A babesiose representa uma infecção parasitária causada por protozoários intra-eritrocitários do gênero Babesia, que acomete seres humanos de forma cada vez mais frequente, especialmente em regiões onde há expansão de vetores e mudanças ecológicas relevantes.
Embora muitos pacientes apresentem quadros leves, outros evoluem rapidamente para doença grave.
Transmissão da babesiose
A transmissão ocorre, sobretudo, através da picada de carrapatos do gênero Ixodes, principalmente Ixodes scapularis. Assim que o carrapato se fixa, ele injeta esporozoítos no sangue humano, permitindo que o parasito invada os eritrócitos. Entretanto, o risco aumenta de maneira significativa quando o carrapato permanece aderido por longos períodos, como ocorre em atividades rurais, florestais ou de lazer em áreas endêmicas.
Na imagem abaixo é possível visualizar o ciclo de vida do carrapato:

Além dessa via principal, a babesiose se dissemina também por transfusão de hemoderivados contaminados, especialmente quando o doador apresenta parasitemia baixa e assintomática. Médicos devem considerar essa possibilidade sempre que pacientes evoluem com febre, hemólise e sem antecedente de exposição a carrapatos. Ademais, casos congênitos aparecem em relatos isolados, reforçando que a transmissão vertical é rara, mas possível.
Quando avaliamos os fatores de risco, notamos que a probabilidade aumenta nos meses de maior atividade do Ixodes, sobretudo no verão. Além disso, indivíduos esplenectomizados, idosos, imunossuprimidos ou com doenças crônicas desenvolvem quadros mais graves, pois o baço atua como principal órgão para a depuração de eritrócitos infectados. Dessa forma, o clínico deve investigar sempre histórico de viagem, atividades outdoor, residência em locais endêmicos, transfusões recentes e cirurgias que comprometam a resposta imunológica.
Por fim, como a mobilidade humana e as mudanças climáticas intensificam a expansão dos vetores, a babesiose passa a compor um diagnóstico diferencial importante mesmo em regiões antes consideradas não endêmicas.
Manifestações clínicas
A babesiose apresenta um espectro clínico amplo. Em diversos pacientes, o quadro permanece subclínico e a infecção só é identificada por exames laboratoriais. Contudo, outros evoluem com febre, hemólise e complicações sistêmicas rapidamente. Assim, conhecer os sinais precoces torna-se fundamental.
Período de incubação e sintomas iniciais
O período de incubação geralmente varia de 1 a 4 semanas após a picada do carrapato. Em casos transmitidos por transfusão, o início dos sintomas pode ocorrer até meses depois. Portanto, o clínico deve correlacionar sintomas e contexto epidemiológico.
A fase inicial costuma incluir:
- Febre
- Calafrios
- Fadiga intensa
- Mialgia
- Cefaleia
- E sudorese.
O quadro se assemelha bastante a infecções virais, o que dificulta a suspeita diagnóstica se o profissional não questiona exposição a carrapatos ou transfusão de sangue. Conforme a parasitemia aumenta, surgem sinais de hemólise, como icterícia, urina escura e mal-estar progressivo.
Hemólise e acometimento sistêmico da babesiose
Depois que o protozoário invade os eritrócitos, ocorre lise progressiva dessas células. Como resultado, o paciente desenvolve anemia hemolítica, com reticulocitose, aumento de bilirrubina indireta e queda de haptoglobina. Além disso, podem surgir plaquetopenia e leucopenia, refletindo resposta inflamatória sistêmica ou hiperesplenismo.
A amplitude das manifestações depende do grau de parasitemia. Em pacientes imunocompetentes, a parasitemia costuma permanecer baixa, enquanto imunossuprimidos ou esplenectomizados frequentemente exibem valores elevados. Consequentemente, esses grupos apresentam maior risco de insuficiência respiratória, insuficiência renal aguda, coagulopatia, choque séptico e até ruptura esplênica.
O exame físico pode revelar hepatoesplenomegalia, icterícia, palidez acentuada e sinais de desidratação. Embora não seja obrigatório, alguns pacientes evoluem com alterações hepáticas e elevação de LDH, refletindo a intensidade da hemólise.
Co-infecções transmitidas pelo mesmo vetor
Um ponto essencial é reconhecer que o Ixodes scapularis transmite também Borrelia burgdorferi e Anaplasma phagocytophilum. Portanto, co-infecções são relativamente frequentes, especialmente em áreas altamente endêmicas. Na prática, isso significa quadros febris mais intensos, dor de cabeça mais proeminente e alterações laboratoriais sobrepostas, o que exige investigação simultânea. Assim, o médico deve considerar babesiose sempre que o paciente exibir febre persistente após manejo adequado para Doença de Lyme ou Anaplasmose.
Por outro lado, a babesiose se confunde com malária devido à presença de parasitas intra-eritrocitários no esfregaço. Entretanto, a morfologia difere, e a ausência de história epidemiológica compatível com malária facilita a distinção.
Diagnóstico da babesiose
O diagnóstico ocorre principalmente por identificação direta do parasita no esfregaço de sangue periférico, o que permite visualização de trofozoítos intra-eritrocitários, com formas características em “anel” ou, ocasionalmente, o padrão em “cruz de Malta”. Contudo, parasitemias baixas exigem exames complementares mais sensíveis.
Assim, testes moleculares (PCR) se tornam essenciais para confirmar o diagnóstico, especialmente em casos assintomáticos, pós-transfusionais ou quando o esfregaço é inconclusivo. O PCR detecta DNA parasitário e auxilia na distinção entre espécies, como Babesia microti, Babesia duncani e Babesia divergens. Além disso, sorologias complementam a investigação, embora confirmem principalmente exposição passada.
Embora o diagnóstico geralmente ocorra de forma rápida quando o clínico mantém suspeita adequada, muitos casos se prolongam por dias devido à interpretação inicial de virose, o que reforça a importância do raciocínio epidemiológico.
Condução da babesiose
O manejo da babesiose depende diretamente da gravidade clínica, do nível de parasitemia e das condições do paciente.
Tratamento dos casos leves e moderados
A maioria dos pacientes imunocompetentes evolui bem com atovaquona associada à azitromicina. Essa combinação apresenta boa eficácia e excelente tolerabilidade. Em geral, o tratamento dura entre 7 e 10 dias. Entretanto, quando o paciente apresenta sintomas mais intensos ou parasitemia elevada, a duração pode se estender.
Além disso, hidratação adequada, correção de distúrbios metabólicos e monitorização da função renal complementam o cuidado.
Tratamento dos casos graves
Pacientes com doença grave, especialmente aqueles com parasitemia superior a 10%, esplenectomizados ou com disfunção multissistêmica, respondem melhor à combinação de clindamicina intravenosa com quinina. Embora cause mais efeitos adversos, como hipotensão, hipoglicemia e intolerância gastrintestinal, essa terapia reduz parasitemia rapidamente.
Quando a parasitemia ultrapassa 10% e o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica, médicos podem realizar exchange transfusion (troca de hemácias), que reduz de forma brusca a carga parasitária e melhora a oxigenação tecidual. Essa intervenção exige equipe treinada e serviço especializado.
Acompanhamento e complicações
Como alguns pacientes desenvolvem sintomas prolongados, especialmente imunossuprimidos, o acompanhamento precisa incluir repetição de exames laboratoriais, monitorização da função hepática e renal e controle da parasitemia por esfregaço ou PCR.
É fundamental investigar e tratar co-infecções transmitidas pelo mesmo vetor, pois elas alteram a resposta clínica e prolongam o curso da doença.
Prevenção
A prevenção envolve principalmente evitar picadas de carrapatos. Recomenda-se uso de roupas claras, inspeção corporal após atividades em áreas endêmicas, repelentes específicos e manejo ambiental. No contexto hospitalar, é importante monitorar bancos de sangue, especialmente em regiões onde a transmissão transfusional aumenta.
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Referências bibliográficas
- UPTODATE. Babesiosis: Clinical manifestations and diagnosis. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/babesiosis-clinical-manifestations-and-diagnosis. Acesso em: 25 nov. 2025.
- UPTODATE. Babesiosis: Treatment and prevention. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/babesiosis-treatment-and-prevention. Acesso em: 25 nov. 2025.
