As doenças linfoproliferativas constituem um grupo heterogéneo de desordens em que ocorre proliferação anormal de linfócitos ou de células do sistema linfóide. De fato, o crescente conhecimento em imunologia, genética e hematologia tem permitido refinar a classificação dessas doenças e, consequentemente, ampliar as opções terapêuticas.
Assim, é fundamental compreender tanto os aspectos “tradicionais”, como a distinção entre linfocitose reativa e clonal e também os avanços recentes em terapias dirigidas, imunomodulação e acompanhamento especializado.
Classificação atual das doenças linfoproliferativas
A classificação das doenças linfoproliferativas (DLP) evoluiu consideravelmente. Inicialmente, a distinção básica era entre linfocitose reativa versus linfocitose maligna ou crônica, porém, atualmente considera‑se a natureza clonal ou policlonal, o subtipo linfocitário (B, T, NK), e ainda as características genéticas e moleculares do clone. Segundo uma fonte de referência, a abordagem em adultos com linfocitose ou linfocitopenia enfatiza esse ponto.
Em linhas gerais, pode‑se agrupar as DLP nas seguintes categorias principais:
- Linfocitose reativa (não‑clonal): provocada por infecções, drogas, estados de ativação imunológica
- Linfocitose monoclonal ou clonal: que inclui, por exemplo, Leucemia Linfocítica Crónica (LLC), linfomas com envolvimento periférico, síndromes de linfocitose T ou NK crónica
- Síndromes linfoproliferativas hereditárias ou associadas a defeitos de apoptose ou regulação imunológica: como o Síndrome Linfoproliferativa Autoinmune (ALPS). Para ilustrar, o ALPS é uma entidade em que há proliferação não maligna de linfócitos, geralmente T CD4‑/CD8‑ (“duplo negativo”), mediada por mutações no gene FAS ou em componentes da via de apoptose.
Assim, por conseguinte, a classificação vai além da simples distinção “linfoma versus não linfoma” e incorpora fenomenologia clínica, imunofenótipo, genética, bem como o comportamento biológico, ou seja, a tendência à progressão, ao envolvimento sistémico ou à transformação maligna.
Em particular, vale destacar que o ALPS, embora raro, é paradigmático de como a classificação de DLP incorpora elementos genéticos e de regulação imunológica. Por exemplo, no ALPS observa‑se linfadenopatia crónica, esplenomegalia, citopenias autoimunes e risco aumentado de linfoma, além de elevação de células T duplo negativas.
Mecanismos e fisiopatologia das doenças linfoproliferativas
Para compreender adequadamente as DLP, deve-se revisar os principais mecanismos envolvidos. Em primeiro lugar, a regulação normal dos linfócitos inclui a ativação frente a antígenos, expansão clonal, seguida de eliminação (por apoptose) das células ativadas ou senescentes. Quando esse equilíbrio se rompe, seja por ativação excessiva, por diminuição da apoptose ou por mutações em genes de regulação, surge a linfoproliferação.
No caso específico do ALPS, o defeito mais característico reside em mutações no gene FAS (ou seja, CD95/APO‑1) ou no ligando FasL, que comprometem a morte celular programada dos linfócitos ativados. Assim, os linfócitos persistem, acumulam‑se nos linfonodos, baço e frequentemente na medula, além de se associarem a autoimunidade.
Além disso, no contexto de linfocitose clonal (como LLC ou linfomas com envolvimento periférico), o mecanismo passa pela proliferação autónoma de um clone de linfócitos (geralmente B) que escapou ao controle normal e frequentemente com mutações em TP53, NOTCH1, del(17p), etc. Conforme a revisão da abordagem ao adulto com linfocitose, essa distinção clonal versus reativa é fundamental.
Outro mecanismo relevante refere‑se à ativação imunológica persistente, por:
- Infecções (ex.: Epstein‑Barr virus)
- Estímulos antigénicos crónicos
- Ou estados de ativação do sistema imunitário, o que pode gerar linfocitose reativa e, em alguns casos, evoluir para clonagem ou predispor à DLP.
Por conseguinte, a fisiopatologia das doenças linfoproliferativas envolve geralmente:
- (a) estímulo de ativação linfocitária
- (b) falha de eliminação/apoptose
- (c) proliferação clonal ou policlonal sustentada
- (d) eventual transformação maligna ou complicações autoimunes.
Em muitos casos, essas fases coexistem ou evoluem de forma dinâmica.
Diagnóstico e avaliação clínica das doenças linfoproliferativas
A avaliação diagnóstica das DLP requer uma abordagem sistemática, integrando história clínica, exame físico, hemograma, morfologia de linfócitos, imunofenotipagem, citogenética/mutacional e, em alguns casos, biópsia de medula ou linfónodo.
História e exame físico
Inicialmente, o clínico deve identificar sinais de alerta como:
- Adenopatias generalizadas
- Esplenomegalia ou hepatomegalia
- Sintomas B (febre, sudorese nocturna, perda de peso)
- Citopenias de causa autoimune (p. ex., anemia hemolítica, plaquetopenia).
No ALPS, por exemplo, é comum a apresentação precoce com linfadenopatia, esplenomegalia e citopenias autoimunes.
Hemograma e contagem de linfócitos
A contagem absoluta de linfócitos (AAL) e a porcentagem de linfócitos no hemograma são o primeiro passo.
Segundo as diretrizes da abordagem em adultos, considera‑se linfocitose em adultos quando o AAL excede aproximadamente 4.000 células/µL.
Morfologia de lâmina e imunofenotipagem
A análise do esfregaço de sangue periférico pode mostrar linfócitos atípicos (como na mononucleose), linfócitos maduros típicos “soccer‑ball” na LLC, ou linfócitos com projeções (“hairy cells”) em leucemia de células pilosas, entre outros.
A imunofenotipagem por citometria de fluxo torna‑se indispensável quando se suspeita de um processo clonal: por exemplo, no ALPS, a presença aumentada de linfócitos T duplo negativos (CD4‑/CD8−) é altamente sugestiva.
Citogenética/mutacional e estudos funcionais
Para doenças como ALPS, investiga‑se mutações em FAS, FASL, CASP10, entre outros, bem como ensaios de apoptose em linfócitos ativados.
Para linfocitose clonal, com frequência utiliza‑se FISH, análise de del(17p), mutação de TP53 ou NOTCH1, conforme o tipo de LLC ou linfoma. Estas informações têm implicações prognósticas e terapêuticas.
Diagnóstico diferencial das das doenças linfoproliferativas
É fundamental distinguir linfocitose reativa de linfocitose clonal ou linfoma/leucemia. A presença de doença infectocontagiosa recente, uso de drogas, esplenectomia ou ativação imunológica são pistas para causa reativa. Em contraste, fatores como contagem elevada persistente, fenótipo aberrante, citopenias, ou achados citogenéticos indicam componente clonal.
No cenário do ALPS, é preciso diferenciar de síndromes como hemofagocitose linfohistiocítica, síndromes autoimunes isoladas ou linfadenopatia inespecífica
Avanços terapêuticos nas doenças linfoproliferativas
Nos últimos anos, os avanços terapêuticos nas DLP têm sido notáveis, tanto na esfera de imunomodulação e terapia alvo, quanto em transplante e seguimento individualizado.
Aqui, destacam‑se dois âmbitos:
- ALPS
- As linfoproliferações clonais mais comuns (como a LLC e linfomas com envolvimento periférico).
Terapia no ALPS
O ALPS requer tratamento dirigido às manifestações (linfadenopatia, esplenomegalia, citopenias autoimunes), bem como consideração de risco aumentado de linfoma. Conforme a revisão, inicialmente utilizam‑se corticosteroides e imunoglobulina intravenosa para citopenias, mas o uso crónico dessas terapias leva a toxicidade.
Mais recentemente, duas terapias emergiram como marcos: o uso de Sirolimus (inibidor de mTOR) e de Mycophenolate Mofetil. O sirolimus mostrou resposta significativa não apenas nas citopenias, mas também na regressão da linfadenopatia e esplenomegalia, bem como redução das células T duplo negativas, e sem causar hipogamaglobulinemia.
De modo mais específico, o uso de sirolimus levou a resolução completa ou quase completa da linfoproliferação em mais de 90 % dos pacientes num centro de referência. Esse avanço representa uma mudança de paradigma no tratamento do ALPS, pois agora dispõe‑se de uma terapia dirigida à via de proliferação/imunorregulação em vez de apenas supressão inespecífica.
Além disso, o acompanhamento e o manejo do risco de linfoma em ALPS requer vigilância sistemática, o que reforça a importância de integrar o hematologista/imunologista no acompanhamento.
Terapia nas linfoproliferações clonais (por exemplo, LLC)
Para a LLC, o panorama terapêutico mudou substancialmente. Conforme a revisão sobre abordagem em adultos com linfocitose/leucemia linfocítica, as terapias alvo como inibidores de BTK (por exemplo Ibrutinib), inibidores de BCL‑2 (como Venetoclax) e anticorpos anti‑CD20 (por exemplo Obinutuzumab) tornaram‑se padrão em populações selecionadas, especialmente em casos com del(17p) ou mutação TP53.
Por exemplo, em estudo de fase III, a combinação ibrutinib‑rituximab superou o regime FCR (fludarabina, ciclofosfamida, rituximab) em pacientes jovens (< 70 anos) sem del(17p) em termos de sobrevida livre de progressão e sobrevida global.
Além disso, o conceito de “espera vigilante” (watch and wait) permanece em casos assintomáticos e de baixo risco. Mas agora a decisão terapêutica depende de fatores de risco genéticos e moleculares, não apenas da contagem de linfócitos ou presença de sintomas B. Ou seja, o tratamento tornou‑se mais personalizado.
Para linfomas com envolvimento periférico ou leucemização, as terapias alvo (por exemplo anti‑CD30 como Brentuximab Vedotin em linfoma de grandes células ou terapias imunomoduladoras em linfomas de células T) também passaram a compor o arsenal terapêutico. Contudo, essa vertente extrapola um pouco o escopo estrito das DLP “clássicas” de linfocitose, mas é relevante para o hematologista que acompanha linfocitose persistente.
Implicações práticas e perspectivas futuras
Dado esse cenário, várias implicações práticas se estabelecem:
- Em primeiro lugar, o diagnóstico precoce e a estratificação de risco são essenciais para definir qual paciente requer tratamento imediato e qual pode ser aguardado com monitorização ativa
- Em segundo lugar, a terapêutica evoluiu de regimes gerais de quimioterapia e imunossupressão para terapias alvo ou moduladoras específicas
- Em terceiro lugar, a monitoração de complicações (como linfoma secundário, infecções, citopenias) tornou‑se parte integral do cuidado a longo prazo
- Em quarto lugar, edições futuras da classificação poderão incorporar cada vez mais perfis genómicos e imunológicos das DLP, permitindo tratamento ainda mais individualizado
- Finalmente, para o ALPS e síndromes afins, provavelmente veremos terapias genéticas ou de correção funcional da via de apoptose no futuro, o que poderá modificar o curso da doença e reduzir o risco de transformação maligna.
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Referências bibliográficas
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