Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Torção de testículo

Casos Clínicos: Torção de testículo

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História clínica

Paciente M.H.M., 20 anos, sexo masculino.

Relata que há quatro dias iniciou com dor em testículo direito de forma súbita com piora progressiva. Associado à dor, apresentou náuseas sem vômitos. Não notou irradiação da dor. Diz que não procurou serviço de saúde antes, pois pesquisou na internet sobre dor testicular e acreditou que iria melhorar sozinho. Como não obteve melhora, procurou o hospital. Nega hematúria, disúria ou outros sintomas urinários.

Nega ter tido febre.

Nega ter doenças ou fazer uso contínuo de medicações.

Exame físico

• Sinais vitais: PA 125×90; FC 92bpm; Temperatura axilar = 35,6o C

• Nota-se testículo direito horizontalizado e elevado na bolsa testicular, com hiperemia e espessamento da pele adjacente. Testículo esquerdo tópico, sem alterações.

• À palpação, o testículo e epidídimo direito apresentam-se endurecidos e moderadamente dolorosos ao toque.

• Demais aspectos do exame físico sem alterações.

Prosseguimento do caso após avaliação clínica

Inicialmente, foi prescrita analgesia com anti-inflamatório (cetoprofeno) com melhora da dor. Também foram solicitados exames complementares: laboratório e USG doppler de bolsa testicular.

Exames complementares

Exames laboratoriais

Exame de urina tipo I (EAS) colhido na entrada sem alterações

Usg doppler

Figura 1

Figura 2

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. No exame físico, qual sinal observado aponta para um pior prognóstico em relação à possibilidade de preservação do testículo?

2. Qual outro teste poderia ter sido realizado no exame físico que apontaria para o diagnóstico de torção testicular?

3. Quais são os principais diagnósticos diferenciais?

4. Se indicada cirurgia, em até quanto tempo após o início dos sintomas há maior chance de preservação do testículo?

5. Em eventual abordagem cirúrgica em que se necessite realizar orquiectomia, qual outro passo crucial na cirurgia não pode ser esquecido?

Discussão

Conceitos

Torção testicular e epididimite são as duas principais causas de dor testicular que levam pacientes a procurarem um pronto-socorro. Frente a um paciente que chega ao departamento de emergência com dor testicular, uma avaliação precisa, objetiva e rápida deve ser realizada com o objetivo de identificar alguma situação que necessite de intervenção cirúrgica de urgência.

Na torção testicular, quanto maior o tempo de torção, maior as chances de inviabilidade do testículo na exploração cirúrgica. Acredita-se que o testículo sofre dano irreversível após 12 horas de isquemia, sendo que o processo de infarto e liquefação do testículo se inicia após 6 horas do início do quadro1,2. Pacientes submetidos à orquiectomia devido à torção testicular estão em maior risco de desenvolver infertilidade, mesmo com testículo contralateral normal, pois após a retirada do testículo há uma reação imunológica com formação de anticorpos antiesperma, afetando o funcionamento do testículo remanescente3 .

Existem outras causas de dor testicular, como torção de apêndice testicular, que possui um quadro clínico menos exuberante, geralmente com aparecimento mais lento da dor, que pode ser de leve a severa1 .

A gangrena de Fournier é uma fasceíte necrotizante do períneo. Trata-se de uma infecção grave que gera dor intensa e pode envolver a bolsa testicular. O diagnóstico da Gangrena de Fournier deve ser estabelecido de maneira precoce. Sinais que apontam para sua ocorrência são o edema azulado da região acometida, com crepitação da pele e presença de gás no subcutâneo.

Outras causas menos comuns de dor testicular incluem a orquite de origem viral (notadamente por Caxumba), hérnias inguinais ou inguinoescrotais, dor relacionada à obstrução ductal pós-vasectomia e varicocele.

Epidemiologia e Patogênese

A torção testicular ocorre devido à fixação inadequada do testículo à túnica vaginalis1 . Com isso, há obstrução do fluxo arterial e venoso, gerando isquemia e dor. Quando instalada, a torção ocorre na maioria das vezes no sentido medial (horário) em até 2/3 dos pacientes4 . É uma emergência urológica e acomete mais comumente neonatos e meninos após a puberdade, porém pode ocorrer em qualquer idade5 . Cerca de 40% dos casos de torção testicular ocorre em pacientes com mais de 21 anos6 .

É possível que ocorra torção do testículo após algum insulto traumático ou atividade física, porém ela também pode ocorrer durante o repouso, espontaneamente.

Diagnóstico

O paciente com torção do testículo geralmente se apresenta no serviço de emergência hospitalar com história de dor de início abrupto de moderada a forte intensidade, especialmente doloroso ao toque e com edema. Pode haver apresentação subaguda do quadro, com história de dor testicular intermitente, especialmente em crianças1 . Alguns pacientes podem relatar náuseas e vômitos associados.

