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Cardiologia pediátrica: síndrome de noonan | Colunistas

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A síndrome de Noonan (SN) foi descoberta em 1963 pela cardiologista pediátrica Jacqueline Noonan. É hereditária, tendo caráter autossômico dominante, com distribuição semelhante em ambos os sexos. A incidência varia de 1:1000 a 1:2500 nascidos vivos.

Oncogenética: A via de sinalização RAS/MAPK

Genes relacionados com a via de sinalização RAS/MAPK foram relacionados com a sua etiologia. Os genes PTPN11, SOS1, RAF1, KRAS e SHOC2 foram relacionados com a etiologia da síndrome e são responsáveis pela via de sinalização RAS/MAPK. A via RAS/MAPK é frequentemente descrita como a principal via de transdução de sinal. Essa via é capaz de estimular a angiogênese por meio de alterações na expressão de genes diretamente envolvidos na formação de novos vasos sanguíneos e está envolvida na regulação do ciclo celular, cicatrização de feridas e reparo de tecidos, sinalização de integrina e migração celular. Ras é o oncogene mutado com mais frequência no câncer humano. Mutações no oncogene K-ras foram localizadas nos códons 12, 13, 59 e 61. 

Figura 1: Via RAS / MAPK. Domínios fosforilados em tirosina de receptores de tirosina quinase ativados atuam como locais de ancoragem para várias proteínas intracelulares. (Schubbert e cols, 2007) 

Diagnóstico e os critérios de Van der Burgt 

A consideração diagnóstica diferencial principal é síndrome de Turner. Outros diagnósticos diferenciais incluem a síndrome cardiofaciocutâneo, a síndrome de Costello, a Neurofibromatose tipo 1 (NF1) e a síndrome LEOPARD. 

Existem características comuns à ambas as patologias. Contudo, Na síndrome de Turner o coração esquerdo é mais acometido, tendo como principal anomalia a estenose aórtica, enquanto que os portadores de Noonan tem como principal anomalia cardíaca a estenose pulonar (de Majo e cols., 1979) 

Em 1981, Duncan e cols. propuseram um sistema de escore para o diagnóstico da SN com base em 26 itens encontrados comumente nestes pacientes. Contudo, a complexidade deste sistema  dificultou o seu uso. Em 1994, van der Burgt e cols. propuseram um sistema simples e eficiente com base na pontuação de critérios maiores e menores. De todos os critérios de Burgt, um dos mais expressivos é a baixa estatura, sendo a síndrome de Noonan um importante diagnóstico diferencial em crianças com déficit de crescimento. Para considerar o diagnóstico é necessário apresentar o critério maior face típica, associado a um critério maior ou dois menores. 

Figura 2: Critérios diagnósticos da Síndrome de Noonan (van der Burgt e cols. in 1994) 

A face típica descrita no diagnóstico é caracterizada por sua forma triangular (inicialmente, a cabeça adquire um aspecto turricefálico com eminência malar achatada e estreitamento bitemporal) hipertelorismo ocular, ptose palpebral, rotação incompleta do pavilhão auricular, com espessamento da hélice auricular e lábio superior tendendo a ter uma linha de sulco profunda. 

Alterações cardíacas e esqueléticas

Podemos encontrar deformidades torácicas como pectus carinatum ou pectus excavatum. Já as malformações cardíacas ocorrem em cerca de 50% dos portadores de Noonan, destacando-se a estenose pulmonar valvar, a miocardiopatia hipertensiva, a comunicação interatrial, a comunicação interventricular, a tetralogia de Fallot e o prolapso da valva mitral. A estenose valvar pulmonar é a lesão cardíaca mais comum, podendo estar presente em 54% dos pacientes, seguido por miocardiopatia hipertrófica e defeitos do septo atrial, ambos presentes em 18% dos pacientes. 

No eletrocardiograma podemos encontrar sinais de hipertrofia do ventrículo direito, complexos QRS alargados com predomínio de padrão negativo nas derivações precordiais à esquerda. 

