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A nova classificação etiológica do AVC isquêmico: trajetória histórica, prática atual, a proposta ISPS25 e suas controvérsias

Médico analisando imagens de ressonância magnética e angiografia cerebral durante avaliação neurológica.

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A classificação etiológica do AVC isquêmico costuma refletir o estado da arte da neurologia vascular. Cada sistema criado — do mais rudimentar ao mais sofisticado — resultou diretamente do arcabouço tecnológico e conceitual disponível em sua época. Além disso, como frequentemente ocorre na medicina cerebrovascular, o desafio nunca foi meramente taxonômico, mas clínico: entender por que o cérebro isquemia para, então, decidir como intervir.

Em 2025, a publicação do Ischemic Stroke Phenotyping System 2025 (ISPS25) por Yaghi et al. reacende essa discussão histórica com uma proposta abrangente, ambiciosa e inevitavelmente polêmica. A seguir, organizo o percurso que nos trouxe até aqui.

O que existia antes do TOAST na classificação etiológica do AVC isquêmico?

Até o início dos anos 1990, as tentativas de classificação etiológica eram bem-intencionadas, porém limitadas. Sistemas como o Harvard Cooperative Stroke Registry e o Stroke Data Bank buscavam organizar etiologias, mas esbarravam na escassez de métodos diagnósticos avançados: angiografia pouco difundida, ausência de RM com difusão e ecocardiografia ainda incipiente.

Da mesma forma, modelos sindrômicos como o OCSP (Oxfordshire Community Stroke Project) avançaram ao propor categorias baseadas em fenótipo clínico — úteis para prognóstico, mas insuficientes para inferir mecanismo causal de forma consistente.

Em outras palavras, classificávamos essencialmente pelos déficits, não pelas causas.

TOAST (1993): a era da padronização etiológica

Com o TOAST, a neurologia vascular ganhou a primeira classificação amplamente padronizada e operacionalizável. Seus cinco grupos etiológicos — aterosclerose de grandes artérias, cardioembolia, doença de pequenos vasos, outras causas determinadas e causa indeterminada — tornaram-se a língua franca da prática e das pesquisas clínica e epidemiológica.
O TOAST foi revolucionário por combinar simplicidade e pragmatismo. No entanto, à medida que a neuroimagem evoluiu, suas limitações tornaram-se evidentes:

  • 30–40% dos AVCs permaneciam como “indeterminados”
  • pouca sensibilidade a causas emergentes (ex.: carotid web)
  • necessidade de interpretação subjetiva
  • dificuldade em lidar com múltiplos mecanismos coexistentes
  • pouca valorização de padrões de difusão na RM

Ainda assim, tornou-se o esqueleto sobre o qual todas as classificações subsequentes se apoiariam.

CCS, ASCO, CISS (2007–2015): o refinamento da era da neuroimagem

A chegada da RM com difusão, a popularização da angiotomografia e o uso sistemático de ecocardiograma transesofágico permitiram reinterpretar etiologias e detectar fontes embólicas antes invisíveis.

Nesse contexto, surgiram sistemas mais granulares:

CCS (Causative Classification System)

Ofereceu rigor metodológico, níveis de evidência e possibilidade de automação, reduzindo subjetividade e melhorando concordância interobservador. Além disso, foi eficaz em diminuir o volume de AVCs “indeterminados”.

ASCO (A-S-C-O Phenotyping)

Inovou ao classificar fenótipos concorrentes, reconhecendo a coexistência de mecanismos múltiplos — algo fisiopatologicamente realista.

CISS (Chinese Ischemic Stroke Subclassification)

Adequado a populações com alta prevalência de aterosclerose intracraniana, trazendo nuances relevantes para países não ocidentais.

Como resultado, essas classificações ampliaram o rigor, porém tornaram o processo mais complexo e menos acessível na prática diária.

ESUS: a tentativa de “capturar o invisível”

O conceito de ESUS (Embolic Stroke of Undetermined Source) surgiu para redefinir parte do território “criptogênico” do TOAST. A proposta era fisiopatologicamente elegante: identificar AVCs embólicos sem fonte evidente e direcionar terapias mais eficazes.