Durante o exame físico deve ser observado se há sinais de horizontalização e elevação do testículo, conhecido como sinal de Angel. Esse sinal ocorre devido ao encurtamento do cordão espermático durante a torção. Apesar de ser um sinal característico no exame físico da torção testicular, muitas vezes o edema reacional que ocorre no testículo após a torção pode deixar dúvidas quanto à presença de horizontalização do testículo. A presença do edema é um sinal que ocorre cedo após a torção, porém ele é gradativamente substituído por uma hidrocele reacional após o estabelecimento de necrose e liquefação do testículo. Após 12 a 24 horas do início dos sintomas ocorre o desenvolvimento de hiperemia reacional da pele adjacente a um testículo, sendo este sinal um preditor de inviabilidade da gônada, uma vez que após 12 h do início da torção o testículo já apresenta dano irreversível1,2.

Um teste que pode ser realizado nesses pacientes que ajuda a diferenciar a torção testicular da epididimite é o Reflexo Cremastérico. Como há torção do cordão espermático (incluindo o Cremaster), ao se realizar um estímulo na porção superior da coxa o músculo não contrai, mantendo o testículo na mesma posição. Na epididimite, quando o reflexo é testado, o músculo Cremaster contrai, elevando o testículo.

O exame físico é o suficiente para presumir o diagnóstico de torção testicular em casos típicos, devendo o paciente ser encaminhado para tratamento assim que possível. O ultrassom doppler é o exame complementar de escolha nos casos suspeitos e demonstrará ausência de fluxo vascular no testículo afetado. A sensibilidade do ultrassom doppler varia de 82-100% e a especificidade é de 100%7-9. É importante ressaltar que o Urologista deve sempre ser contatado para dar seguimento ao caso, não devendo o tratamento ser retardado ao se aguardar por exames complementares. Caso não haja ultrassom doppler disponível, a melhor opção é a exploração cirúrgica imediata10.

Tratamento

O tratamento da torção testicular envolve a exploração da bolsa testicular com redução da torção e fixação do testículo acometido. O testículo contralateral também deve ser avaliado e fixado, uma vez que a fixação do testículo na túnica vaginal na maioria das vezes é um defeito bilateral. Em caso de inviabilidade do testículo torcido, com sinais de necrose, a orquiectomia simples deve ser realizada e, se disponível, uma prótese testicular pode ser alocada para substituir o testículo removido. Este último passo também pode ser realizado em um segundo momento, em outra abordagem cirúrgica.

Uma redução manual da torção pode ser tentada, caso não exista previsão para realizar cirurgia nas 2 horas subsequentes ao diagnóstico. Essa manobra aumenta as chances de salvamento do testículo e diminui a dor relacionada à torção1,4. Classicamente, a manobra consiste em girar o testículo no sentido anti-horário, porém é importante ressaltar que até 1/3 dos pacientes fazem torção testicular no próprio sentido anti-horário, o que tornaria a manobra ineficaz4 . Mesmo em eventual sucesso da redução manual, uma cirurgia deve ser realizada na sequência para realizar orquidopexia bilateral e avaliação do testículo afetado.

Pontos importantes

• Frente a um paciente com dor testicular que procura o pronto-socorro, o principal objetivo deve ser descartar a presença de torção testicular com brevidade, pois quanto mais tempo de sintomas, pior o prognóstico para a viabilidade do testículo acometido.

• Sinais no exame físico que apontam para presença de torção testicular são a horizontalização do testículo e ausência de reflexo cremastérico. A presença de edema, aumento do volume do testículo e dor podem ocorrer em outras causas de dor testicular, como orquiepididimites, sendo estes achados de pouco valor diagnóstico.

• O testículo já pode sofrer dano irreversível após 12 h do início do quadro de torção, mesmo período em que se inicia o aparecimento de hiperemia da pele da bolsa testicular, sendo este um sinal de pior prognóstico.

• O exame de escolha para diagnóstico é o Ultrassom Doppler, porém não se deve postergar uma indicação cirúrgica na suspeita do diagnóstico de torção, caso o exame não esteja prontamente disponível.

• Durante a cirurgia para correção da torção testicular, o testículo contralateral deve ser explorado e fixado (orquidopexia), independente do estado de viabilidade do testículo acometido.

• Mesmo que o paciente submetido à orquiectomia por necrose do testículo tenha seu testículo contralateral de bom aspecto e bem fixado após abordagem cirúrgica, há o risco de desenvolver déficit na produção de espermatozoides por mecanismos imunológicos.