A palavra misofonia (miso = aversão; fonia = sons) é uma condição caracterizada pela aversão a sons seletivos, normalmente de baixa intensidade, repetitivos e que provocam uma reação emocional forte, abrupta e desproporcional. Contudo, estuda-se pouco a misofonia, sendo pouco conhecida entre os profissionais de saúde.
As percepções e reações causadas pela misofonia, impactam diretamente na qualidade de vida do paciente, afetando por exemplo em suas interações sociais e desempenho no trabalho.
Assim, a principal queixa dos pacientes é a dificuldade de desconectar sua atenção dos sons, seja na hora de dormir ou na realização de atividades diárias, o que explica o comprometimento da qualidade de vida.
Além disso, os pacientes com misofonia tendem a evitar situações nas quais os sons possam ser produzidos e reconhecem a desproporcionalidade das suas reações, as quais não ocorrem quando os sons são disparados por eles mesmos.
Misofonia: conceito e principais causas
A misofonia, também conhecida como Síndrome de Sensibilidade ao Som Seletivo (SSSS) ocorre em paciente com forte aversão a sons específicos. Assim, as características físicas do som, como amplitude e frequência são secundárias e as reações também dependem de fatores não auditivos, como o contexto no qual ocorre.
A apresentação clínica pode incluir uma variedade de emoções negativas, como aborrecimento, ódio, raiva e desconforto. Contudo, as reações ocorrem de forma abrupta e desproporcional.
Ao contrário da hiperacusia, onde os sons são percebidos como dolorosamente altos, a misofonia envolve sons de volume normal, como ruídos ou barulhos repetitivos tipicamente produzidos por outra pessoa, como mastigar, assoviar, teclar, estalar os dedos ou clicar de canetas.
Tem-se proposto que a misofonia possui semelhanças de reação com o zumbido, que é o som interno, percebido bilateralmente nas orelhas ou cabeça. Assim, fala-se que a misofonia e o zumbido estão associados à hiper conectividade entre o sistema auditivo e límbico.
Não compreende-se completamente as causas exatas da misofonia, mas acredita-se que há o envolvimento de fatores neurológicos, psicológicos e genéticos, com relatos de agregação familiar.
Além disso, presume-se que os sintomas misofônicos podem estar associados a quadros como síndrome de Tourette, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), ansiedade generalizada e transtorno esquizotípico, indicando que determinados casos de misofonia possam ser atribuídos a um transtorno psiquiátrico subjacente.
Sintomas de misofonia
Os sintomas da misofonia manifestam-se principalmente de forma comportamental e variam a cada paciente ,incluindo:
- Reação emocional intensa: Provocada através da exposição a sons gatilho, a raiva, ansiedade, irritação ou nojo. Em alguns casos pode desencadear respostas de fuga ou luta, ou ter o medo como principal sintoma.
- Respostas fisiológicas: Os pacientes referem aumento da frequência cardíaca, sudorese, tremores e tensão muscular em resposta aos sons.
- Comportamentos evitativos: Evita-se a exposição a sons gatilho e os pacientes passam a adotar comportamentos como o uso de fones de ouvido, isolamento social ou evitação de situações específicas, como refeições em família.
- Impacto funcional: A misofonia pode interferir significativamente na vida diária, afetando o desempenho no trabalho, nas relações interpessoais e na saúde mental geral.
Contudo, a intensidade das reações pode variar de leve desconforto a forte exacerbação dos sintomas. A exposição repetida a sons gatilho pode levar a uma exacerbação dos sintomas e a um ciclo de aumento da sensibilidade sonora.
Vale ressaltar, que nem todo pacientes experimentam a raiva como principal sintoma e se esta ocorrer, muitos conseguem identificar e controlar a exteriorização das reações, mantendo auto-controle ou se afastando momentaneamente do estímulo.
Diagnóstico e prognóstico da misofonia
Critérios diagnósticos da misofonia
A avaliação clínica para o diagnóstico de misofonia é imprescindível baseando-se principalmente em pontos específicos da história do paciente, como:
- Quando os sintomas iniciaram
- Histórico familiar
- Histórico médico
- Descrição detalhada dos sintomas.
Em artigo, escrito por Schroder et al. 2013, desenvolveu-se seis critérios diagnósticos. Contudo os autores referem que classificar a misofonia como transtorno psiquiátrico seria imaturo, sendo necessários mais estudos sobre o tema:
- A presença ou antecipação de sons específicos produzidos por outras pessoas provoca reação física impulsiva e aversiva, começando com irritação ou repugnância e que instantaneamente se transforma em raiva
- Essa raiva desencadeia profunda sensação de perda de autocontrole com potenciais, mas raras, explosões agressivas
- O indivíduo reconhece que a raiva ou a repulsa é excessiva, não razoável ou desproporcional às circunstâncias ou ao estressor
- O indivíduo tende a evitar a situação misofônica ou, caso não consiga, permanece na situação com desconforto, raiva ou repulsa intensos
- A raiva do indivíduo, aversão ou esquiva causam sofrimento significativo ou interferência significativa na sua vida
- A raiva do indivíduo, aversão ou esquiva não são mais bem explicados por outro transtorno, como transtorno obsessivo-compulsivo ou transtorno de estresse pós-traumático
Não realiza-se exames laboratoriais específicos ou marcadores biológicos para a misofonia e deve-se identificar outras condições que podem ter sintomas semelhantes, como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e hiperacusia.