Contudo, os estudos pivotais (NAVIGATE-ESUS, RESPECT-ESUS) não mostraram benefício do uso ampliado de anticoagulantes.

Assim, a conclusão implícita foi clara: o problema residia no próprio sistema de classificação, e não no tratamento.

ESUS expôs, portanto, um impasse: sem classificação etiológica precisa, terapias específicas não encontram o alvo adequado.

ISPS25 (2025): um sistema mais amplo, mais integrado e mais exigente

O ISPS25 propõe uma reorganização completa do processo diagnóstico do AVC isquêmico. Em lugar de uma simples redistribuição de categorias, o sistema apresenta um algoritmo estruturado em etapas (‘primeira passada’ e ‘segunda passada’), sustentado por critérios diagnósticos robustos. Seu objetivo central é claro: reduzir ao mínimo a zona cinzenta da etiologia indeterminada.

Entre seus pilares:

Investigação mínima obrigatória ampliada

Inclui RM com difusão, angiotomografia ou angio-RM, ecocardiograma com contraste, monitorização cardíaca prolongada (>24h) e avaliação dirigida para malignidade e estados protrombóticos.

Reconhecimento de mecanismos emergentes

Como carotid web, cardiopatias minor, dissecções sutis, estados hipercoaguláveis e fontes embólicas atípicas.

Classificação causal graduada (definida – provável – possível)

Modelo mais compatível com a lógica bayesiana da prática clínica real.

Estratificação fenotípica dentro dos grandes grupos etiológicos

Cardioembólico, aterosclerótico, pequenos vasos e outras causas determinadas, cada qual com subcategorias e critérios específicos.

Na prática, o ISPS25 tenta unir o melhor do TOAST, ASCO e CCS em um único sistema.

Críticas e pontos de tensão: o entusiasmo científico encontra a realidade clínica

Apesar do mérito científico, o ISPS25 encontra resistência — natural em qualquer mudança de paradigma. Entre as críticas mais contundentes, destacam-se:

  1. Excesso de complexidade
    O sistema é denso, detalhado e depende de exames nem sempre disponíveis, especialmente fora de centros terciários.
  2. Potencial para sobreinvestigação
    Ao expandir a “investigação mínima”, corre o risco de aumentar custos, gerar achados incidentais e tornar a prática onerosa.
  3. Subjetividade residual
    Mesmo com categorias graduadas, a distinção entre “provável” e “possível” pode seguir vulnerável à interpretação individual.
  4. Falta de validação clínica robusta
    Até o momento, não há evidências de que o ISPS25 melhore desfechos clínicos, reduza recorrência ou guie melhor o tratamento.
  5. Barreiras de implementação global
    A depender de recursos avançados, o ISPS25 pode ser pouco aplicável em sistemas com limitações estruturais.

Mesmo assim, tais críticas não invalidam a proposta. Pelo contrário, reforçam que a adoção global exige equilíbrio entre rigor científico e aplicabilidade prática.

Considerações finais

A classificação etiológica do AVC isquêmico evoluiu de esquemas sindrômicos rudimentares para sistemas refinados baseados em fisiopatologia e tecnologia.

Nesse percurso, o TOAST estabeleceu a fundação conceitual sobre a qual tudo o que veio depois se apoiou. Em seguida, o CCS e o ASCO acrescentaram nuances importantes, permitindo análises mais granulares e reduzindo a subjetividade. Além disso, o ESUS ampliou as fronteiras da investigação ao tensionar os limites do diagnóstico embólico, especialmente em casos antes classificados de forma ampla como “criptogênicos”.

Agora, o ISPS25 se apresenta como a tentativa mais abrangente de integrar todas essas abordagens em um único modelo padronizado, detalhado e alinhado à medicina de precisão. No entanto, sua consolidação como a classificação dominante dependerá, de forma decisiva, de algo que nenhuma taxonomia consegue substituir: validação consistente no paciente real.

Enquanto isso, permanecemos em um momento especialmente fértil — e, ao mesmo tempo, necessário — de debate científico. Consequentemente, esse contexto oferece uma oportunidade valiosa para reavaliar práticas, redefinir paradigmas e ajustar o caminho rumo a classificações cada vez mais robustas e aplicáveis.

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