
Tratamento
O manejo da hemorragia interna envolve várias etapas críticas que começam com a estabilização imediata do paciente, seguida de um diagnóstico preciso da fonte de sangramento, e culminam com a intervenção cirúrgica ou endovascular adequada. Esses passos são essenciais para prevenir complicações graves e melhorar os desfechos dos pacientes.
Primeiramente, a estabilização inicial é fundamental. Isso inclui a reposição volêmica, que consiste na administração de fluidos intravenosos e hemoderivados para corrigir a hipovolemia, essencial para manter a perfusão dos órgãos vitais. Além disso, realiza-se o controle hemodinâmico através do monitoramento contínuo dos sinais vitais e da função cardiovascular, garantindo detecção de quaisquer alterações críticas.
Em seguida, dependendo da localização e gravidade do sangramento, a intervenção cirúrgica pode ser necessária. Em casos de hemorragia intra-abdominal não controlável por outros meios, realiza-se uma laparotomia de emergência realizada.
Além disso, para pacientes com hemotórax massivo ou lesões traumáticas no tórax, a toracotomia é indicada. Alternativamente, em situações específicas, procedimentos de cirurgia endovascular, como a embolização de vasos, pode controlar o sangramento sem a necessidade de cirurgia aberta, minimizando a invasividade e acelerando a recuperação.
Obstrução intestinal
A obstrução intestinal é uma emergência cirúrgica que ocorre quando há um bloqueio parcial ou completo no intestino, impedindo a passagem do conteúdo intestinal. Esta condição pode afetar tanto o intestino delgado quanto o grosso e pode levar a complicações graves, incluindo isquemia intestinal, perfuração e sepse, se não for tratada prontamente.
Causas da obstrução intestinal
A obstrução intestinal pode ser causada por uma variedade de fatores, sendo os mais comuns:
- Aderências: cicatrizes internas que se formam após cirurgias abdominais podem estreitar ou bloquear o intestino
- Hérnias: quando parte do intestino se projeta através de uma fraqueza na parede abdominal, pode causar um bloqueio
- Tumores: crescimentos anormais no intestino ou órgãos adjacentes podem pressionar o intestino e causar obstrução
- Volvo: torção de uma parte do intestino, frequentemente afetando o cólon sigmoide ou ceco
- Intussuscepção: o intestino se dobra sobre si mesmo, mais comum em crianças.
Diagnóstico
Na avaliação clínica, os pacientes frequentemente apresentam dor abdominal em cólica, distensão abdominal, vômitos e ausência de eliminação de fezes ou gases. O exame físico pode revelar distensão abdominal, timpanismo à percussão e sons intestinais aumentados ou ausentes, dependendo do estágio da obstrução.
Os exames laboratoriais, como o hemograma completo, podem mostrar leucocitose, sugerindo inflamação ou infecção, enquanto a avaliação dos eletrólitos séricos é importante para identificar desequilíbrios causados por vômitos e desidratação.
Os exames de imagem são essenciais para confirmar o diagnóstico e determinar a causa da obstrução. A radiografia abdominal pode mostrar níveis hidroaéreos e distensão das alças intestinais. A tomografia computadorizada (TC) é o exame de escolha para avaliar a localização e a causa da obstrução, identificar complicações como isquemia ou perfuração, e guiar o plano de tratamento. A ultrassonografia pode ser útil em alguns casos, especialmente em crianças com intussuscepção.
Na imagem abaixo visualiza-se uma radiografia simples de abdômen realizada em decúbito dorsal, com raios verticais, mostrando uma dilatação significativa das alças intestinais, evidenciando o aspecto característico das pregas coniventes do intestino delgado. Além disso, não há presença de ar no intestino grosso.
Tratamento da obstrução intestinal
O tratamento da obstrução intestinal envolve uma abordagem escalonada com base na causa subjacente, gravidade da obstrução e estado clínico do paciente.
Após o diagnóstico confirmado, a intervenção inicial visa:
- Estabilizar o paciente através da reposição hidroeletrolítica
- Descompressão nasogástrica para alívio da distensão abdominal
- Monitoramento contínuo dos sinais vitais
- Exames laboratoriais para detectar complicações potenciais, como perfuração intestinal ou sepse.
O tratamento definitivo geralmente requer intervenção cirúrgica imediata, como laparotomia de emergência para resolver obstruções completas, bem como remover segmentos intestinais necrosados ou reparar hérnias causadoras de obstrução.
Em alguns casos selecionados, deve-se considerar procedimentos menos invasivos, como a embolização endoscópica. Os cuidados pós-operatórios intensivos são indicados para monitorar complicações e promover a recuperação adequada do paciente, garantindo um manejo eficaz e completo da obstrução intestinal.
Veja também:
Para fixar: caso clínico sobre emergências cirúrgicas
Um homem de 45 anos dá entrada no pronto-socorro com dor abdominal intensa e distensão abdominal há 12 horas. Ele relata episódios de vômito bilioso e ausência de eliminação de fezes ou gases nas últimas 24 horas. Ao exame físico, o paciente apresenta-se hipotenso, taquicárdico e com distensão abdominal marcante, timpanismo à percussão e ruídos intestinais diminuídos. Além disso, o hemograma mostra leucocitose moderada. A radiografia simples de abdômen revela níveis hidroaéreos e dilatação significativa das alças intestinais, sem ar no intestino grosso.
Qual a principal suspeita diagnóstica?
Diante dessas informações, suspeita-se de obstrução intestinal completa. Leva-se o paciente imediatamente para a sala de emergência, onde inicia-se a reposição volêmica agressiva com cristaloides, bem como a administração de antibióticos de amplo espectro.
Além disso, insere-se uma sonda nasogástrica para descompressão e alívio do desconforto abdominal. Após estabilização inicial, uma tomografia computadorizada é realizada para confirmar o diagnóstico e avaliar a causa da obstrução.
Tratamento do paciente com emergências cirúrgicas
Com base nos achados da imagem, que mostram volvo intestinal, decide-se pela intervenção cirúrgica urgente. O paciente é levado ao centro cirúrgico para uma laparotomia exploratória, onde é identificada torção do cólon sigmoide. Realiza-se a desvolvulação e a reperfusão do cólon, com remoção de segmentos comprometidos.
Assim, monitora-se o pós-operatório de perto na unidade de terapia intensiva, com controle rigoroso dos sinais vitais, balanço hídrico e exames laboratoriais para detectar complicações precoces.
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Referências bibliográficas
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- Brunetti A, Scarpelini S. Acute abdomen. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40 (3): 358-67, july/set.
