Casos Clínicos: Esclerose lateral amiotrófica

Índice

História clínica

Paciente do sexo masculino, 64 anos de idade, aposentado, casado, branco, foi encaminhado ao ambulatório para avaliação da equipe de neurologia por seu médico de família com uma história clínica de fraqueza nos membros inferiores e superiores bilateralmente de caráter progressivo associado a fasciculações, negando a presença de dispnéia, febre ou disfagia desde o início do quadro clínico. Quando inquirido sobre a evolução da paresia, o paciente relata iniciara há 1 ano no membro inferior direito, evoluindo com piora do quadro até o presente momento. O paciente não evidencia antecedentes pessoais relevantes e nega episódios de náuseas, vômitos, desorientação temporal e espacial, turvação visual, diplopia ou anosmia.

Exame físico

Sinais vitais

• Frequência cardíaca: 86 bpm;

• Frequência respiratória: 13 irpm;

• Pressão arterial: 110 x 70 mmHg;

• Temperatura axilar: 36,8ºC;

• Saturação de O2 : 97%.

Geral: bom estado geral, consciente e orientado no tempo e espaço, contactuante, corado, hidratado, acianótico, anictérico, nutrido, sem edema, sem alterações de pele e fâneros e ausência de linfonodos palpáveis, sendo que o restante do exame físico geral não evidenciou alterações de caráter patológico.

Cabeça e Pescoço: sem achados dignos de nota em orelhas, nariz e cavidade oral. Ausência de linfonodomegalias palpáveis. Tireóide sem alterações.

Neurológico: ao exame neurológico foi observado que o paciente deambulava sem apoio. Havia presença de hiperreflexia, hipotrofia muscular, força motora grau IV nos membros superiores e inferiores bilateralmente associada à presença de fasciculações frequentes, tanto em músculos proximais quanto distais, incluindo a língua. Presença do sinal de Babinski bilateralmente. Sensibilidade tátil, dolorosa e vibratória não apresentava alterações. Pares cranianos sem comprometimento. Lasègue e FABERE negativo em ambos os membros inferiores.

Pulmonar: murmúrio vesicular presente bilateralmente em todo campo de projeção pulmonar, sem ruídos adventícios.

Cardiológico: bulhas normofonéticas, rítmicas em 2 tempos, sem sopros.

Abdominal: abdômen flácido, simétrico, ausência de abaulamentos e retrações, presença de ruídos hidroaéreos nos quatro quadrantes, percussão timpânica, indolor a palpação superficial e profunda, ausência de visceromegalias.

Extremidades: Ausência de baqueteamento digital, edema e/ou cianose.

Exames complementares

Exames laboratoriais (Tabela 1):

Hemograma: ausência de anemia, leucocitose ou leucopenia, plaquetopenia ou plaquetose.

Bioquímica: ausência de anormalidades nas concentrações séricas de glicose, uréia, creatinina, sódio, potássio, magnésio e cálcio.

ENMG (Figuras 1, 2, 3 e 4):

• A eletroneuromiografia de membros superiores e inferiores evidenciou um processo neuropático difuso acometendo o motoneurônio alfa (corpo e/ou axônios). O estudo da neurocondução apresentou redução das amplitudes dos potenciais dos nervos ulnar esquerdo e fibular direito, condução nervosa sensitiva com valores de latências e amplitudes dos potenciais e velocidade de condução normais. Durante o repouso foram observadas atividades anormais (fasciculações, fibrilações e ondas positivas) difusamente nos 4 membros, musculatura paraespinhal torácica e na língua.

Ressonância magnética de crânio e coluna cervical sem contraste em corte axial:

• Crânio:

• Linha média centrada;

• Fossa posterior com aspecto normal;

• Sistema ventricular de morfologia, topografia e dimensões dentro dos limites da normalidade;

• Espaços liquóricos subaracnóideos preservados;

• Substância branca e cinzenta de aspecto normal.

• Coluna Cervical:

• Acentuação da lordose cervical;

• Presença de alterações degenerativas da coluna cervical com osteófitos marginais em corpos vertebrais;

• Facetas articulares intervertebrais e canal vertebral com dimensões satisfatórias;

• Medula espinhal sem alterações nas ponderações T1 e T2.

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. Quais os diagnósticos sindrômicos, topográficos e etiológicos mais prováveis?