Contudo, os pacientes podem se beneficiar de uma avaliação estendida, composta por exames de audição, como audiometria de tom puro, o nível de desconforto para sensação de intensidade, emissões otoacústicas e o timbre e a intensidade do zumbido.
Além disso, avalia-se o paciente com suspeita de misofonia através da utilização de questionários padronizados como o Duke Misophonia Questionnaire e o Amsterdam Misophonia Scale. Assim, estes instrumentos ajudam a quantificar a gravidade dos sintomas e o impacto na vida do paciente, facilitando o planejamento do tratamento.
Prognóstico da misofonia
O prognostico de pacientes com misofonia varia significativamente. Assim, em alguns casos, os sintomas podem se estabilizar ou diminuir, através de estratégias e tentativas de tratamento. No entanto, a misofonia pode ser uma condição crônica, especialmente se não for identificada, tendo em vista a melhora significativa da qualidade de vida dos pacientes.
A falta de conhecimento e reconhecimento da misofonia por parte de profissionais de saúde pode levar a um atraso no diagnóstico e manejo. Com isso, pacientes frequentemente relatam frustração e isolamento devido à falta de compreensão de sua condição. Assim, é essencial que os médicos estejam cientes da misofonia e das suas características para proporcionar um cuidado adequado e empático.
Tratamento do paciente com misofonia
Deve-se personalizar o tratamento da misofonia para cada paciente, com a participação da equipe multidisciplinar, considerando a gravidade dos sintomas e o impacto em sua vida diária. Além disso, as abordagens devem incluir intervenções comportamentais, terapias auditivas, associação com utilização de fármacos e estratégias de enfrentamento.
Terapias comportamentais
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC pode ajudar os pacientes a identificar e modificar pensamentos e comportamentos negativos relacionados aos sons gatilho. Assim, técnicas como a reestruturação cognitiva e a dessensibilização sistemática podem ser eficazes, adaptando-se para incluir exercícios de exposição gradual aos sons gatilho, o que ajuda o paciente a reduzir a intensidade de suas reações emocionais.
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): A ACT pode ajudar os pacientes a aceitar suas reações emocionais e comprometer-se com ações alinhadas as suas vontades pessoais, apesar dos sintomas de misofonia.
Terapias auditivas
Terapia de retreinamento do tinnitus (TRT): Originalmente desenvolvida para tratar tinnitus, pode-se adaptar a TRT para misofonia, utilizando-se de sons de banda larga para diminuir a sensibilidade aos sons gatilho.
Uso de dispositivos de mascaramento: A utilização de fones de ouvido que emitem sons suaves e constantes pode ajudar a mascarar os sons gatilho, reduzindo a reação emocional. Assim, pode-se ajustar esses dispositivos para emitirem sons de fundo confortáveis, proporcionando alívio imediato em ambientes onde os sons gatilho são comuns.
Terapêutica farmacológica associada
Ansiolíticos e antidepressivos: Em alguns casos, prescreve-se medicamentos como inibidores seletivos da recaptação de serotonina ou benzodiazepínicos para reduzir a ansiedade e a reatividade emocional.
Estabilizadores de humor: Pode-se considerar seu uso em casos de misofonia grave associada a transtornos de humor. Assim, medicamentos como o lítio ou anticonvulsivantes podem ser usados para estabilizar o humor e reduzir a reatividade emocional.
Estratégias de enfrentamento
Modificação ambiental: Reduzir a exposição a sons gatilho através de mudanças no ambiente, como melhora do isolamento acústico ou reorganização dos espaços de convivência. Além disso, ajustar o ambiente de trabalho ou casa para minimizar os sons gatilho pode proporcionar alívio significativo.
Fones de ouvido e protetores auriculares: O uso de dispositivos para reduzir a exposição a sons indesejados durante atividades específicas, pode trazer conforto. Assim, pode-se usar fones de ouvido com cancelamento de ruído ou protetores auriculares para criar um ambiente auditivo mais controlado.
Apoio psicológico e social
Grupos de apoio: Participar de grupos de apoio pode proporcionar um espaço seguro para compartilhar experiências e com outras pessoas que vivem com misofonia. Além disso, grupos de apoio podem oferecer validação emocional e novas perspectivas sobre estratégias de manejo.
Educação e sensibilização: Informar as pessoas do convívio sobre a misofonia pode aumentar a compreensão e o apoio social, reduzindo o estresse para o paciente. Assim, a educação sobre a misofonia pode ajudar a criar um ambiente mais compreensivo e de suporte.
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Sugestão de leitura complementar
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Referências bibliográficas
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- Sanchez. T, Silva. F. (2017). Familial misophonia or selective sound sensitivity syndrome: evidence for autosomal dominant inheritance?. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84(5):553.559