Carreira em Medicina

Casos Clínicos: Fibrilação Atrial

Casos Clínicos: Fibrilação Atrial

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HISTÓRIA CLÍNICA

70 anos, masculino, solteiro, natural e procedente de cidade de médio porte, encaminhado ao ambulatório de cardiologia com queixa de cansaço. Paciente refere apresentar quadro de dispneia aos médios esforços e às vezes de forma espontânea. Queixa-se também de tontura ao se levantar. Hipertenso em uso de Hidroclorotiazida (25 mg) 1x/dia, tabagista durante 15 anos, parou há 40 anos.

EXAME FÍSICO

BEG, lúcido e orientado, normocorado e hidratado. Pressão Arterial sentado (braço direito): 110×78 mmHg;

Pressão Arterial deitado (braço direito): 130×90 mmHg. Pressão Arterial tornozelo (sistólica): 120 mmHg. FC: 95 bpm; FR: 22 ipm; Temperatura: 36,8 o C.

Pulso venoso jugular irregular.

Ausência de déficits focais.

Murmúrios vesiculares positivos em ambos os hemitórax, sem ruídos adventícios.

Ictus Cordis localizado no 5º espaço intercostal esquerdo, na linha médio clavicular, medindo duas polpas digitais e impulsivo, Ritmo Cardíaco Irregular, Bulhas Normofonéticas, sem sopros. Pulsos irregulares.

Sem cicatriz, plano, flácido, ruídos hidro-aéreos positivos, sem visceromegalias e massas palpáveis, sem dor à palpação superficial ou profunda.

Ausência de edema ou eritema articular.

Ausência de achados relevantes.

EXAMES COMPLEMENTARES

Figura 1. Exame de Eletrocardiograma.

