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Caso Clínico de Dor torácica: um amplo espectro clínico

Caso Clínico de Dor torácica: um amplo espectro clínico

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DOR TORÁCICA: UM AMPLO ESPECTRO CLÍNICO
Áreas de conhecimento: cardiologia e emergência.

História da doença Atual (HDA)

Um senhor de 59 anos chega ao pronto socorro do Hospital Universitário da LIET com fácies de dor, agitado e inquieto, reclamando de uma dor no peito iniciada subitamente há uns 30 minutos quando comemorava o aniversário do neto.

Refere que é uma dor muito intensa, “parece que vai rasgar meu peito”, com palpitação e desconforto respiratório. Diz ainda que a dor irradia para o membro inferior esquerdo (MIE) e mandíbula, deixando-os dormentes.

Acompanhante relata que ele é diabético e hipertenso há 13 anos com fraca adesão às terapias medicamentosas.

Exame físico

Paciente afebril e acianótico, em visível desconforto, mão fechada sobre a região esternal, desorientado no espaço e dispneico. Sudorese acentuada em face.

A ausculta respiratória estava normal e a cardíaca apresentava bulhas rítmicas sem a presença de sopros. A pressão arterial (PA) era de 180 x 110 mmHg, a frequência cardíaca de 106 bpm e SpO2 95%. Pulsos radiais assimétricos. Sem outros achados significativos.

Exames complementares

Na sala de emergência, a equipe deve estar preparada para rapidamente afastar ou confirmar SCA. Por conta disso, o ECG é o primeiro exame realizado, imediatamente em até 10 minutos após chegada do paciente com queixa de dor torácica. 

De modo geral, é comum que o ECG seja normal ou inespecífico o que pode conduzir as repetições seriadas, na suspeita de isquemia miocárdica e com a associação das enzimas marcadoras de lesão miocárdica (como, a troponina de alta sensibilidade)

A radiografia de tórax em duas incidências diferentes pode ser usada para confirmação diagnóstica de etiologias não isquêmicas (na SCA, geralmente é normal ou inespecífica).

Na Síndrome Aórtica Aguda, cuja principal representante é a Dissecção Aguda de Aorta (DAA), o raio-x pode evidenciar dois achados principais: alargamento de mediastino e/ou derrame pleural pequeno à esquerda. A radiografia normal afasta a possibilidade de uma DAA mas não pode ser considerada para descartá-la.

Na suspeita de uma SAA, observa-se a estabilidade hemodinâmica do paciente. A angiotomografia computadorizada helicoidal ou a angiorressonância magnética são recomendadas quando o paciente está estável. Quando instável, solicita-se o ecocardiograma transesofágico.

Todavia, a utilização de qualquer método de imagem deve ser baseada não só na sua acurácia diagnóstica, mas também na sua disponibilidade imediata e na experiência dos emergencistas e ecocardiografistas/radiologistas com este(s) método(s).

Discussão do caso de Dor Torácica

  1. Quais as principais causas de dor torácica?
  2. Quais achados semiológicos devem ser observados num paciente com dor torácica?
  3. Qual a conduta (abordagem inicial) para dor torácica na sala de emergência?
  4. Quais estratégias diagnósticas e terapêuticas podem ser empreendidas?

O paciente com dor torácica deve imediatamente ser avaliado para afastar causas potencialmente letais. Desse modo, infere-se que é de suma importância a distinção da etiologia da dor.

Didaticamente, podem ser organizadas em: cardíacas e não cardíacas.

As dores de origem cardíaca podem ser isquêmicas (SCA) ou não-isquêmicas (SAA).

As dores de origem não-cardíaca podem ser gastroesofágicas (DRGE) ou não, nesse caso representadas pelas causas pulmonares, musculoesqueléticas e psicogênicas. Observe o fluxograma A

Imagem Manual de emergência – abordagem prática USP
fonte:Manual de emergência – abordagem prática USP

É importante realizar uma anamnese cuidadosa e direcionada, que observe atentamente todos os sintomas referidos pelo paciente, sem desmerecer a coleta da história clínica.

Torna-se de prima importância a correta caracterização da dor: tipo, duração, localização, irradiação, fatores de melhora ou piora, sintomas associados. Além de investigar brevemente a história médica pregressa do paciente (HAS, DM, tabagismo, alergias).

