Saiba tudo sobre as principais mudanças no eletrocardiograma da criança!
O eletrocardiograma é um exame que mostra a atividade elétrica do coração, sendo fundamental para a detecção precoce de condições cardíacas, muitas vezes de origem congênita ou adquirida.
Nas crianças, o eletrocardiograma é realizado de forma similar que nos adultos. Os 10 eletrodos são dispostos em suas posições habituais. Todavia, os eletrodos em membros podem ser colocados no tronco para minimizar artefatos de movimento. Além disso, V3R e V4R são derivações que devem ser sempre realizadas em recém-nascidos e lactentes, a fim de visualizar a atividade do ventrículo direito.
O traçado apresenta algumas peculiaridades devido a questões anatômicas e fisiológicas que são variáveis desde o nascimento, primeiros meses até chegar na puberdade, quando já é muito similar ao exame adulto. Por isso, é importante sempre conferir a idade do paciente, com o objetivo de padronizar os valores de referência, especialmente para a frequência cardíaca, amplitude e duração das ondas e determinação do eixo cardíaco.
Tabela de Davignon
Consultando a Tabela de Davignon, teremos os valores considerados referência para os diversos aspectos, com destaque para a duração da onda P, do intervalo PR e do intervalo QRS, além dos limites de frequência cardíaca e ângulo do eixo do QRS.
Ademais, também estão presentes nessa tabela considerações sobre a amplitude das ondas nas mais diversas derivações que traduzem em números as alterações hemodinâmicas características da transição da vida fetal até atingir o padrão adulto, decorrentes do desenvolvimento da criança.
A Tabela de Davignon, citada anteriormente, é um guia essencial na interpretação do ECG pediátrico. Ela fornece valores de referência específicos para cada faixa etária, considerando as variações normais no traçado do ECG conforme o crescimento da criança. É importante que os médicos estejam familiarizados com essa tabela, pois ela facilita a comparação do ECG da criança com os valores esperados para sua idade, ajudando na identificação de alterações patológicas.
Indicações e importância do eletrocardiograma na criança
Algumas das principais indicações para a realização de um eletrocardiograma infantil incluem:
- Investigação inicial de cardiopatias congênitas;
- Convulsões;
- Episódio de dor torácica;
- Pericardite, miocardite ou endocardite infecciosa;
- Ingestão de drogas;
- História familiar de morte súbita;
- Alterações eletrolíticas;
- Hipotermia;
- Hipertensão arterial;
- Insuficiência cardíaca.
O diagnóstico precoce de doenças cardíacas na infância tem um impacto significativo na evolução clínica da criança. Muitas doenças cardíacas, especialmente as congênitas, podem ser tratadas de forma mais eficaz se diagnosticadas precocemente, evitando complicações e melhorando a qualidade de vida da criança a longo prazo. Portanto, o eletrocardiograma pediátrico é uma ferramenta valiosa nesse processo de triagem e monitoramento.
Relembrando a circulação fetal
Na vida intrauterina, a resistência vascular pulmonar é alta. Dessa forma, as câmaras direitas do coração funcionam em regime de pressão sistêmica, o que provoca padrão de sobrecarga de ventrículo direito nos neonatos.
Outras estruturas peculiares da circulação fetal que merecem ser recordadas são o forame oval, que comunica os átrios; o ducto arterial, o qual comunica aorta e artéria pulmonar; e o ducto venoso, que comunica a veia umbilical com a veia cava inferior.

Eletrocardiograma do Recém-Nascido
É possível notar o padrão de sobrecarga de ventrículo direito: onda R ampla em V1 e onda S profunda em V6, eixo desviado para a direita, onda T de baixa amplitude difusamente, presença de taquicardia sinusal.
Além disso, a onda T deve passar por uma transição em V1 de positiva para negativa em até 48h. Caso ela não se negative, isso sugere existência de hipertensão pulmonar resistente e sobrecarga de ventrículo direito.

Eletrocardiograma de 3 dias a 1 mês de vida
Entre 3 dias e 1 mês de vida, o ventrículo direito ainda é predominante na circulação (com onda R ampla em V1, onda S profunda em V6 e desvio de eixo para a direita).
A onda T, por sua vez, aumenta de amplitude, sendo negativa em V1 (o que, normalmente, estende-se até V3 ou V4= definição de padrão juvenil do ECG). Além disso, taquicardia sinusal é um evento esperado nessa fase.

Eletrocardiograma de 1 mês a 6 meses
Entre 1 e 6 meses, a onda R mantém-se ampla em V1. Todavia, em V2 a onda S é maior ou igual à onda R. Além disso, há presença de onda T negativa de V1-V3 e cerca de 30% dos ECGs nos neonatos apresentam atraso de condução no ramo direito (RSR’ em V1).

Eletrocardiograma da Criança (transição de 1-8 anos) e adolescente
Após 1 ano de idade, a dominância passa a ser do ventrículo esquerdo. Portanto, a onda R não é mais predominante em V1 (S>R), onda R predomina em V5-V6. O eixo elétrico cardíaco se normaliza.
O padrão eletrocardiográfico juvenil (onda T negativa V1-V3) persiste até os 8 anos geralmente. No entanto, em 35% das pessoas, esse padrão pode persistir até os 18 anos e, uma minoria dos adultos (1-3%), pode-se permanecer com esse padrão sem ser um indicativo de doença.

Os adolescentes também apresentam algumas particularidades no exame eletrocardiográfico, tais como:
- Elevação discreta do segmento ST;
- Padrão de repolarização precoce com elevação do ponto J;
- Ondas T altas.
Conclusão
Vimos nesse artigo a respeito do eletrocardiograma na idade pediátrica. Por ser um exame rápido, acessível, não invasivo e indolor, costuma ser empregado na avaliação inicial de diversas condições clínicas, tais como arritmias, cardiopatias congênitas, distúrbios de condução, isquemias, dentre outras.
Devido às peculiaridades anatômicas e fisiológicas que mudam conforme a criança cresce, a interpretação do ECG deve ser feita de acordo com a idade, utilizando tabelas de referência, como a Tabela de Davignon, para garantir um diagnóstico preciso.
Assim, ao lidar com crianças, a interpretação do ECG deve ser feita com uma abordagem cuidadosa, considerando não apenas o padrão fisiológico da criança, mas também o impacto de condições clínicas subjacentes.
Autora: Rafaella Baratta Colla
Instagram: @rafaellabaratta
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Referências
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