2. Quais os sistemas preservados pelo processo patológico?

3. Quais os diagnósticos diferenciais?

4. Como se define o diagnóstico?

5. Sobre a medicação aprovada para o tratamento, qual seu benefício para o paciente? ?

Discussão

Diante do quadro clínico apresentado pelo paciente, devemos levar em consideração todas as informações expostas de modo a elencar algumas possíveis hipóteses diagnósticas, baseadas no conhecimento epidemiológico e etiológico da queixa e da progressão da doença apresentada pelo paciente. Neste caso, chegar a um diagnóstico preciso apenas com as informações clínicas torna-se tarefa de difícil realização frente à diversidade etiológica responsável por essa determinada apresentação clínica.

Esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das principais doenças neurodegenerativas, junto com as doenças de Parkinson e Alzheimer. Definida por ser uma doença degenerativa que acomete neurônios motores de forma progressiva e generalizada, tanto o primeiro neurônio (córtex) quanto o segundo (corno anterior da medula). A esclerose lateral é caracterizada pela gliose na coluna lateral medular, enquanto ELA mostra a atrofia secundária à perda do segundo neurônio e consequente desnervação da musculatura.

A ELA é prevalente em pacientes entre 55 e 75 anos, sendo a idade um fator preditor importante. Sua incidência varia de 0,6 a 2,6 a cada 100.000 habitantes, salientando que 90% a 95% dos casos são esporádicos, enquanto que o restante apresenta padrão de herança genética: autossômico dominante, autossômico recessivo e ligada ao X dominante. As mutações no gene SODI (ALS1) são responsáveis por 20% da ELA familiar e 2% ou mais da esporádica. De tal modo que a sobrevida média da doença varia de 3 a 5 anos de autonomia plena, enquanto que, com presença de suporte ventilatório, essa expectativa pode chegar a 15 anos ou mais.

No que tange ao processo patológico, a doença possui tropismo e seletividade pelo sistema motor e geralmente implica na preservação da musculatura ocular extrínseca, funções cognitivas, sensitivas e nervos parassimpáticos sacrais. Vários fatores têm sido cogitados como auxiliadores na sua patogênese: deficiência de fatores tróficos, citotoxicidade pelo glutamato, estresse oxidativo, defeitos no transporte axonal, infecções virais, fatores autoimunes, mutações genéticas, anormalidades nas mitocôndrias, disfunção dos receptores androgênicos e fatores tóxicos exógenos.

Por se tratar de uma doença de significativa complexidade, sua sintomatologia pode variar, sendo que o quadro clínico se correlaciona com as topografias da degeneração dos núcleos motores. Para tanto, pacientes de início bulbar da doença apresentam disartria e/ou disfagia por paralisia bulbar, pseudobulbar ou ambas as manifestações. Cabe salientar que a manifestação bulbar da doença é associada a paralisia facial inferior e superior, bem como a dificuldade de movimento palatal (atrofia), fraqueza e fasciculação da língua. Além disso, a paralisia pseudobulbar é característica pelo aumento do reflexo mandibular e disartria. Pacientes com ELA de início cervical apresentam sintomas de membros superiores, uni ou bilateralmente, tais como fraqueza proximal ou distal, atrofia intensa com fasciculação profusa e reflexos hiperativos. Por fim, nos casos de início lombar é evidenciada mais comumente a apresentação clínica de pé caído (acometimento do nervo fibular) e a dificuldade de subir escadas (fraqueza proximal).

Para efeitos didáticos, podemos dividir os sinais e sintomas da ELA em resultantes diretos da degeneração motoneuronal (fraqueza, atrofia, fasciculações, cãibras musculares, espasticidade, disartria e disfagia) e resultantes indiretos dos sintomas primários (distúrbios psicológicos, sono, espessamento de secreções mucosas, dor, constipação, sialorréia e hipoventilação crônica).

Logo, mediante ao conteúdo explanado, cabe salientar que nos estágios iniciais da doença, em que pode haver sinais mínimos de disfunção mioneuronal, há confusão com outras condições clínicas, como esclerose lateral primária, acidente vascular cerebral, esclerose múltipla e atrofia muscular espinhal.

