A dor é a razão mais comum pela qual as pessoas procuram serviços de saúde e, como queixa apresentada, é responsável por mais de dois terços das visitas aos departamentos de emergência.
Por ser um importante elemento de alerta, a dor capacita o indivíduo a detectar estímulos físicos, químicos e nocivos que estão prestes a causar ou que já tenham causado lesões; dessa forma, possibilita o desencadeamento de reações de defesa ou de retirada, além da indução de atitudes ou de procedimentos destinados à proteção e recuperação do organismo.
De acordo com a International Association for the Study of Pain (2019), “a dor é uma experiência sensorial e emocional aversiva, tipicamente causada por, ou semelhante a, uma lesão tecidual real ou potencial”, sendo, portanto, um produto elaborado a partir da variedade de sinais neurais processados pelo encéfalo.
Fisiologia da dor
Ao abordar a fisiologia da dor, é preciso compreender o percurso realizado desde o momento do estímulo até a percepção, a qual permitirá que a dor seja efetivamente sentida e localizada em uma região específica do corpo.
Nesse contexto, os mecanismos fisiológicos da dor envolvem conceitos fundamentais, como a sensibilização periférica e a neuroplasticidade, que atuam na perpetuação da dor por meio da ação de mediadores bioquímicos nas vias nociceptivas. Além disso, pode-se estabelecer correlações importantes entre inflamação, dor e status psicológico, evidenciando a complexidade da experiência dolorosa.
Dessa forma, pode-se afirmar que a dor chega ao córtex cerebral através de cinco fases distintas e inter-relacionadas:
- Transdução;
- Condução;
- Transmissão;
- Percepção;
- Modulação.
Assim, entender cada uma dessas etapas é fundamental para o manejo adequado da dor e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes.
Transdução
No processo de transdução, a pele, as estruturas subcutâneas, as articulações e os músculos da periferia do corpo humano desempenham um papel fundamental, uma vez que possuem nociceptores que, diferentemente dos receptores somatossensoriais, são simplesmente terminações nervosas livres de neurônios.
Durante a transdução, o estímulo nocivo despolariza o terminal nervoso dos axônios aferentes presentes nas estruturas mencionadas, gerando potenciais de ação que, por sua vez, propagam-se em direção ao sistema nervoso central. Além disso, é importante destacar que a membrana do nociceptor contém receptores especializados capazes de converter a energia térmica, mecânica ou química dos estímulos nocivos em um potencial elétrico despolarizante, iniciando, assim, a transmissão do sinal doloroso.
Condução
Na condução, transmite-se o impulso elétrico pelos axônios aferentes até a raiz dorsal da medula espinhal. Esse processo pode ocorrer por meio de diferentes fibras nervosas, que classificam-se em três grupos principais, de acordo com o diâmetro, o grau de mielinização e a velocidade da condução. Assim, as fibras podem ser:
- Fibra Aβ – de diâmetro grande, mielinizada, com condução rápida;
- Fibra Aδ – de diâmetro intermediário, mielinizada, com condução de velocidade intermediária;
- Fibra C – de diâmetro pequeno, não mielinizada, com velocidade de condução lenta.
Transmissão
Na fase de transmissão, o impulso nervoso leva à liberação de neurotransmissores que se ligam aos neurônios do corno posterior da medula espinal. Por meio dos receptores específicos presentes na medula, geram-se fortes estímulos, seja por esses neurotransmissores, seja por mediadores bioquímicos excitatórios, como o glutamato, a substância P e os fatores de crescimento, ou ainda por mediadores inibitórios, como os opioides endógenos, o GABA e a glicina.
Esses mediadores, por sua vez, são provenientes de três fontes principais: a fibra aferente primária, os interneurônios e a fibra descendente.
Percepção
A percepção acontece quando percebe-se o impulso como dor por meio da integração entre os estímulos nocivos com áreas corticais e do sistema límbico.
Modulação
A modulação da dor possui um valor biológico altamente adaptativo. É através dela que a percepção da dor pode ser suprimida em situações de lesão ou de ameaça iminente, permitindo, assim, uma reação eficiente de luta ou fuga. No ser humano, entretanto, diversas outras causas também podem modular a dor, como motivações pessoais, crenças, espiritualidade, afetividade, vínculo emocional, confiança e sensação de segurança.
Além disso, o sistema modulador desempenha um papel determinante no desenvolvimento e na manutenção de condições dolorosas crônicas, influenciando significativamente a forma como a dor é percebida e experimentada.
A modulação pode ocorrer de duas formas principais: por facilitação, em situações nas quais uma resolução rápida da ameaça é necessária; e por inibição, nos casos em que a dor não é considerada perigosa e pode ser suprimida para priorizar outras respostas fisiológicas ou comportamentais.
