História clínica
Paciente do sexo feminino, 62 anos, hipertensa e portadora de enxaqueca há 15 anos. Relata que há cerca de 30 minutos iniciou com cefaleia súbita, de forte intensidade, holocraniana, graduada 10/10. Afirma que acredita ser a pior crise de dor de cabeça da sua vida e a descreve como “uma bomba estourando em sua cabeça”, bastante diferente das crises de enxaqueca anteriores. Associado à dor, houve um episódio de vômito, além de turvação visual e fotofobia.
Ao ser interrogada, disse que há uma semana já tinha experimentado cefaleia um pouco mais intensa, frontal, com irradiação retro-orbital e padrão também diferente do habitual. Ela afirmou que a dor iniciou abruptamente após um esforço físico, mas que melhorou após o uso de analgésicos simples.
Exame físico
Sinais vitais
• PA: 130×70 mmHg;
• FC: 85 bpm;
• FR: 20 ipm;
• Tax: 36,4 ºC.
Geral: Bom estado geral, mucosas normocoradas, anictéricas e acianóticas.
Cabeça e pescoço: Sem alterações dignas de nota.
Aparelho Cardiovascular: Precórdio calmo, bulhas rítmicas e normofonéticas em dois tempos, sem sopros.
Aparelho Respiratório: Expansibilidade preservada. Murmúrios vesiculares bem distribuídos, sem ruídos adventícios.
Abdome: Globoso, às custas de panículo adiposo. Ruídos hidroaéreos presentes. Sem visceromegalias.
Neurológico: Vigil, colaborativa, lúcida e orientada no tempo e no espaço. Pupilas isocóricas, fotorreagentes bilateralmente. Movimentação ocular extrínseca preservada. Nervos cranianos sem alterações. Tônus muscular preservado. Força muscular sem alterações em todos os grupos musculares. ROT simétricos e preservados globalmente, normoativos. Sensibilidade superficial e profunda preservada. Marcha e equilíbrio estático e dinâmico sem alterações. Coordenação apendicular sem alterações. Nota-se rigidez de nuca graduada em ++/++++.
Extremidades: Bem perfundidas, sem edema.
Exames complementares

Diante do contexto clínico, levantou-se a suspeita de uma hemorragia subaracnóide espontânea e foram solicitados exames complementares. Uma tomografia computadorizada do crânio confirmou a hemorragia intracraniana e uma angiotomografia revelou que a etiologia do sangramento havia sido a rotura de um aneurisma sacular (Figura 1).
A hemorragia era predominantemente intraventricular, com preenchimento de parte do sistema ventricular (hemoventrículo), e estava associada a uma hidrocefalia aguda. Esta foi tratada pelo implante cirúrgico de uma derivação ventricular externa, enquanto que o aneurisma sacular foi definitivamente excluído da circulação através da clipagem do colo em um procedimento de microcirurgia vascular.
A paciente evoluiu bem no pós-operatório, sem deficits neurológicos focais e com um quadro neurológico geral semelhante ao prévio, exceto por um discreto bradipsiquismo. Antes da alta hospitalar, foi submetida a um procedimento de derivação ventriculoperitoneal que permitiu a retirada da derivação ventricular externa.
QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO
1. Quais manifestações clínicas levaram à suspeita de hemorragia subaracnóide?
2. Quais são as principais causas de hemorragia subaracnóide (HSA) cerebral?
3. Quais exames devem ser solicitados para investigação diagnóstica? Em que ordem?
4. Caso a tomografia do crânio não observasse nenhuma hemorragia intracraniana, qual seria a conduta correta?
5. Quais são as principais complicações potenciais de uma hemorragia subaracnóide por rotura de aneurisma cerebral?
6. Qual o momento ideal para o tratamento definitivo de um aneurisma cerebral roto?
Discussão
Hemorragias subaracnóides são sangramentos no espaço subaracnóideo, situados profundamente à aracnóide e superficiais à pia mater. As adquiridas, de origem traumática, são as mais frequentes. Entretanto, as espontâneas apresentam características clínicas e fisiopatológicas específicas que merecem especial atenção.