O diagnóstico é essencialmente clínico, de modo que se avaliam as regiões: 1) bulbar (músculos faciais e orofaríngeos); 2) cervical (diafragma para cima); 3) torácica (dorso e abdome); e 4) lombossacra (abdome para baixo). Após a avaliação pelo exame físico, a presença de sinais e sintomas de primeiro e segundo neurônio motor no território bulbar, em mais duas outras regiões ou nas três regiões não bulbares ao mesmo tempo definem diagnóstico de certeza de ELA. Contudo, se apenas duas regiões não bulbares forem positivas, o diagnóstico da doença é provável, enquanto que na presença de apenas uma região não bulbar o diagnóstico é interpretado como possível.

Não existem exames específicos, todavia certos exames devem ser realizados para diagnóstico diferencial e como marcadores da progressão da doença. São eles: 1) ressonância magnética do neuroeixo (encéfalo, junção craniocervical e coluna cervical); 2) eletroneuromiografia (ENMG) dos 4 membros; 3) eletroforese de proteínas plasmáticas; 4) pesquisa do autoanticorpo paraneoplásico; 5) hemograma completo; 6) função renal (ureia e creatinina); e 7) função hepática (ALT/TGP e AST/TGO).

O tratamento da ELA não é curativo, de modo que inclui o Riluzol (RILUTEK®), que prolonga a sobrevida do paciente em 10% dos casos, sendo utilizado especialmente em pacientes de estágios iniciais e em pacientes com ELA de sinais iniciais bulbares. Contudo, cabe salientar que o Riluzol não implica na melhora da qualidade de vida, sendo definido como um retardo de 3 meses para iniciar o suporte ventilatório invasivo nos pacientes. Com relação ao seu mecanismo de ação, esse medicamento atua no bloqueio da neurotransmissão de glutamato, implicando diretamente na diminuição da lesão aos neurônios motores e redução da progressão da doença. De modo que o importante no manejo da ELA é o suporte e avaliação constante da equipe multidisciplinar. Embora novos estudos estejam em constante crescimento, tal qual o uso de células-tronco como candidatas a terapia de escolha contra a doença, ainda faltam estudos que impliquem em tratamentos eficazes para ELA até o momento.

Principais diagnósticos diferenciais

• Mielopatia cervical;

• Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica;

• Esclerose Múltipla;

• Miastenia gravis (principalmente nos quadros clínicos de início bulbar);

• Acidente vascular encefálico;

• Hipertireoidismo/hiperparatireoidismo;

• Tumores da medula espinal;

• Ataxia espinocelular.

Objetivos de aprendizado/competências

• Entender a relevância do conhecimento teórico no momento de elencar suas hipóteses diagnósticas;

• Saber a diferenciação entre as síndromes topográficas do neurônio motor superior e inferior;

• Reconhecer a importância da semiologia neurológica e dos exames de eletrofisiologia para melhor avaliação de sua hipótese diagnóstica;

• Conhecer os principais diagnósticos diferenciais.

Dicas práticas

• Sinais de neurônio motor superior e inferior em três regiões (bulbar, cervical, torácica ou lombossacra) é diagnóstico de ELA definitivo;

• A mielopatia cervical deve ser excluída por meio de exames de imagem, uma vez que comumente simula um quadro de ELA;

• Em todo diagnóstico de ELA deve haver evidência da progressão da doença e ausência de sinais sensitivos;

• O exame de eletroneuromiografia (ENMG) dos 4 membros que apresenta presença de denervação em mais de um segmento e neurocondução motora e sensitiva normais é indicativo de ELA;

• Para ser realizado o tratamento com o Riluzol, não se pode apresentar outras doenças incapacitantes, eletroneuromiografia sem demonstração de bloqueio de condução motora ou sensitiva e ventilação assistida.

Figura 1. Ao exame de ENMG foi evidenciado a presença de fasciculações (Fasc), fibrilações (Fib) e ondas positivas (OP) no músculoquadríceps direito
Figura 2. Ao exame de ENMG foi evidenciado potenciais de unidade motora neurogênicos no músculo tibial anterior direito.
Figura 3. Ao exame de ENMG foi evidenciado potenciais de ação motora com redução das amplitudes do nervo fibular direito.
Figura 4. Ao exame de ENMG foi evidenciado potencial sensitivo normal do nervo sural esquerdo

Tabela 1. Exames laboratoriais

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