PONTOS DE DISCUSSÃO

1. Qual o diagnóstico mais provável?

2. Qual a etiologia dessa patologia?

3. Qual importância do Eletrocardiograma e do Ecocardiograma no caso?

4. Qual a principal preocupação com esta patologia?

5. Qual a conduta terapêutica mais apropriada?

DISCUSSÃO

Este senhor apresenta um quadro compatível com fibrilação atrial, uma arritmia supraventricular na qual ocorre uma ativação atrial irregular, rápida e desorganizada, levando os átrios a perderem sua capacidade de contração. O eletrocardiograma na fibrilação atrial é caracterizado por1 ausência de despolarização atrial organizada causando a substituição da onda P, típica do ritmo sinusal, por um tremor de alta frequência da linha de base do eletrocardiograma,2 frequência cardíaca geralmente entre 90-170,3 irregularidade no intervalo R-R4 e QRS estreito, a não ser em caso de bloqueio de ramo associado. Trata-se da forma mais prevalente de arritmia sustentada, sua incidência aumenta progressivamente com a idade, tem uma prevalência discretamente maior nos homens e está frequentemente associada a doenças estruturais cardíacas, o que leva a prejuízos hemodinâmicos e complicações devido a eventos tromboembólicos. A importância dessa patologia depende de três fatores, os quais são:1 perda da contratilidade atrial,2 resposta ventricular acelerada inapropriada3 e perda da contratilidade e esvaziamento deficiente do apêndice atrial, o que leva à formação de trombos. Desta forma, os sintomas da fibrilação atrial variam bastante, podendo o paciente ser assintomático (sem alteração hemodinâmica), apresentar palpitações leves ou irregularidades no pulso, ou palpitações graves, dispneia, desconforto torácico, intolerância a exercícios físicos, fadiga, tonteira, sudorese fria, urgência urinária ou, ainda, hipotensão, congestão pulmonar e sintomas de angina no peito. A avaliação do paciente deve conter a investigação de possíveis causas reversíveis da arritmia. Visto que, a fibrilação atrial pode ser desencadeada por etiologias bem definidas tais como tireotoxicose, intoxicação alcoólica aguda, hipertireoidismo, episódio vagotônico agudo e tromboembolismo pulmonar. Ela também pode ser causada pela presença de cardiopatia hipertensiva, doença arterial coronariana, cardiomiopatias, febre reumática (valvulopatias), na recuperação de cirurgias de grande porte vascular, abdominal ou torácica. Pode ainda ser causada por outras taquicardias ventriculares, a eliminação dessas arritmias pode prevenir uma nova ocorrência da fibrilação atrial. Além de todas essas patologias desencadeantes a fibrilação atrial pode ter causa idiopática. O eletrocardiograma é utilizado como um dos principais exames diagnósticos, pois ele registra em seu traçado a ausência de atividade atrial organizada e a irregularidade da reposta ventricular, típicos da fibrilação atrial. O Ecocardiograma também é de grande importância, pois determina se existe alguma cardiopatia estrutural que esteja desencadeado a fibrilação atrial. Clinicamente existem três tipos de fibrilação atrial os quais são: • Paroxística, episódios de fibrilação atrial com término espontâneo que normalmente duram menos que 7 dias e frequentemente menos de 24 horas; • Persistente, normalmente episódios duram mais de sete dias e necessitam de ser revertidos química ou eletricamente; • Permanente, episódios onde a cardioversão falou e optou-se por não reverter. A principal preocupação com a evolução da fibrilação atrial é a ocorrência dos fenômenos tromboembólicos. Dessa forma, não havendo comprometimento hemodinâmico, no qual deve ser realizada a cardioversão elétrica imediata, os objetivos do tratamento são: • Estabelecer o controle da frequência (60 a 80bpm em repouso e 90-115bpm durante exercício) administrando betabloqueadores ou bloqueadores do canal de cálcio; • Avaliar o estado de coagulação, de fundamental importância nos pacientes com fatores de risco para desenvolver acidente vascular encefálico. Pacientes com alto risco para acidente vascular encefálico, prótese valvar mecânica, estenose mitral ou tromboembolismo prévio devem realizar terapêutica com anticoagulante indefinidamente. • Cardioversão eletiva (farmacológica ou elétrica), em pacientes que não respondem bem ao bloqueio beta, principalmente se a fibrilação atrial estiver associada a frequências elevadas e/ou sintomas significativos. A restauração do ritmo sinusal pode ser alcançada pela cardioversão elétrica ou pela administração de drogas antiarrítmicas (amiodarona, propafenona, dofetilida, quinidina). A cardioversão da fibrilação atrial pode ser indicada com base em parâmetros clínicos e/ ou hemodinâmicos. Uma consideração importante é que a cardioversão pode deslocar um trombo atrial esquerdo, precipitando fenômenos tromboembólicos. Outra observação é que, dias ou semanas após a reversão para o ritmo sinusal, ainda há risco de formação de trombo, pois a contração atrial não retorna ao normal de imediato, em decorrência do fenômeno do miocárdio atordoado. Desta forma, o estado adequado de coagulação deve ser documentando antes da realização da cardioversão (elétrica ou química). Para isso as seguintes estratégias de coagulação devem ser aplicadas: • Paciente com fibrilação atrial há mais de 48 horas ou se o tempo de início da instalação for desconhecido, exige anticoagulação três a quatro semanas antes e quatro semanas após a cardioversão; • Grupo de alto risco (prótese valvar mecânica, estenose mitral, tromboembolismo prévio) exige anticoagulação três a quatro semanas antes e indefinidamente após a cardioversão; • Paciente com fibrilação atrial a menos de 48 horas e fora do grupo de alto risco a cardioversão pode ser realizada após 6-12 horas de heparina plena; • Paciente com fibrilação atrial, mas que tenha realizado um Ecocardiograma Transesofágico cujo resultado seja negativo para trombos, a cardioversão pode ser realizada após 12 horas de heparina plena e deve-se realizar anticoagulação oral por quatro semanas após a cardioversão. Pois, o Ecocardiograma Transesofágico tem uma alta sensibilidade (93 – 100%) para detectar trombos atriais, inclusive no apêndice atrial esquerdo. Diante do risco de eventos tromboembólicos, inúmeros scores foram criados para indicar aqueles pacientes que necessitariam de anticoagulação. Atualmente, após sua validação em 2010, o CHA2DS-VASc2 (que consiste numa ampliação do CHADS2) é um dos mais utilizados na prática clínica, sendo recomendanda anticoagulação para aqueles pacientes que tenham score maior ou igual a 1 e que não tenham contra-indicação social. Outro score, também validado em 2010 pela Euro Heart Survey, identifica pacientes que têm risco aumentado de sangramento na vigência de anticoagulação (score maior ou igual a 3).5

OBJETIVOS DE APRENDIZADOS/COMPETÊNCIA

• Semiologia cardiovascular;

Diagnósticos diferenciais de taquiarritmias;

• Etiologias da fibrilação atrial;

• Evolução e complicação da fibrilação atrial;

• Características do eletrocardiograma na fibrilação atrial;

• Objetivos de tratamento da fibrilação atrial;

• Correlação entre fibrilação atrial e eventos tromboembólicos

• Fatores de risco para eventos tromboembólicos.

PONTOS IMPORTANTES

• Fibrilação atrial identificada em pacientes idosos deve levantar a possibilidade de hipertireoidismo ainda não diagnosticado; • Sempre que se deparar com um paciente portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica que apresente clínica sugestiva de fibrilação atrial, avalie o ECG com cautela em busca de Taquicardia Atrial Multifocal; • Antes de usar classificações de risco para eventos tromboembólicos (ex. CHA2DS2-VASc) avalie se seu paciente tem condição social para usar anticoagulante que requeira ajuste fino de RNI; • Avaliação de risco de sangramento (ex. HAS- -BLED) maior que 3 NÃO exclui a indicação de profilaxia de eventos trombóticos, apenas sinaliza os fatores que incrementam risco de sangramento e que demandam melhor controle; • Eletrocardiograma, devido a seu traçado característico, é um exame complementar essencial para estabelecer o diagnóstico da fibrilação atrial; • Ecocardiograma deve ser realizado para verificar a presença de cardiopatias estruturais.