Uma HSA espontânea pode ocorrer por diversas causas, sendo que a mais frequente é a rotura de um aneurisma intracraniano, responsável por cerca de 75% a 80% dos casos na maioria das populações. As demais causas estão distribuídas nos grupos das malformações arteriovenosas, fístulas arteriovenosas, dissecções arteriais, vasculites e distúrbios da coagulação, entre outros. Em 14% a 22% dos casos não se pode determinar a causa. Uma entidade separada e bem definida é a hemorragia subaracnóide perimesencefálica não aneurismática, na qual não se costuma observar extensão para os espaços inter-hemisféricos e laterais.1,2,3,4,5,6
A rotura de um aneurisma sacular pode ocorrer em qualquer época da vida, mas predomina na faixa etária entre a quinta e a sexta década, com incidência um pouco maior em mulheres. A fisiopatologia da formação dos aneurismas envolve uma combinação de fatores congênitos e adquiridos. Os defeitos congênitos no tecido elástico e muscular da camada média arterial se deterioram progressivamente quando submetidos a estresses hemodinâmicos, propiciando a formação do saco aneurismático. Isso ocorre principalmente nas bifurcações arteriais do polígono de Willis, locais de maior impacto do fluxo sanguíneo. Os sítios de maior ocorrência são as bifurcações do complexo comunicante anterior, da artéria carótida interna supraclinóide e da artéria cerebral média.4
A HSA aneurismática possui fatores de risco reconhecidos. Dentre os principais estão a hipertensão arterial sistêmica, o tabagismo, a história familiar de HSA por aneurisma em mais de um membro da família de primeiro grau, a coarctação da aorta, a doença dos rins policísticos e determinadas doenças do colágeno, como a doença de Ehler-Danlos e a Síndrome de Marfan. O abuso de algumas substâncias como álcool e cocaína, bem como o uso de anticoncepcionais orais, têm também sido relatados como associados a um risco superior ao da população geral.4,5
A sintomatologia apresentada por uma vítima de HSA costuma ser típica e alarmante. O sintoma cardinal é a dor, que em cerca de 97% das vezes é intensa e de início súbito. É predominantemente holocraniana, sendo referida frequentemente como “a pior da vida”. Uma cefaleia dita “sentinela” prévia à HSA pode acontecer devido a um pequeno sangramento ou à expansão do saco aneurismático.4 Ocorre também de forma súbita, tendo curso decrescente em torno de 24 horas.
É fundamental atentar aos diagnósticos diferenciais de uma cefaleia aguda. Entre eles estão a cefaleia em trovoada, a enxaqueca explosiva, a cefaleia tensional, a síndrome da vasoconstrição cerebral reversível e a cefaleia orgásmica benigna.
Como sinais mais comuns da HSA, que acompanham a dor, têm-se:
• Vômitos;
• Meningismo — Inicia nas primeiras 24h após evento hemorrágico, cursando com rigidez de nuca com ou sem o sinal de Brudzinski;
• Rebaixamento do nível de consciência — Pode ser secundário a um estado de hipertensão intracraniana, associado a prejuízo da perfusão tecidual ou a danos parenquimatosos causados por hemorragias intracerebrais.
Além das manifestações relacionadas acima, convulsões não são incomuns. Em casos específicos, uma hemorragia retiniana pode estar associada e ser revelada à fundoscopia. A disfunção do III nervo craniano ipsilateral acontece em parte dos portadores de aneurismas da artéria comunicante posterior pela proximidade e compressão local do nervo pelo saco aneurismático. Não aconteceu com a paciente do caso acima, contudo poderia facilmente ter sido o caso, considerando a topografia do aneurisma em questão. Déficits sensitivomotores hemicorporais são pouco frequentes.4,6
Para a graduação da gravidade clínica, duas escalas estão bem estabelecidas4,7: a escala de Hunt & Hess e a Classificação da WFNS – World Federation of Neurosurgical Societies (Tabela 1).
Tabela 1. Escalas para graduação clínica da hemorragia subaracnóide cerebral


Diante da suspeita de HSA, o diagnóstico pode ser confirmado pela tomografia computadorizada do crânio, sem uso de produto de contraste, pois o sangue acumulado no espaço subaracnóideo aparece como imagem espontaneamente hiperdensa. A tomografia identifica uma HSA em até 98% dos casos. O exame possibilita ainda a pesquisa de hematomas e de hidrocefalia aguda, avaliando as dimensões ventriculares.8
O volume de sangramento no espaço subaracnóide está reconhecidamente associado ao risco de desenvolvimento de vasoespasmo. Por conseguinte, graduar esse volume é importante para a condução clínica e avaliação prognóstica.7,9,10 A escala tomográfica de Fisher é universalmente aceita para esse fim, existindo em duas versões (Tabela 2).
