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Caso clínico de Sepse Neonatal Precoce | Ligas

Caso clínico de Sepse Neonatal Precoce | Ligas

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Apresentação do caso clínico

Recém-nascido (RN) do sexo masculino, nasceu por parto via vaginal, sem grandes intercorrências no dia 23/11/2019 com 36 semanas de idade gestacional, pesando 2772g, com 45 cm de comprimento, APGAR de 8 no primeiro minuto e de 10 no quinto minuto.

História gestacional: Mãe do RN, 29 anos, parda, doméstica, G2PN2A0, residente e procedente de Divinópolis, Minas Gerais, chegou à maternidade com rotura de membranas amnióticas há 2 horas. Em histórico da gestação atual, consta 6 consultas de pré-natal; DUM 16/03/2019; vacinação atualizada; em uso de sulfato ferroso e ácido fólico; infecção de trato urinário (ITU) recente, em tratamento com Nitrofurantoína 100mg, VO, 6/6 horas há 48 horas; sorologias para HIV, hepatite B e C, rubéola, toxoplasmose e sífilis não reagentes e cultura negativa para estreptococo do grupo B com 35 semanas de gestação.  Em gestação anterior, não apresentou dados significativos. Na maternidade foram feitos novos exames para sorologia de HIV e sífilis, sendo ambos não reagentes e, apesar da informação sobre ITU materna, não foi feita antibioticoterapia profilática.

Na manhã seguinte, 12h após o parto, a equipe de saúde é chamada no quarto, pois RN apresentava-se irritado, taquicárdico (183 bpm), com taquipneia (65 irpm), dificuldade para aceitar alimentação e com palidez cutânea. Com essas informações clínicas, a conduta da equipe foi de realizar a coleta de material para hemocultura, hemograma e proteína C reativa (PCR) quantitativo e início imediato de antibioticoterapia (Ampicilina – 200 mg/kg/dia associada a Gentamicina – 5 mg/kg/dia), pois há presunção de sepse neonatal precoce. Essa coleta foi realizada de maneira adequada e asséptica para não causar interferências nos resultados.

Os primeiros resultados analisados foram os seguintes: hemograma apresentando leucocitose (de 12 a 24 horas de vida > 30.000/ µL), razão de neutrófilos imaturos sobre os segmentados aumentada (≥0,3) e elevação de neutrófilos imaturos (>1500 µL) e PCR quantitativo de 1,8mg/dL (valor referência normal > 6 mg/dL). Com isso, o escore hematológico de Rodwell, para análise do hemograma, foi igual a 3.

É importante lembrar que, um escore de Rodwell ≥ 3 possui sensibilidade de 96% e especificidade de 78%, e um escore de 0, 1 ou 2 oferece valor preditivo negativo de 99% para sepse. Portanto, associado ao fato de a PCR estar elevada e aos fatores de risco materno, neonatais e manifestações clínicas apesentadas, pôde-se confirmar o diagnóstico de sepse neonatal e o tratamento medicamentoso foi mantido por 7 dias.

Após fim do tratamento e recuperação, o neonato recebeu alta. A família foi orientada para reconhecer possíveis sinais de infecções, além de ser incentivada a manter cuidados com aleitamento materno exclusivo, cuidados com a higiene e início da puericultura.

Questões para orientar a discussão sobre Sepse Neonatal Precoce   

  1. Diante do quadro clínico do recém-nascido, da história gestacional e atual quadro da mãe, qual seria a principal hipótese diagnóstica para o RN?
  2. Quais são os fatores de risco maternos, do RN, além das manifestações clínicas do RN que contribuem para esse diagnóstico?
  3. Quais são os exames laboratoriais para auxiliar neste quadro clínico?
  4. Qual é o tratamento considerando-se o quadro apresentado pelo RN?
  5. Considerando-se que o RN não apresentasse o quadro clínico suspeito para sepse neonatal, haveria a necessidade de se iniciar antibioticoterapia de forma profilática?