Sendo assim, o exame físico pode ser dirigido para procura de achados semiológicos que justifiquem ou afastem a suspeita diagnóstica, o que otimiza tempo, investimentos financeiros e permite adequado manejo do paciente.

Após coleta dessas informações, o paciente deve ser monitorizado (avaliação criteriosa do ritmo cardíaco, fornecimento de uma fonte de O2 e acesso periférico). Além do correto manejo da dor, é importante o direcionamento para uso das possíveis técnicas terapêuticas e diagnósticas.

Após a realização dessa etapa, e estabelecendo a Dissecção Aguda de Aorta (DAA) como suspeita diagnóstica, procede-se como expõe o fluxograma abaixo.

Imagem Manual de emergência – abordagem prática USP
fonte:Manual de emergência – abordagem prática USP

A DAA é uma condição clínica perigosa e muito letal, já que inúmeros casos são diagnosticados apenas na autópsia. Representa de 80 a 90% de todas as SAA.

Quando secundária à hipertensão arterial sistêmica (HAS), constitui-se em emergência hipertensiva, cujas características principais são a súbita separação da camada média do vaso, levando à infiltração de uma coluna de sangue em um espaço virtual formado entre a íntima e a adventícia, determinando uma falsa luz e a formação de hematoma na aorta.

Cerca de 75% dos casos localizam-se na aorta ascendente e acomete mais frequentemente homens a partir de 50 a 55 anos. A maioria dos pacientes com DAA apresenta dor intensa, insuportável (é comum encontrar pacientes agitados, inquietos e com fácies de dor), de início quase sempre súbito, descrita como sensação de rasgamento ou pontada, e de caráter migratório.

Geralmente a dor é intensa desde o início do quadro, o que ajuda na diferenciação de uma dor anginosa cuja característica é a piora progressiva da intensidade.

A localização inicial da dor sugere o local de início da dissecção. Geralmente é acompanhada de sintomas de atividade simpática, podendo apresentar também dispneia e edema pulmonar.

Nas dissecções proximais, a dor começa no precórdio, irradia-se para pescoço, braços, mandíbula, antes de migrar para as costas, região lombar ou membros inferiores.

Uma das classificações mais utilizadas para as DAA é a de Stanford, que engloba dois tipos:

  • DAA tipo A (mais frequente, cerca de 67%) – acomete a aorta ascendente independente do sítio de origem, ou seja, é proximal.
  • DAA tipo B – acomete somente a aorta descendente, ou seja, distal.

Outra classificação, é a de DeBakey que classifica em:

  • Tipo I – quando a dissecção origina-se na aorta ascendente e se estende por toda a aorta.
  • Tipo II – quando a dissecção fica limitada à aorta ascendente.
  • Tipo III – quando a dissecção origina-se distal à artéria subclávia esquerda envolvendo a aorta descendente.

Essas classificações podem ser melhor ilustradas com a imagem abaixo:

Imagem sobre a Anatomia e Classificação da Dissecção de Aorta
fonte:Doenças da aorta. In: Lopes AC, 2006, adaptado.

Quanto ao tempo desde início dos sintomas, a DAA pode ser classificada em:

  • Hiperaguda – menos de 24 horas;
  • Aguda – 2 a 7 dias
  • Subaguda – 8 a 30 dias
  • Crônica – mais de 30 dias.

O principal fator etiológico associado é a HAS, presente em cerca de 80% dos pacientes. Outros prováveis fatores associados são: doença aterosclerótica, tabagismo, coarctação de aorta, valva aórtica bicúspide, doenças vasculares inflamatórias de origem autoimune ou infecciosa.

Algumas patologias genéticas, que interferem no metabolismo do tecido conjuntivo também podem contribuir para a DAA, como a síndrome de Marfan e Ehlers-Danlos. Também pode ser resultado de intoxicação aguda catecolaminérgica secundária ao uso de cocaína e/ou anfetaminas e derivados.

Diagnóstico da Dor Torácica

O diagnóstico da DAA é baseado na história clínica, com posterior necessidade de confirmação e classificação em proximal ou distal. Necessita ser rápido e eficiente, tendo como preferência métodos não-invasivos. Os exames complementares de maior acurácia são a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e o ecocardiograma transesofágico.