Tabela 2. Escala tomográfica de Fisher para graduação do volume de hemorragia subaracnóide cerebral


Caso a tomografia não demonstre hemorragia, mas a apresentação clínica seja muito sugestiva, deve ser considerada a realização do estudo do líquido céfalo-raquidiano (LCR), exame que apresenta alta sensibilidade. Como achado, observa-se fluido sanguinolento e não-coagulável com elevada pressão de abertura. Pode haver xantocromia, caracterizada por coloração amarelada do sobrenadante como resultado da presença de produtos de degradação de hemoglobina que surgem em amostras coletadas após 12h ou mais após o ictus. Observa-se elevada celularidade às custas, sobretudo, de hemácias (mais de 100 mil células/mm3 ), teor proteico aumentado e glicose normal ou reduzida. Os falso-positivos estão relacionados aos casos de punções traumáticas nos quais o sangue não-subaracnóideo é coletado juntamente ao LCR.4
A etapa seguinte à confirmação da hemorragia é a identificação e o estudo morfológico da patologia vascular que foi responsável pelo sangramento. Alguns métodos de imagem estão disponíveis:
• Angiografia por Tomografia Computadorizada (Angio-TC): estudos prospectivos indicam que Angio-TCs possuem capacidade de identificar aneurismas rotos e não rotos em até 97% dos casos.4 O exame mostra também a relação da anatomia vascular com estruturas ósseas vizinhas, sendo útil ao planejamento do tratamento cirúrgico.
• Angiografia por Ressonância Magnética (Angio-RM): possui sensibilidade de 87% e especificidade de 92% para a detecção de aneurismas intracranianos4 (esses valores dependem das suas dimensões). No contexto da emergência, trata-se de um exame bem menos utilizado do que a Angio-TC para essa finalidade.
• Angiografia Cerebral por Cateterismo: é considerado o exame padrão- -ouro na avaliação da etiologia da hemorragia subaracnóide. Deve ser realizado com técnica digital e subtração óssea. Além de determinar a fonte do sangramento, possibilita estudo morfológico detalhado com grande aumento, incluindo dos vasos de muito pequeno calibre e de forma dinâmica envolvendo as diversas fases do fluxo cerebral. O exame deve ser completo, dito de “quatro vasos”, permitindo o estudo dos territórios das artérias carótidas internas e vertebrais bilateralmente. Em determinadas situações, como na pesquisa de fístulas durais, o estudo das artérias carótidas externas é também necessário.
Os mesmos exames permitem detecção e estudo morfológico dos aneurismas não rotos. Esses aneurismas podem apresentar manifestações compressivas que não resultam de hemorragia, ou podem ainda ser achados incidentais, sem produzir sintomas. Em função de sua localização, tamanho, factibilidade do tratamento e condições clínicas do paciente, o tratamento por exclusão do aneurisma da circulação sanguínea está frequentemente indicado. O aneurisma é então excluído por via cirúrgica ou endovascular, protegendo o paciente da eventual hemorragia. Em situações específicas, aneurismas de menor volume ou em localizações de baixo risco podem ser acompanhados clínica e radiologicamente. Estes são tratados se houver necessidade, como no caso de modificação da forma ou expansão do tamanho, que são considerados importantes fatores de risco de ruptura. Apesar de não haver unanimidade em função das inúmeras variáveis que concorrem para a indicação de tratamento, a grande maioria dos aneurismas não rotos em localização subaracnóide e de diâmetro a partir de 7 mm são tratados.2,3
Sabe-se que existem fatores de risco para a rotura aneurismática e isso deve ser levado em conta no momento da decisão terapêutica. Os principais incluem hipertensão arterial, HSA prévia, tamanho, história familiar de mais de um parente do primeiro grau, aneurisma sintomático e recentes alterações no tamanho ou forma do aneurisma nos exames de acompanhamento.3,4,11 Evidentemente, em situações de aneurismas rotos, responsáveis por hemorragia subaracnóide, intracerebral ou intraventricular (como no caso acima), o tratamento é imperativo.
Dentre as condições que levam a priorizar o tratamento cirúrgico convencional estão a necessidade de evacuação de um hematoma intracraniano, a forma do saco pouco favorável à manutenção do material de embolização em seu interior ou a presença de tortuosidades nos eixos arteriais utilizados para acesso. Essa última situação havia sido observada em exames de imagem do caso discutido acima, o que dificultaria (mas não impossibilitaria) uma embolização. Por outro lado, são fatores que reconhecidamente facilitam o tratamento endovascular: um colo não muito largo em relação ao saco (relação domo/colo ≥ 2), localização proximal e troncos supra-aórticos com anatomia favorável, sem dobras (“kinkings”) ou alças vasculares.
A HSA aneurismática é uma condição de elevada mortalidade, o ressangramento é sua principal complicação. Entre 15% a 20% ocorre nas primeiras duas semanas, tendo o pico de ocorrência nas primeiras horas. Agravações importantes podem também ocorrer por déficit neurológico isquêmico tardio devido a vasoespasmo arterial, causando deficiências neuro-cognitivas graves, mais frequentes entre o 3º e o 21º dia, mas com incidência máxima entre o 6º e o 8º dia.
Outra complicação relativamente frequente é a hidrocefalia. Ela pode ocorrer agudamente por causa do bloqueio à circulação liquórica ou de forma retardada, devido à dificuldade de reabsorção do líquido cefalorraquidiano pela disfunção das granulações aracnóideas provocada pelos produtos da degradação do sangue.4,12
No que tange ao tratamento da HSA propriamente dita, os pacientes são preferencialmente manejados em centro de terapia intensiva. O tratamento visa a exclusão definitiva do aneurisma da circulação, o que pode ser obtido por via cirúrgica ou por via endovascular. Os indivíduos submetidos a tratamento precoce (menos de 72h), idealmente nas primeiras 24 horas, têm menor taxa de ressangramento e quadro clínico mais estável devido à melhor possibilidade de manejo do vasoespasmo.
Para a escolha entre as duas formas de tratamento, devem ser analisados fatores relacionados à morfologia do aneurisma, bem como as condições clínicas prévias e atuais do paciente.13 Durante um tratamento convencional por cirurgia a céu aberto, realiza-se uma craniotomia e a dissecção dos espaços meníngeos para se obter acesso ao aneurisma. Um clipe metálico é então colocado, fechando permanentemente seu colo. Entre os benefícios desse procedimento, destacam-se as baixas taxas de recidiva. Costuma ser indicado em pacientes em melhor estado clínico ou que não sejam muito idosos, sendo a modalidade de tratamento preferida em situações nas quais uma descompressão cerebral é necessária, como na presença de um hematoma intracraniano.13,14,15
Outra modalidade terapêutica, o tratamento endovascular, consiste na oclusão do aneurisma pelo preenchimento de sua luz, procedimento conhecido como embolização. Isso é obtido através do implante de um material especial, que contém ligas metálicas e é espiralado sob a forma de micro molas ou coils. Após uma punção da artéria femoral, um cateter é levado até um dos troncos supra aórticos e, em seguida, um cateter mais longo e delgado (microcateter) é introduzido em seu interior. É possível a visualização de todo o processo em tempo real através de radioscopia, permitindo a penetração da extremidade do microcateter no saco aneurismático e a deposição das micro molas. Elas ocupam o interior do aneurisma e possuem efeito trombogênico, ocluindo-o e impedindo a penetração do fluxo sanguíneo a partir de então. A embolização facilita o tratamento dos pacientes com muitas comorbidades, que não suportariam a cirurgia a céu aberto, possibilita menor trauma cirúrgico, evitando manipulação do parênquima cerebral, e uma recuperação pós-operatória frequentemente mais rápida e menos susceptível a infecções.16,17,18 Mais recentemente, novos dispositivos endovasculares têm sido desenvolvidos para dirigir o fluxo sanguíneo ao longo da artéria portadora, e não para o interior do aneurisma. Esses dispositivos, conhecidos como diversores de fluxo (flow diverters), são próteses endovasculares capazes de obter a oclusão do aneurisma com ou sem a utilização de micro molas.
A escolha entre o tratamento microcirúrgico e o endovascular deve ser individualizada, considerando os riscos e benefícios de cada modalidade para o paciente em questão.
Diagnósticos diferenciais

Objetivos de aprendizado e competências
• Reconhecer as principais manifestações clínicas típicas de uma hemorragia subaracnóide aneurismática;
• Identificar os exames complementares para confirmação diagnóstica de uma hemorragia subaracnóide cerebral;
• Discernir as escalas de classificação de gravidade clínica e radiológica para uma hemorragia subaracnóide cerebral.
• Distinguir exames complementares para investigação da etiologia de uma hemorragia subaracnóide cerebral.
• Perceber as complicações clínicas do aneurisma cerebral roto.
• Reconhecer opções terapêuticas para o aneurisma cerebral roto e não roto.
Dicas práticas
As principais manifestações clínicas de HSA são a cefaleia súbita e intensa, com vômitos, comprometimento de consciência e sinais de irritação meníngea.
• A rotura de um aneurisma cerebral é a mais frequente etiologia da hemorragia subaracnóide cerebral espontânea.
• Os principais fatores de risco para a HSA aneurismática são hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, história familiar de aneurisma, coarctação da aorta, doença dos rins policísticos, doença de Ehler-Danlos e síndrome de Marfan.
• O ressangramento, o vasoespasmo e a hidrocefalia são as principais complicações da HSA aneurismática.
• A TC de crânio sem contraste é o principal exame para confirmação da suspeita de HSA na emergência. Caso não seja encontrada hemorragia, devese considerar o estudo do líquor.
• A angiografia cerebral é o exame padrão ouro para estudo da etiologia da hemorragia, bem como para localização e detalhamento morfológico do aneurisma cerebral. As modalidades não invasivas, de menor acurácia e sensibilidade, são a angiotomografia e a angiorressonância.
• Os casos de HSA aneurismáticos devem ser tratados cirurgicamente ou por via endovascular de maneira precoce, para evitar o risco de ressangramento e possibilitar um melhor manejo do vasoespasmo.