Classificação da dor
Classifica-se a dor através de cinco itens principais, de acordo com a região acometida, o sistema envolvido, a característica temporal, a intensidade relatada pelo paciente e a etiologia.
Região acometida
- Cabeça, face e boca;
- Região cervical;
- Ombros e membros superiores;
- Região torácica;
- Região abdominal;
- Coluna lombossacral e cóccix;
- Membros inferiores;
- Região pélvica;
- Região perineal, anal e genital.
Sistema envolvido
Quanto ao sistema envolvido, a dor pode envolver:
- Sistema nervoso central, periférico e/ou neurodegenerativo;
- Fatores psicológicos e sociais;
- Sistema respiratório e/ou cardiovascular;
- Musculoesquelético e/ou tecido conjuntivo;
- Sistema cutâneo, subcutâneo e/ou glandular;
- Sistemas gastrintestinal, geniturinário e outros órgãos ou vísceras.
Característica temporal
Quanto à característica temporal, classifica-se a dor como:
- Contínua ou quase contínua, sem flutuações;
- Contínua com exacerbações;
- Recorrente com regularidade;
- Recorrente sem regularidade;
- Paroxística;
- Combinações.
Intensidade relatada pelo paciente
Quando se fala sobre a intensidade da dor relatada pelo paciente, encontram-se, de modo geral, três classificações principais:
- Leve, moderada e intensa;
- Fraca, moderada e forte;
- Ausente, fraca, moderada, forte e insuportável.
Etiologia
A dor pode ter sua etiologia relacionada a diferentes fatores, como transtornos congênitos ou genéticos, traumas, cirurgias e/ou queimaduras. Além disso, pode ser decorrente de questões infecciosas e/ou parasitárias, apresentar natureza inflamatória, neoplásica, tóxica, metabólica e/ou resultar de irradiação. Outros mecanismos etiológicos incluem causas mecânicas e/ou degenerativas, disfunções e/ou fatores psicológicos, e até mesmo causas desconhecidas, classificadas como criptogenéticas.
Com o avanço do conhecimento na área, essa classificação inicial foi expandida, incorporando uma variedade de síndromes dolorosas. Dessa forma, atualmente, considera-se também: síndromes álgicas generalizadas; síndromes álgicas localizadas; dor craniofacial de origem musculoesquelética; lesões do ouvido, nariz e cavidade bucal; cefaleias primárias; dor de origem psicológica da cabeça e da face; dor decorrente de disfunções musculoesqueléticas das regiões suboccipital e cervical; dor visceral do pescoço; dor de origem neurológica no pescoço, no ombro e na extremidade superior; lesão do plexo braquial; dor nos braços, no ombro e na cabeça; doenças dos membros; causas vasculares; alterações de colágeno; disfunções vasodilatadoras funcionais; insuficiência arterial; e dor de natureza psicológica.
Por fim, é importante destacar que a intensidade da dor pode ser avaliada com o auxílio de diversas escalas, que podem ser unidimensionais ou multidimensionais, dependendo da complexidade do quadro clínico e da necessidade de um entendimento mais aprofundado da experiência dolorosa do paciente.
Manejo do paciente com dor
Para a abordagem da pessoa com dor, os princípios éticos da beneficência e não-maleficência fornecem um aporte moral ao paciente.
A falta de respeito à autonomia do paciente e às escolhas sobre as diversas intervenções analgésicas devem incorporar as preferências do paciente, sempre que possível.
Além disso, para que se consiga um tratamento da dor satisfatório, o médico deve, primeiramente, reconhecer e avaliar a dor por meio da variedade de instrumentos de avaliação padrão disponibilizados para o profissional.
Ademais, é importante ressaltar que existem alguns grupos (crianças e idosos, por exemplo) que possuem risco aumentado para o tratamento inadequado da dor. Desse modo, é extremamente necessário o cuidado e avaliação atenta da situação.
Conclusão
De modo geral, não há dúvidas de que a dor é muitas vezes uma experiência traumática e
com repercussões na personalidade do paciente. A relação do paciente com esse sintoma produz sentimentos que podem interferir diretamente no processo de recuperação das patologias apresentadas.
Qualquer dor, seja ela aguda ou crônica, de causa conhecida ou desconhecida, possui um componente psicológico que varia de pessoa para pessoa e é influenciado por fatores culturais, étnicos, sociais e ambientais.
Além disso, os tratamentos devem ser levados a sério, visto que, se aplicados inadequadamente, podem resultar em insegurança, ansiedade e outros sentimentos que agravam o quadro e geram desgaste ao paciente e maior gasto na assistência à saúde.
Autoria: Joana D’arc S. Menezes, graduanda em Medicina.
Instagram pessoal: @joanamenezess
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