No presente caso, trata-se de um paciente hipertenso de longa data, que não controlava sua pressão arterial e evoluiu com emergência hipertensiva (EH). Entende-se por EH, uma condição em que há elevação crítica da PA com quadro clínico grave, progressiva lesão de órgãos-alvo e risco de morte iminente, exigindo imediata redução da PA com agentes por via parenteral até a conduta cirúrgica corretiva, situação apresentada por nosso paciente.

Tratamento da Dor torácica

O tratamento anti-hipertensivo intravenoso deve ser iniciado emergencialmente em todos pacientes, com exceção daqueles com hipotensão, assim que o diagnóstico de DAA de origem hipertensiva for postulado.

O objetivo da terapia medicamentosa é reduzir a força de contração do ventrículo esquerdo (ionotropismo), a frequência cardíaca (cronotropismo), a elevação da onda de pulso reflexa e a PA para o menor nível possível, sem que haja comprometimento da perfusão de órgãos vitais.

Atualmente, para essa finalidade, administra-se:

  • Metoprolol, na dosagem de 5mg/5mL, 5mg IV em 5 minutos, podendo repetir por mais duas ou três vezes.
  • Nitroprussiato de sódio 2mL+SG 5% 248mL (concentração: 200mcg/mL). A dose inicial é 0,5mcg/kg/min e aumentar conforme dados da PA, até dose de 2-3mcg/kg/min (dose máxima: 10mcg/kg/min).
  • Sulfato de morfina, 10mg/mL + 9mL de SG 5%. Concentração 1mg/mL. Administrar 2-4mL IV (dose máxima 10mg)

Geralmente, as DAA do tipo I e II de DeBakey e o tipo A de Stanford têm pior prognóstico e precisam de encaminhamento para intervenção cirúrgica imediatamente para evitar as possíveis complicações do quadro, listadas na imagem abaixo:

Imagem com a lista de complicações da dissecção de aorta
fonte:Manual de emergência – abordagem prática USP

Diagnósticos diferenciais principais

As principais causas de dor torácica encontram-se listadas na imagem abaixo:

imagem-06-liet
fonte:Manual de emergência – abordagem prática USP

Objetivos de Aprendizados/Competências

Reconhecer a importância de uma boa anamnese, principalmente em um paciente com dor torácica;
Compreender as principais etiologias de dor torácica;
Descrever história e manejo de um paciente com dissecção de aorta.
Elencar principais diagnósticos diferenciais dessa entidade.

Pontos importantes

– Descrever e caracterizar bem a queixa de dor torácica;
– Pensar sempre em SCA, confirmando-a ou afastando-a.
– Fornecer analgesia imediata, monitorização e suporte.
– Reconhecer a importância do ECG imediato e das dosagens de enzimas miocárdicas.
– Perceber o potencial de gravidade da DAA e o perfil de letalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Martins HS, Neto RAB, Velasco IT. Medicina de Emergência – abordagem prática. Nova edição de Emergências Clínicas. 12ª edição. Ed Manole. São Paulo, SP. Medicina USP.
  • Bassan R, Pimenta L, Leães PE, Timerman A. Sociedade Brasileira de Cardiologia; I Diretriz de Dor Torácica na Sala de Emergência. Arq Bras Cardiol 2002; 79 (supl II ): 1.
  • Mészáros I, Mórocz J, Szlávi J, Schmidt J, Tornóci L, Nagy L, et al. Epidemiology and clinicopathology of aortic dissection. Chest. 2000;117(5):1271-8.
  • Dias RR, Stolf NAG. Doenças da aorta. In: Lopes AC, editor. Tratado de clínica médica. 1ª ed. São Paulo:Roca; 2006. p.727-34.
  • Melo ROV, Martin JFV, Toledo JCY, Braile DM. Dissecção aguda de aorta como apresentação de emergência hipertensiva. Rev Bras Cir Cardiovasc 2008; 23(4): 586-588.
  • Ovando LA, Zarelli BJL, Mura F. Dissecção aguda de aorta. Relato de caso. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2011 nov-dez;9(6):445-7.

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Confira o vídeo sobre dor torácica:

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