Casos Clínicos: Vaginose

Índice

HISTÓRIA CLÍNICA

VGFVB, 26 anos, casada, estudante, procurou o Ambulatório de Ginecologia para uma consulta de rotina. No interrogatório, mostrou-se ansiosa e com muitas queixas. Referia corrimento branco acinzentado de odor fétido, sem prurido, de longa data; além de dispareunia do tipo profunda desde o início de sua vida sexual (há mais de 3 anos). Em seus antecedentes, negava tabagismo e etilismo. Data da última menstruação há quinze dias, ciclos menstruais regulares e sem uso de contraceptivos. Menarca aos 14 anos, sexarca aos 15 anos, G1P1nA0, sem complicações na gravidez, parto e puerpério. Nega antecedentes patológicos relevantes e refere história familiar positiva para hipertensão arterial.

EXAME FÍSICO

Geral: Bom estado geral, corada, hidratada, anictérica, acianótica, afebril;

Sinais Vitais: PA: 120×80 mmHg, FC: 100 bpm; FR: 18 irpm;

Neurológico: vigil, consciente, orientada no tempo e espaço;

Pulmonar: murmúrio vesicular fisiológico sem ruídos adventícios;

Cardíaco: ritmo cardíaco regular em 2T, bulhas normofonéticas sem sopros;

Abdome: normotenso, ruídos hidroaéreos audíveis, timpanismo fisiológico sem massas palpáveis e indolor;

Membros: ausência de edemas, panturrilhas livres, sem alterações de cor, temperatura e pulsos.

Exame ginecológico

• Mamas: simétricas, sem nódulos, fluxos e retrações. Lesão acneiforme cicatrizada em mama esquerda.

• Genitália: pilificação habitual sem lesões aparentes.

• Especular: secreção branca acinzentada, odor fétido, bolhoso. Colo irregular com ectrópio central volumoso.

• Toque bimanual: útero em anteverso flexão, móvel, volume habitual, anexos livres.

EXAMES COMPLEMENTARES

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1.Quais as hipóteses diagnósticas mais prováveis para o caso clínico?

2.Quais os fatores de riscos associados ao corrimento vaginal?

3.Qual a relação entre o agente etiológico e o quadro clínico apresentado pela paciente?

4.Qual a conduta mais apropriada para esse caso?

5.Qual a importância da abordagem terapêutica em pacientes gestantes ?

DISCUSSÃO

Diante dos sinais e sintomas, foi aventado a seguinte hipótese diagnóstica para a paciente do caso clínico: vaginose bacteriana.

Os corrimentos genitais estão entre as queixas mais frequentes em consultórios ginecológicos, apresentando-se de forma diferente dependendo do fator que o causa. Infecções são frequentemente relacionadas aos corrimentos genitais, e dentre elas as mais comuns são Vaginose Bacteriana, Candidíase e Tricomoníase. O fungo Candida sp., é responsável por 20% a 25% das infecções que levam mulheres ao consultório ginecológico, enquanto o protozoário Trichomonas vaginalis é responsável por 10% a 15%¹.

A Vaginose Bacteriana é a mais prevalente de todas, com aproximadamente 27,5% de prevalência desta na população total.1 A Vaginose Bacteriana (VB) é a infecção vaginal mais frequente e a principal causa de corrimento vaginal anormal em mulheres em idade reprodutiva. Esta síndrome acomete o trato genital feminino inferior, sendo caracterizada por uma acentuada redução na microbiota vaginal normal (constituída predominantemente pelos lactobacilos) e um crescimento exacerbado de uma variedade de bactérias anaeróbicas.

A microbiota normal da vagina, quando em equilíbrio, é composta predominantemente por lactobacilos que metabolizam o glicogênio das células epiteliais vaginais, promovendo a formação de ácido lático que mantém um pH ácido (3,8 a 4,2), inibindo o crescimento de outras espécies bacterianas patógenas e promovendo um mecanismo de defesa local. Os lactobacilos também produzem outros fatores de proteção além dos ácidos orgânicos, como: peróxido de hidrogênio, que inibe o crescimento (principalmente) de anaeróbios, e bacteriocinas 2 .

