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Artrite Idiopática Juvenil: crianças também têm artrite | Colunistas

Artrite Idiopática Juvenil: crianças também têm artrite | Colunistas

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Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A Artrite Idiopática Juvenil, conhecida anteriormente como Artrite Reumatoide Juvenil e Artrite Crônica Juvenil, é um distúrbio crônico infantil caracterizado pela inflamação das articulações. Sendo a doença reumática mais comum da infância, ela não tem causa definida, e é dividida em: Artrite indiferenciada, Artrite relacionada à entesite, Artrite sistêmica, Artrite psoriásica, Poliartrite fator reumático negativo, Poliartrite fator reumático positivo e Oligoartrite persistente ou estendida.

Epidemiologia da Artrite Idiopática Juvenil

A forma mais comum é a Oligoarticular, correspondendo a 50-60% dos casos, em sequência, a Poliarticular, com 30-35% dos casos, e por último a forma Sistêmica, responsável por 10-20% dos casos. Dessa maneira, a incidência é de 1-22 casos por 100 mil habitantes, enquanto a prevalência é de 8-150 casos por 100 mil habitantes.

No entanto, temos que a ocorrência da doença é extremamente variável de acordo com a região geográfica – para exemplificar, é possível observar que as crianças afro-americanas são mais propensas a ter o tipo Poliarticular, ao passo que as caucasianas normalmente têm o tipo Oligoarticular. Outra observação importante é o fato de existir um predomínio do sexo feminino nas formas oligo e poliarticular, sendo o pico de incidência de 2-4 anos na forma oligoarticular. Já na poliarticular, há dois picos: 2-4 anos e 10-14.

Patogênese

Estima-se que a exposição a certos ambientes influencia alguns genes, e que, através dessa interação, surgem os diversos subtipos de Artrite Idiopática Juvenil. Além disso, quando expostos a fatores ambientais, como a infecção por rubéola euso de antibiótico, aumenta ainda mais o risco de desenvolver a artrite.

Vale destacar que alelos do Antígeno Leucocitário Humano (HLA) estão envolvidos no desenvolvimento da artrite, e que cada subtipo possui alelos específicos para manifestar a doença.

Entre diversas teorias para se descobrir o porquê da doença, temos a principal que declara existir uma ativação celular e humoral pela secreção exacerbada de citocinas do tipo Th1 em resposta aos linfócitos T. Nesse contexto, os linfócitos T infiltram as articulações, causando uma sinovite crônica, que, por sua vez, causa edema, aumento do fluxo sanguíneo e proliferação vilosa progressiva. Fica claro, portanto, que, independente da fisiopatologia, pertence ao grupo de doenças autoimunes.

Manifestações clínicas gerais

Algo indispensável para seu diagnóstico é a presença da artrite como manifestação clínica. Diante desse cenário, a artrite pode ser definida como:

  1. Aumento do volume sinovial entre as articulações ou
  2. Estar presente no mínimo dois dos subsequentes sinais:
    1. Dor articular à movimentação
    1. Limitação ao arco de movimento
    1. Hipertermia local
    1. Eritema articular.

Somado a isso, de modo geral, as articulações afetadas encontram-se dolorosas, edemaciadas, com restrição de movimento, rigidez matinal e quentes.

Classificação

Artrite Sistêmica

Também conhecida como doença de Still, foge um pouco da lógica da artrite idiopática juvenil, sendo uma doença mais autoinflamatória do que autoimune – dessa forma, de maneira geral, temos que o evento fisiopatológico constitui de hiperativação das células da imunidade inata.

Ela cursa com uma artrite em articulações, sendo normalmente uma poliartrite de caráter destrutivo, afetando os membros superiores e inferiores. Para confirmar o seu diagnóstico, basta ter uma articulação acometida por artrite, e, somado a isso, necessário ter também febre e acometimento visceral proeminente. A febre, por sua vez, ela deve ser diária, com uma duração maior que duas semanas, e pela presença de um ou dois picos de temperaturas muito elevadas (maior ou igual a 39°C), ocorrendo geralmente à noite, voltando rapidamente para uma temperatura térmica normal. Adicionado a essa febre, é comum aparecer um rash macular rosa-salmão não pruriginoso em tronco superior – são erupções causadas pelo calor, que duram no máximo uma hora, tendo a capacidade de migrar no período de duração.

O fenômeno de Koebner, além da linfadenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia são achados frequentes na artrite idiopática juvenil sistêmica.

Um ponto importante da artrite sistêmica é a Síndrome de Ativação Macrofágica (SAM), que é uma complicação da artrite idiopática juvenil sistêmica, surge no período de evolução da doença, caracterizada pela hemofagocitose. Ou seja, os macrófagos e monócitos passam a se alimentar dos elementos figurados do sangue, resultando em uma pancitopenia profunda, gerando, na criança, um quadro de fadiga, infecções e sangramentos. Para que haja o diagnóstico da SAM é necessário fazer um aspirado de medula óssea, seguido de um tratamento que se resume a uma imunossupressão agressiva.

Poliartrite fator reumático negativo e positivo

A poliartrite fator reumático positivo apresenta IgM em dois momentos diferentes com no mínimo três meses de intervalo – já a poliartrite fator reumático negativo tem a sorologia negativa.

É uma doença mais frequente no sexo feminino, com a existência de dois picos etários: o primeiro, entre 2 e 5 anos, e o segundo entre 10 e 14 anos. A manifestação clínica nesse primeiro pico é de uma artrite com uma ou duas articulações afetadas, tendo um acometimento simétrico, sendo joelhos e tornozelos os mais acometidos. Já quando falamos do segundo pico, de 10-14 anos, o início da doença é mais rápido, em diversas articulações, englobando mãos e pés, cotovelos e quadris.

Oligoartrite

É uma doença com pelo menos cinco articulações acometidas, dividida entre oligoartrite persistente (afetando de um a quatro articulações nos primeiros seis meses da doença) ou oligoartrite estendida (afeta de um a quatro articulações nos primeiros seis meses, evoluindo para cinco ou mais articulações acometidas posteriormente, tendo um pior prognóstico). É mais encontrada em meninas, sendo o pico de incidência no segundo ou terceiro ano de vida, principalmente naquelas que apresentam FAN – fator antinuclear – positivo, caracterizada por uma artrite que agride mais as articulações grandes, com presença de edema, calor e dor local.

Artrite relacionada à Entesite

Esse subtipo está ligado ao alelo do Antígeno Leucocitário Humano B27. Tendo como característica um quadro de artrite + entesite, ou artrite, ou entesite + pelo menos dois dos seguintes critérios:

  • Dor em região sacroilíaca e/ou dor inflamatória em coluna lombossacra.
  • Uveíte (inflamação da porção média do olho) anterior aguda.
  • Início da artrite em meninos após o sexto ano de vida.
  • História familiar de primeiro grau com espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, síndrome de Reiter ou uveíte anterior aguda.

Artrite psoriásica

Consiste em um quadro de artrite + psoríase ou artrite + dois dos parâmetros:

  • Dactilite.
  • Psoríase em parente de primeiro grau.
  • Depressões puntiformes na unha e onicólise.

Se caracteriza, em sua maioria, por afetar crianças do sexo feminino, podendo ter FAN positivo, nas articulações de mãos, punhos e pés – e, em crianças mais jovens, ou seja, menores de cinco anos, apresentam uma clínica similar à artrite oligoarticular. Já em crianças mais velhas, adolescentes, afetam meninos e meninas de maneira igual, sendo mais frequente de coluna vertebral ou sacroilíaca.

Artrite indiferenciada

Nesse subtipo encontram-se as crianças que não atendem nenhum dos outros critérios pela presença de um quadro incompleto ou por atender critérios de mais de um subtipo.

Diagnóstico

O ILAR (International League of Associations for Rheumatology) afirma que a Artrite Idiopática Juvenil tem um diagnóstico por exclusão, sendo necessário ter o início da doença antes dos 16 anos, com artrite em uma ou mais articulações, e que as suas manifestações clínicas durem no mínimo seis semanas.

Podemos lançar mão de exames laboratoriais, incluindo o hemograma e testes que avaliem a presença de inflamação. Além disso, tem os testes imunológicos, como o FAN, Fator Reumatoide e o achado de HLA B27, que, na verdade, servem para distinguir sobre qual subtipo de artrite estamos falando.

Já pensando em alterações radiológicas, são as mesmas encontradas em uma artrite reumática no adulto, ou seja, o aumento de partes moles acompanhada de osteopenia justarticular progressiva, erosões de cartilagens e fusão articular.

Tratamento

Ele varia de acordo com o subtipo detectado, do grau da manifestação clínica e da presença ou não de complicações. Mas tem como objetivo o alívio dos sintomas e induzir a remissão, impossibilitando ou retardando a destruição articular.

Quando falamos da forma articular, escolhemos os anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), usados até que haja a remissão do quadro. Já para os pacientes que não obtêm um feedback positivo após quatro-seis semanas de tratamento, se utiliza glicocorticoides intra-articulares.

Já para aqueles do subtipo poliarticular, o AINE pode ser usado para obter um alívio rápido do sintoma, mas, de maneira isolada, não é o bastante. Sendo assim, usa as drogas antirreumáticas modificadoras de doença (DARMD), a exemplo dos antagonistas de TNF-alfa.

Enquanto isso, aqueles de início sistêmico, com quadros leves, podem ser tratados, a princípio, com um AINE em monoterapia. Se não houver retorno, segue o caminho do uso das drogas antirreumáticas modificadoras de doença. Mas, se ainda sim o quadro não melhorar, faz-se uso dos agentes anti-interleucinas, que geram alívio ágil.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  • KLIEGMAN, RM. Nelson – Tratado de Pediatria. 20ª ed. RJ: GEN Guanabara Koogan, 2017.
  • CECIL, R. Goldman Cecil Medicina. 25ª ed. RJ: Elsevier, 2018.
  • LOPEZ, FA. Tratado de Pediatria. 4ª ed. SP: Editora Manole, 2017.
  • KIMURA, Y. Systemic juvenile idiopathic arthritis: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, 2020. Disponível em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 15 de mar. de 2021.