Carreira em Medicina

O básico que todos devem saber sobre a doença de Haff

O básico que todos devem saber sobre a doença de Haff

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A doença de Haff ou Síndrome de Haff é uma doença infecciosa rara e idiopática, que consiste em um quadro súbito de injúria muscular que pode evoluir para um quadro de rabdomiólise.

Causas da doença de Haff

É causada por uma toxina termoestável (assim, não é destruída em altas temperaturas) ainda desconhecida, após a ingestão de peixes e crustáceos de água doce, sem, ainda, uma espécie causadora típica.

Rabdomiólise

É uma síndrome clínico-laboratorial causada pela necrose muscular esquelética, que cursa com aumento da liberação de metabólitos intracelulares para a circulação, causando muita dor, fraqueza muscular, dano renal, e pode levar à morte. Normalmente os pacientes não precisam de muita intervenção, e tem como terapêutica a administração de hidratação endovenosa para que se elimine a mioglobina e diminua a injúria renal.

Quadro Clínico

O quadro clínico da doença de Haff consiste em dor súbita, enrijecimento muscular, mialgia difusa (causada pela lesão da musculatura estriada), dor abdominal, dor torácica, dispneia, dormência, astenia, limitação de movimentos, hepatomegalia (causada por coagulopatias devido à toxina termoestável), edema em membros inferiores (MMII) decorrentes do acúmulo de mioglobina, parestesia (principalmente de membros inferiores), urina com coloração muito escura (cor de “coca-cola”) devido à eliminação da mioglobina, liberada pela miólise, que tende a diminuir gradativamente com o início do tratamento. Os sinais e sintomas estão diretamente relacionados com o aumento de taxas de injúria muscular, e consequente maior agravo da doença.

Imagem 1: Entre os sintomas está a alteração da tonalidade da urina variando entre vermelho escuro e castanho. Fonte: https://garce.org.br/ceara-tambem-registra-casos-de-doenca-que-deixa-urina-escura-e-causa-dor-muscular-2/

Diagnóstico

O diagnóstico da doença de Haff se baseia na suspeita clínica típica (sintomas que começam a surgir entre 2 e 24 horas após a ingestão do peixe), história epidemiológica (paciente que ingeriu peixe de água doce nas últimas 24 horas mais típicos), exames de imagem (como a tomografia computadorizada) e alterações laboratoriais, como:

  • Níveis elevados de creatinofosfoquinase (CPK), taxa que aumenta proporcionalmente à miólise. Quando esta estiver maior que 500 U/L, já consiste em um quadro de rabdomiólise.
  • Níveis elevados de mioglobina.
  • Função renal alterada, como creatinina e ureia que indica, principalmente, a evolução do paciente, e a eficácia da terapêutica utilizada pela equipe.
  • Função hepática alterada, principalmente a transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), mas com aumento também de transaminase glutâmico-pirúvica (TGP).

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial deve investigar:

  • Miopatias congênitas que podem desencadear quadros de miólise.
  • Síndromes tóxicas as quais desencadeiam rabdomiólise.
  • Outras doenças infecciosas que causam miólise.
  • Miosites virais.
  • Rabdomiólise por esforços extenuantes.

Tratamento

Ainda não existe um protocolo para o tratamento da Síndrome de Haff, mas este é baseado na prevenção das complicações do paciente.

O paciente deve ser encaminhado, preferencialmente, para a unidade de terapia intensiva, para que se dê um melhor acompanhamento do quadro e de sua evolução, por se tratar de uma doença de avanço rápido e por muitos fatores de risco desconhecidos.

Deve-se começar a hidratação venosa por 48 a 72 horas, e concomitante acompanhamento das taxas de miólise, para evitar injúria renal, e eliminar a toxina ingerida. Aliado a isso, pode-se administrar bicarbonato de sódio para que se mantenha o ph urinário acima de 6,5 para que se dê nefroproteção.

Pode-se iniciar a crioterapia a fim de evitar a síndrome compartimental e diminuir o edema do(s) membro(s) acometido(s).

Durante a etapa aguda da doença, não se deve utilizar fármacos de excreção renal, como os AINES (anti-inflamatórios não esteroides), para que não piore a função renal.

Síndrome Compartimental

Doença dolorosa, causada pelo aumento da pressão do interstício sobre a pressão de perfusão capilar dentro de um compartimento osteofascial devido ao acúmulo de sangue e edema do tecido, que pode causar o comprometimento de músculos, vasos e terminações nervosas provocando lesão tecidual. Assim, pode ser autolimitada ou necessitar de intervenção cirúrgica, a fim de diminuir a pressão.

Complicações

Se não tratada logo, a doença de Haff pode evoluir rapidamente, ainda mais quando associada à rabdomiólise, causando:

  • Insuficiência renal (IR), causada pela própria doença, ou por administração de medicamentos que causem injúria renal.
  • Síndrome compartimental.
  • Falência múltipla de órgãos (muito rara).
  • Morte.

Conclusão

A doença de Haff é uma doença idiopática que causa miólise súbita, fazendo com que o paciente tenha algum dano renal, podendo levar à morte.

Assim, a doença de Haff precisa ainda ser muito estudada para que se entenda os mecanismos patológicos no corpo humano, para que, assim, se tenha uma terapêutica efetiva.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Doença de Haff associada ao consumo de carne de Mylossoma duriventre – https://www.scielo.br/pdf/rbti/v25n4/0103-507x-rbti-25-04-0348.pdf

Atualização dos Casos de Doença de Haff no estado da Bahia – http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/11/boletinDoencaHaff_no02_2020.pdf

Doença de Haff: Casos de doença relacionada à ingestão de peixe são registrados na Bahia- https://pebmed.com.br/doenca-de-haff-casos-de-doenca-relacionada-a-ingestao-de-peixe-sao-registrados-na-bahia/

Mialgia aguda epidêmica – http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2107 Doença de Haff complicada por falência de múltiplos órgãos após ingestão de lagostim: estudo de caso – https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-507X2014000400407