Figura 3: Alterações eletrocardiográficas em pacientes portadores de Noonan: Desvio no eixo do QRS (BERTOLA, D. 2019. doi.org/10.1590/S0041-87811999000500003) 

Tratamento

A baixa estatura de início pós-natal é uma das características clínicas mais frequentemente observada nessa síndrome. Devem ser pesquisadas causas endócrinas mais associadas à condição, como os distúrbios autoimunes da tireoide, entre eles a tireoidite de Hashimoto (o TSH mostrou-se aumentado e o anticorpo antimicrossomal positivo). A presença de IGF-1 baixo e a secreção de GH normal ou elevada sugere que um grau de insensibilidade ao GH possa estar relacionada a essa característica. 

Em 2001, Tartaglia et al atribuíram a etiologia da síndrome de Noonan a mutações no gene PTPN11 localizado no lócus 12q24.1 gerando em um aumento da função da proteína SHP-2, fosfotirosina fosfatase não recetora tipo 11. O tratamento com hormônio de crescimento (hrGH) é proposto para corrigir a baixa estatura observada nestes pacientes. Estudos recentes apontam que pacientes com SN por mutações no gene PTPN11 apresentam pior resposta ao tratamento com hrGH quando comparado com pacientes sem mutações no PTPN11. Estudos sugerem que a mutação na SHP-2 seria responsável por um estado de insensibilidade parcial do GH a nível pós-receptor.

Cotterill e cols avaliaram as contraindicações na literatura quanto ao tratamento com hrGH, por exemplo, a presença de cardiomiopatia hipertrófica (HCM) devido aos  seus efeitos deletérios no músculo cardíaco, como observado na acromegalia. Outro risco associado seriado do uso de hrGH relacionado ao desenvolvimento de leucemias pela presença de mutações específicas do gene PTPN11. 

Antes de recorrer a procedimentos invansivos é importante fazer um estudo hematológico, avaliando: o tempo de sangramento (TS), um teste de tempo de protrombina (TP), um tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) teste, um teste de tempo de trombina (TT), um contagem de plaquetas e uma determinação quantitativa do fator XI, já que o hematológico mais frequente a anormalidade descrita na SN é uma deficiência do fator XI.

A a estenose pulmonar valvar com folhetos displásicos pode ter como principais intervenções o valvuloplastia pulmonar por balão percutânea, adesivo transanular, valvotomia pulmonar e substituição da valva pulmonar. No caso de cardiomiopatia hipertrófica, o principal tratamento é o uso de betabloqueadores ou amiodarona. 


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

Mendez HM, Opitz JM. Noonan syndrome: a review. Am J Med Genet. 1985;21:493-506. 

Noonan JA, Ehmke DA. Associated noncardiac malformations in children with congenital heart disease. J Pediatr. 1963; 63:468-70

van der Burgt I. Noonan syndrome. Orphanet J Rare Dis. 2007;2:4 

Hernández MR, Rodríguez EDR, Silva RES. Síndrome de Noonan: Presentación de un caso. Medisur. 2015;13(2):316-20.

Pons Castro L, Méndez Sánchez TJ, Naranjo RM, Arias Díaz A, Soto García M, Silveira Simón M. Síndrome de Noonan: Presentación de dos casos. Rev Cubana Oftalmol. 2009;22(1). 

Schubbert S, Bollag G, Shannon K. Deregulated ras signaling in developmental disorders: new tricks for an old dog. Curr Opin Genet Dev. 2007;17:15-22. 

Roberts AE, Araki T, Swanson KD, Montgomery KT, Schiripo TA, Joshi VA, et al. Germline gain-of-function mutations in SOS1 cause Noonan syndrome. Nat Genet. 2007;39:70-4.

Osio D, Dahlgren J, Wikland KA, Westphal O. Improved final height with long-term growth hormone treatment in Noonan syndrome. Acta Paediatr. 2005;94:1232-7.