Respostas

1. Por meio da história apresentada, o principal diagnóstico para esse RN seria a sepse neonatal precoce, a qual está associada com fatores pré-natais e do periparto. Os microorganismos que causam a sepse advêm do trato genital materno, sendo muito comum a Escherichia coli em recém-nascido prematuro e em países em desenvolvimento, situação que permite ser o germe causador de sepse no RN devido a história clínica. Outros germes responsáveis são Streptococcus do grupo B (recém-nascido a termo), Klebsiella species e S. aureus. O diagnóstico é baseado de acordo com: fatores de risco maternos e neonatais, manifestações clínicas do recém-nascido e exames laboratoriais. Na presença de três ou mais sinais clínicos do RN ou no mínimo dois destes sinais, em associação a fatores de risco maternos, pode-se realizar o diagnóstico de sepse clínica ou síndrome séptica.

2.  Os fatores de risco materno incluem: febre nas últimas 48 horas antes do parto (> 37,5 °C); cerclagem; trabalho de parto menor que 37 semanas; procedimentos de medicina fetal nas últimas 72 horas; infecção de trato urinário sem tratamento ou em tratamento há menos de 72 horas no momento do parto; colonização por do Streptococcus agalactiae, sem quimioprofilaxia intraparto quando indicada; ruptura das membranas (> 18 horas) e infecção do trato genital (coriamnionite, líquido fétido, leucorreia, herpes, etc.).

Os fatores do RN para sepse neonatal são: prematuridade; baixo peso ao nascimento (<2500g); asfixia perinatal; sexo masculino; APGAR de quinto minuto menor que 7; ser primeiro gemelar; uso de assistência respiratória e uso de cateter vascular central. Já as manifestações clínicas do RN que colaboram para o diagnóstico são: instabilidade térmica; taquicardia fetal (> 180 bpm); desconforto respiratório (taquipneia, gemência, retrações torácicas, batimentos de asas nasais); hipotonia; convulsões; irritabilidade; letargia; sintomas gastrointestinais (dificuldade par aceitar alimentação, distensão abdominal, vômitos etc.); icterícia idiopática; palidez cutânea e sinais de sangramento.

As manifestações clínicas do RN são inespecíficas, por isso é preciso que faça uma associação com os fatores de risco maternos e neonatais para se suspeitar de sepse e, com isso, iniciar a investigação laboratorial no RN.

3. Os principais exames utilizados para auxiliar na confirmação do quadro de sepse neonatal são: hemocultura, que é o padrão ouro e deve ser colhida antes do início da antibioticoterapia; hemograma (lembrar-se do escore hematológico de Rodwell) e proteína C reativa método quantitativo, que devem ser colhidos de 12 a 24 horas de vida do RN. Além disso, podem ser realizadas culturas de urina e líquido cefalorraquidiano, quando há indicação.

4. Ao se estabelecer o diagnóstico de acordo com o quadro clínico e a história, deve-se iniciar tratamento antimicrobiano empírico, logo após a coleta de culturas (hemocultura, cultura de líquor e demais secreções, se indicado). A escolha de antibióticos baseia-se na história e colonização materna, caso seja conhecida. Com relação ao tempo de tratamento, este se baseia na cultura positiva de bactérias, localização, evolução clínica e repetição do exame microbiológico. 

Como a antibioticoterapia é empírica, é necessário o emprego de uma associação levando em consideração os microorganismos mais encontrados na sepse neonatal precoce, bem como a sensibilidade aos antimicrobianos. Atualmente, a antibioticoterapia de escolha é a Ampicilina (200 mg/kg/dia) associada a Gentamicina (5 mg/kg/dia). Assim que o microorganismo for identificado, o antibiótico deve ser direcionado ao germe causador, sendo necessária a troca dos fármacos, caso estes não sejam sensíveis ao microorganismo identificado. Adicionalmente, se os resultados dos exames laboratoriais excluírem o diagnóstico de sepse, a terapia medicamentosa deve ser interrompida.

5. Quando não há presença de fatores de risco materno associados a fatores de risco do neonato e sinais e sintomas que possam indicar sepse, não é necessária a terapia com antibióticos visando profilaxia. O importante é acompanhar o RN durante o período intra-hospitalar e orientar os responsáveis para que reconheçam possíveis condições clínicas que indiquem infecção.

Área: Pediatria/Neonatologia

Autores: Letícia Thais de Oliveira Alves, Rafaella Rangel Barbosa e Tamara Rodrigues Fonseca Souza

Revisora: Luiza Gabriela Noronha Santiago

Orientadora: Júlio César Veloso

Liga: Liga Acadêmica de Pediatria UFSJ CCO (LIPED)

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