As bactérias mais comumente associadas à VB são Gardnerella vaginalis, Mobiluncus spp., Bacteroides spp. e Mycoplasma hominis. Essa modificação da composição da flora vaginal leva ao aumento do pH vaginal (>4,5) devido à diminuição acentuada dos lactobacilos produtores de peróxido de hidrogênio com o desequilíbrio do ecossistema vaginal. O principal sintoma associado à VB é uma intensa secreção vaginal homogênea, de coloração branca ou acinzentada, com odor desagradável. Entretanto, metade das pacientes apresenta-se assintomática .3

Por razões desconhecidas, a relação simbiótica da flora vaginal se altera, passando a ter supercrescimento de espécies anaeróbias, incluindo Gardnerella vaginalis, Ureaplasma urealyticum, Mobiluncus spp., Mycoplasma hominis e Prevotella spp. A VB também está associada à ausência ou redução significativa de espécies normais de Lactobacillus (bacilos de Döderlein) produtores de peróxido de hidrogênio. Não foi esclarecido se o ecossistema alterado leva ao desaparecimento de lactobacilos ou se o seu desaparecimento resulta nas alterações observadas na VB, o que se observa é que a VB ocorre tipicamente em pacientes submetidas a sucessivos episódios de alcalinização do meio vaginal. Entre os fatores de risco estão: duchas vaginais, sexo oral (pH da saliva é mais alcalino) frequente, coito durante o período menstrual, múltiplos ou novos parceiros sexuais, embora, a atividade sexual seja um fator de risco, a VB pode ocorrer em mulheres que nunca tiveram relação sexual .4

Para um diagnóstico ginecológico e auxílio na escolha adequada do tratamento, deve-se ficar atento a algumas características do corrimento bem como odor.

O diagnóstico da VB é sindrômico, isto é, baseado em sinais e sintomas clínicos e apoiado por testes laboratoriais, os quais variam em sensibilidade e especificidade.

A VB pode ser diagnosticada usando: critérios clínicos – Critérios Diagnósticos de Amsel, exame microscópico a fresco (a amostra do corrimento é colhida das paredes da vagina com um cotonete), exame Gram (método laboratorial gold standard para o seu diagnóstico) 2, 5.

Ao exame clinico, porém, encontra-se uma vagina sem sinais inflamatórios que pode ou não conter um corrimento cinzento ou com microbolhas e que, ao ser recolhido e lhe instilado hidróxido de potássio a 10% (KOH 10%), exala odor de “peixe” inconfundível. Observa-se também um pH vaginal maior do que 4,5 e, na microscopia a fresco, células guia ou clue-cells 5 .

Clue-cells são células epiteliais vaginais com a membrana recoberta por bactérias, tipicamente de aspecto granular e cujas membranas apresentam bordos não-nítidos 3 .

Clinicamente, o diagnóstico deve conter três dos quatro critérios propostos por Amsel et al., em 1983: a. Corrimento fino e homogêneo; b. Teste de aminas positivo (KOH 10%); c. pH > 4,5; d. Microscopia a fresco com clue-cells 4, 5.

O exame microscópico pode ser feito a fresco ou corado pelos métodos de Gram (padrão ouro para o diagnóstico de VB), Papanicolau entre outros. Evidenciando escassez de lactobacilos e leucócitos e presença de células chave 5 .

Em relação ao tratamento, tem o objetivo no alívio dos sinais e sintomas da infecção, redução das complicações principalmente em gestantes e na redução do risco de outras vulvovaginites, deve ser tratado todas mulheres sintomáticas. O tratamento de escolha mais recomendado é o uso de Metronidazol como utilizado no caso. É importante evidenciar que o Metronidazol é ativo para praticamente todos os anaeróbios. A dose recomendada para a Vaginose Bacteriana é de 500mg de 12 em 12 horas por 7 dias ou Metronidazol gel, 0,75%, um aplicador cheio, via vaginal, 1 vez ao dia por 5 dias. Regimes alternativos com Clindamicina 300 mg, via oral, 2 vezes ao dia por 7 dias 1 .

Não é recomendado na rotina tratar os parceiros, as mulheres devem ser avisadas para realizar abstinência sexual ou usar preservativo durante o tratamento da VB. Com relação ao tratamento de gestantes assintomáticas, o uso de metronidazol é seguro na gestação (categoria B), sem efeitos teratogênicos, porém, para alguns profissionais seu uso é evitado no primeiro trimestre de gestação 1,4,5.

Em gestantes sintomáticos é preciso tratar pois há alto risco para parto prematuro, abortamento, infecção placentária, corioamnionite, ruptura prematura de membranas entre outras 6 .

Tabela 1. Características dos conteúdos vaginais

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZADO/COMPETÊNCIAS

• Identificar um caso clínico de Vaginose Bacteriana;

• Reconhecer os principais fatores de riscos para os corrimentos vaginais;

• Entender os principais diagnósticos diferenciais de corrimento vaginal;

• Entender a importância do tratamento em gestantes;

• Reconhecer a melhor conduta diante de um quadro de corrimento

vaginal. PONTOS IMPORTANTES

• Os corrimentos vaginais são rotina nos ambulatórios de ginecologia deve- -se atentar ao diagnóstico diferencial;

• É importante identificar os principais fatores de risco para Vaginose Bacteriana;

• O aspecto característico do corrimento vaginal pode auxiliar na identificação do seu agente etiológico;

• A abordagem terapêutica e as orientações são importantes para evitar complicações.

Compartilhe este artigo: